Introvertendo 37 – Masculinidade Tóxica

A masculinidade tóxica é um tema pouco discutido no Brasil. Tema que compreende uma série de comportamentos e concepções distorcidas do que é ser masculino, provoca problemas sociais e de saúde tanto para homens e mulheres. Neste episódio, discutimos os problemas em torno deste tipo de masculinidade, casos na cultura popular e de como autistas homens precisam se policiar e avaliar se seus comportamentos são tóxicos.

Participam desse episódio Luca Nolasco e Tiago Abreu.

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, essa mídia que une pessoas neurotípicas e neurodiversas para destruir, mas também para te consolar em seus sonhos. Meu nome é Tiago Abreu…

Luca: Meu nome é Luca Nolasco e… 

Tiago: E nós vamos falar sobre masculinidade tóxica. Você vai entender o conceito, vai ver algumas questões aplicadas, não só ao universo social, mas também ao fenômeno do autismo.

Luca: Bom, Tiago, vamos começar aqui pra definir pros ouvintes o que é masculinidade tóxica, porque eu acho que é um tema muito segmentado, muitas pessoas podem sequer, até, ouvir falar. O que você definiria como uma unidade tóxica? 

Tiago: Eu diria que masculinidade tóxica é um termo que a gente usa para uma série de comportamentos, às vezes até tomados como instintivos, socialmente, que são, digamos assim, o patamar de alcance de masculinidade, de símbolo da expressão masculina de virilidade do homem na sociedade, e que na verdade é um monte de bobagens, que só pioram a saúde mental e física das pessoas, e ainda os faz ter comportamentos às vezes violentos com relação a outras pessoas, tanto homens quanto mulheres. E é uma definição que vem muito dos estudos feministas,e que agora pelo menos alguns movimentos. principalmente homens. eu vejo esse tema muito comum em alguns países da Europa, por  exemplo o Reino Unido, mas aqui no Brasil ainda é um negócio que as pessoas não falam muito. 

Luca: Sim, exemplos de masculinidade tóxica como você pode ver é quando desde o início da criação de uma criança, caso seja um garoto, você ouvir comentários como, “ah não pode chorar”, “você tem que forte”, “se fulaninho te desrespeitar na escola você tem que bater nele, porque se não bater nele, cê apanha quando chegar em casa”. Atitudes assim acabam sendo enraizadas naquelas crianças e tornam ela um indivíduo que é prejudicial socialmente aos outros, porque ninguém gosta, ninguém se sente muito bem próximo de uma pessoa que é violenta assim, que tem como cerne atitudes de ser violento, de ser truculento e grosso porque pra ser homem você não precisa ser isso e pra ser masculino também não precisa disso. Só que na visão de muitas pessoas precisa, e isso acaba sendo tóxico socialmente. Tem mais algum outro exemplo que você citaria? 

Tiago: Eu acho que a masculinidade tóxica é, de certa forma, uma rejeição a qualquer elemento feminino, então qualquer tipo de comportamento feito por homens, por pessoas que se identificam com gênero masculino, que seja associado ao feminino é imensamente rejeitado e visto como forma negativa, uma forma inferior, como se qualquer tipo de comportamento tido como feminino, ou seja, diretamente relacionado a mulheres fosse inferiores a qualquer questão masculina. 

Luca: Eu não diria só feminino, como diria a qualquer comportamento visto como de fraco ou fraqueza, que infelizmente muitas pessoas acabam associando ao feminino que é algo completamente errôneo e tosco, mas você vê isso quando as pessoas associam que mulheres são fracas, mulheres choram muito e você como homem não pode chorar, você não pode ser fraco, não pode ter emoções. Sendo que isso não são atitudes nem restritas às mulheres muito menos restritas a pessoas fracas, não é algo assim. 

Tiago: Inclusive se a gente for parar pra pensar sobre essa questão, por exemplo, das lágrimas e demonstrar sofrimento ou a fraqueza, a gente tem que lembrar que os índices de suicídio são muito maiores em homens, psicopatia muito maior em homens, e de uma série de coisas, de debilidades e fraquezas que mostram que, no fim das contas, a saúde dos homens fica muito mais afetada nesse sentido. Então, tem uma coisa que inclusive não tem ainda conclusões médicas e da comunidade científica fechadas, mas um dos estudos mais recentes dos últimos tempos têm relacionado a questão do infarto fulminante em homen,s que é muito mais comum do que em mulheres, como algo que pode ser associado desse tanto de acúmulo de questões, porque a masculinidade tóxica afeta mulheres pelo seu universo de convivência, porque existe um padrão idealizado de homem a ser alcançado e esse padrão idealizado afeta diretamente a relação que ele tem com as mulheres, como afeta também os próprios homens, então os homens que cumpre essas expectativas se sentem destruídos e eles sempre sobrecarregados por essas demandas. 

No meu universo social, eu não tenho tanta gente na minha vida social, mas existem poucas pessoas que eu conheço que eu já vejo que elas se sentem presas nesse padrão de masculinidade tóxica, homens que sofrem, homens que têm problemas e guardam tudo pra si, e aí você vê que a pessoa não tá aguentando a carga, mas a pessoa não se abre, a pessoa não procura ajuda, inclusive se você falar pra um homem pra fazer terapia, geralmente tem homem que surta, né? Fala assim, “ah coisa que mulher” e etc., então tudo que é relacionado a essa questão mais de sensibilidade acaba sendo associado ao feminino, como se fosse algo pior, ou como se fosse algo ruim, e não. Por isso, exatamente, a masculinidade não envolve só uma questão social, ou uma questão de academia, universidade, que as pessoas acham que tá distante da vida, é uma questão de saúde e a qualidade de vida é um padrão que todos devem ter e devem alcançar que é importante.

Luca: Um caso que eu acho que é o mais emblemático, que eu acho que é um dos que mais representa, é a franquia Os Mercenários, que o Terry Crews participando dela, pelo menos os primeiros filmes, depois ele desistiu por conta exatamente disso, onde a franquia representa exatamente aqueles homens brucutu, grandes, que nunca se emocionam com nada e que o único trabalho deles é matar gente e ser machão, e inclusive o papel do Terry Crews é exatamente isso, sendo que ele na vida real é uma pessoa que conversa com fãs, ele basicamente é o contrário do estereótipo, ele é uma pessoa delicada que é extremamente sensível, ele admite as fraquezas dele, ele pinta, coisa que muitos homens acham que é algo tosco, enfim, ele faz pintura. É uma pessoa que aceita tanto suas falhas quanto o lados de delicadeza e é contrastante demais ele ser essa pessoa enquanto trabalhava no filme, tanto é que por conta disso e de que pessoas que tavam trabalhando também são acusados de abuso sexual, ele desistiu de participar de novos filmes do Mercenários, porque ele não quer compactuar com isso, não quer ajudar essas pessoas a ter fama, ou pelo menos manter a fama delas, então ele desistiu completamente de ter o dinheiro dele nisso porque não quer compactuar. Eu acho que ele é uma pessoa que representa bem o que é assumir o seu aspecto tóxico e tentar mudar isso. Falando até desse aspecto tóxico, ele já deu várias entrevistas falando que ele era viciado em pornografia e que ele não conseguia deixar isso e era uma vergonha muito grande pra ele, porque ele via como além de ser uma coisa que perpetua o abuso que muitas mulheres sofrem, é algo que não era justificável ele ficar vendo, porque simplesmente não tem sentido, ele tem uma esposa ele tem qualquer coisa pro lado sexual dele ser satisfeito, e ainda que ele não conseguia largar, então ele admitiu isso, ele tentou mudar, conseguiu e hoje em dia ela é uma das vozes mais proeminentes na questão do antipornografia, porque ele vê como algo que perpetua características de abuso, não necessariamente a pessoa ir lá e estuprar, mas aspectos do abuso na sociedade onde você trata a mulher como sempre quer transar contigo, ah porque ela é safada, não sei o que, coisa que não é assim, isso é só um estereótipo. 

Tiago: Outro caso de masculinidade tóxica na cultura popular pra mim é uma figura bastante controversa que é o John Lennon. O John Lennon, tirando essas questões polêmicas muito claras na vida e obra dele, você percebe que ele era um tipo de pessoa, na época dos Beatles, com relação à expressão de sentimentos dele, e à medida que ele foi se aproximando da morte ele foi se tornando uma pessoa mais maleável com relação a isso. Um caso muito emblemático ocorre em 1968, quando eles estão produzindo o Álbum Branco, que é o antepenúltimo álbum dos Beatles, da sequência principal, e ele faz uma música chamada Good Night, que ele faz pro filho dele, o Julian. E aí essa música específica ele não canta, essa faixa, mesmo sendo uma música dedicada pro filho, parece que ele não consegue encontrar, ele não consegue acessar essa delicadeza dele, e esse sentimento pra ter coragem de fazer isso e quem ele passa? Pro Ringo, e o Ringo canta a música. 

(Risos)

Luca: Inclusive, eu acredito que por mais que a música tenha sido feita pro Julian, a voz do Ringo ficou muito boa pra música. 

Tiago: E é um final muito interessante pra um álbum, né? Assim, é um negócio bem diferente…

Luca: Considerando que o álbum tinha Helter Skelter, que é a música mais próxima do rock pauleira que tem lá, e do nada, vai pro Good Night, que é uma canção que eu acho que é de ninar e que é bem interessante. 

Tiago: Sim, e aí quando você aproxima ao longo do tempo, cê vê que quando ele tem aquele processo que ele sai do meio da música e vira uma pessoa de casa e tudo mais, ele fica com o tempo só pra conviver com a Yoko e criar o segundo filho dele que é o Sam, ele começa a ter uma observação diferente disso, tanto é que a última entrevista dele em vida, que ele deu pra Rolling Stones, antes dele ser assassinado, ele fala basicamente sobre o processo que ele teve de de sair desse aspecto, e que ele tava mudando, ele falou mesmo durante a entrevista que ele tava nesse processo de mudança e que a própria observação da importância da Yoko na vida dele, não só como uma pessoa que constrói a relação, mas como mulher, também estava mudando a concepção dele em relação a isso. E eu acho que um dos exemplos é o caso da música Beautiful Boy, que tá no álbum Double Fantasy, que ele, ao invés do que ele fez em Google Night, se distanciar da obra dele, ele se aproximou e foi mais direto com relação a isso. 

Luca: Inclusive tem uma certa jogada da língua, porque isso já traz um certo lado de delicadeza, que Beautiful é um adjetivo que geralmente não é usado pra garotos em inglês, porque ele remete a coisas delicadas, e aquela beleza suntuosa que muitas vezes é associada à figura das mulheres, então Beautiful Boy já trata como algo muito mais suave, muito sutil. 

O Clube da Luta é um caso que chega até a ser irônico, porque a maioria dos fãs acabam entendendo um pouco errado, e eu vou ser babaca agora de falar “não, eu que entendi certo”, mas eu acredito que a minha interpretação da obra é algo próximo do que o autor teve a intenção, porque o Chuck Palahniuk é um autor assumidamente gay, que ele sempre trata, perdão o uso da palavra, mas ele sempre trata das desgraças, mas tentando fazer uma crítica exatamente a isso. Nem sempre a crítica dele é muito bem interpretada, no caso do Clube da Luta ela não foi, porque o filme e o livro tratam de um cara que a vida dele era vista como muito ruim, ele tinha insônia, ele trabalhava num emprego ruim nada dele era bom, o único prazer que ele tinha era comprar coisas no equivalente do Walmart. Então, isso pra qualquer pessoa seria uma vida de merda. Pra tentar melhorar a vida dele e tornar algo mais emocionante, ele cria o Clube da Luta, que é onde basicamente homens de meia idade vão se esmurrar pra ter algum prazer, alguma sensação boa na vida, isso toma proporções gigantescas e vira um grupo de terrorismo, desculpa o spoiler, mas muitos dos fãs tratam isso como “putz, eu vou criar o meu clube da luta, eu vou sair por aí batendo nos meus amigos”, não, o filme é exatamente criticando, porque você consegue ver que a vida dele só piora com o Clube da Luta, ele só tende a piorar também e até a parte dois, que é um quadrinho, ele mostra que a vida dele nunca melhorou depois do Clube da Luta. Eu acho que isso era exatamente o autor criticando a masculinidade tóxica, onde você constantemente tem que que provar que tem machão, que tem que bater nos outros, sendo que isso é uma questão que se ele tomasse a vida que ele tinha antes tentando repensar a vida dele, seria provavelmente muito melhor do que isso foi depois. 

E um fato curioso, o ator que faz o Kylo Ren, quando era adolescente ele montou um clube da luta com os amigos dele aqui. (Risos)

Tiago: Outro caso já fora desse aspecto da arte, é uma palestra do TED que ocorreu em 2017, de um ator dos Estados Unidos chamado Justin Baldoni. Ele é casado, ele costumou fazer filmes com personagens irrelevantes ou bombadões, saradões que andam sem camiseta, e ele falou que em um momento ele cansou disso, e aí nas redes sociais ele falava um pouco dessa questão da masculinidade tóxica da sensibilidade, e ele percebeu que o público dele era só mulher, que os homens não se interessavam em ver o que ele tava falando, e aí ele fez um experimento. Ele começou a postar fotos de treino, coisas assim, teoricamente mais masculinas, e ele falou que os homens começaram a seguir ele, e toda vez, que ele postar alguma coisa mais sensível ou ele recebia enxurrada de críticas, ou só mulheres comentavam, e ele começou a pensar algumas coisas nesse sentido. 

Teve um caso emblemático que ele postou uma foto dele com a esposa e eu acho que com o filho e aí uma seguidora dele marcou o namorado na foto, e aí ele respondeu ela dizendo assim: “para de me marcar nessas coisas gay”, e aí o próprio Justin foi conversar com o próprio cara perguntando “ah, por que que a foto com a minha esposa e com meu filho é uma coisa gay?”, e aí o cara mudou o posicionamento, quando ele foi responder que ele disse que era uma espécie de validação social, que ele sentia que ele tinha que fazer um comentário desse, ou classificar como gay que a namorada dele sabe disso e que ela tá trabalhando isso com ele e tudo mais, e aí é uma história que ele vai desenvolvendo a palestra, eu acho bastante interessante, porque eu acho que Hollywood é um espaço que estimula bastante esse tipo de noção, como parte dos seus filmes da própria cultura da indústria é bem estimulante nesse sentido. 

Luca: Sim, isso é até explorado por Hollywood, porque querendo ou não, se você fizer algo que o público vai consumir mais, você tem mais dinheiro. Então, a Hollywood só vai ficar no no meio de conforto dela que é produzir coisas onde homens são brucutus, mulheres são hiperssexualizadas, até pros homens consumirem isso, e aí eles ganham dinheiro. Hoje em dia tá começando a mudar porque a percepção tá começando a mudar, mas ainda no Brasil é algo onde é muito incipiente e até a gente acredita que esse episódio é necessário porque a discussão sobre masculinidade tóxica não é abordada no Brasil, muitas vezes ela é usada só como termo técnico que acaba afastando as pessoas, então acho que trazendo isso pra pra coisas palpáveis talvez ajude a perceber que além de ser uma coisa muito presente, é uma coisa que provavelmente todos os ouvintes homens, e até nós do podcast, praticamos e devemos rever na nossa vida. 

Saiu recentemente, talvez tiver escutando depois você não não chega a ter noção disso, o comercial da Gillette caso você não conheça talvez valha procurar, tem até legendado, onde a Gillette faz uma crítica tanto ao posicionamento dos homens de nunca validar a opinião das mulheres, de sempre achar que “ah, garotos brigando é atitude de garoto, sempre vão ser assim, sempre vão fazer isso”, de homens perseguirem mulheres, de perseguirem homens que são delicados, e a Gillette foi até inteligente em usar propagandas dela mesma, como empresa, mostrando “olha, a gente também fez isso.” Eu acho que é a atitude mais necessária em qualquer meio que você tá tentando conscientizar a pessoa, você tem que admitir que você já fez algo, pra pessoa ver que é algo palpável, senão fica aquele negócio de a pessoa distante e falar “não, só vocês fazem isso, eu nunca fiz isso.” Então, todo mundo já fez isso. Muitas vezes ocorre de mulheres reproduzirem atitudes machistas porque é uma coisa que a sociedade inteira produz. O comercial traz também clipes de homens tentando, como o próprio Terry Crews disse no comercial, tentando tornar outros homens mais credíveis, por meio de simplesmente tratarem as mulheres melhor, porque tem como mudar esse tratamento que os homens dão, mas foi um comercial extremamente mal recebido. Óbvio que no no meio mais progressista foi bem recebido e tudo mais, mas isso é um meio minoritário. A maioria das pessoas viu isso como ultrajante, porque como que você vai tratar um homem como esse monstro do comercial? Sendo que, bom, os homens geralmente são caricatos como no comercial, isso é algo infeliz e algo verdadeiro. 

Então, eu acredito que pelo menos pra um primeiro contato, que muita gente teve um primeiro contato com esse tipo de mídia afirmativa só agora, pra um primeiro contato foi muito bom, porque assim que a pessoa se naturalizar talvez ela consiga ter alguma noção de que isso não é legal e tentar parar, mesmo que ela mesma não admita. 

Tiago: Outro exemplo na cultura popular, que a gente vai continuar falando de vários, é que existe sim uma parceria que ocorreu em janeiro de 2018, que eu achei interessante do ponto de vista de polêmica, embora sejam dois artistas que eu não acompanho, aliás é o caso de Lucas Lucco e Pabllo Vittar, que lançaram um single chamado Paraíso. Pra mim o Lucas Lucco inclusive é um dos artistas que eu não vejo sinceridade na obra dele, que ele produz, e isso não é porque ele faz sertanejo. Eu acho que o sertanejo dele não é sincero como o de outros artistas. Não é sincero porque eu acho que as músicas dele estimulam essa ideia de masculinidade tóxica e há algo forçado nas músicas dele. E aí, quando ele fez esse single com Pablo Vittar, toda essa estereotipia que ocorreu sempre nas músicas dele, voltou-se contra ele, porque aí ele fez um clipe que é todo sensual e tudo mais, e isso pegou mal pra ele, por causa de Pabllo Vittar, né? Drag Queen e tudo mais, mas eu achei muito engraçado como sertanejo é esse espaço que reproduz muito esse conceito masculino brasileiro, né? Caipira e tal, isso ter sido um alvo de tanta polêmica nessa canção Paraíso, que é uma canção normal, mas que justamente por fugir desses estereótipos e por todo o contexto acabou causando muitos problemas. 

Tanto é que depois, isso ainda em 2018, ele lançou um álbum ao vivo que ele praticamente ignorou o que ele tinha feito nesse início de ano, e é como se essa colaboração não tivesse existido depois, sabe? Então é um negócio muito interessante, da forma como ele lidou com a própria situação, e fingindo que não existiu. 

Luca: Eu acredito que o meio sertanejo é pelo menos um gênero musical em que mais ocorre esse tipo de postura, e isso é plenamente visível em qualquer cantor sertanejo de sucesso. Eu não sei dizer exatamente o nome de cada um, mas infelizmente acaba sendo um pouco genérico pra mim que eu não conheço, mas as músicas tendem a se tratar sobre a mesma coisa, ou “eu tenho muito dinheiro, eu vou gastar tudo em carro, em mulheres”, não sei o que ou “as mulheres tão vindo atrás de mim” ou “eu estou correndo atrás das mulheres em festas”, isso acaba sendo só algo vazio que não traz nada. Eu acredito que as posturas sexistas são muito revigoradas com esse tipo de música, e isso é um pouco difícil porque a minha afirmação de que esse é o gênero musical mais machista do Brasil atualmente vem em cima de que, cara, nós tempos o rock atual, e o rock atual não é o gênero musical mais receptivo com mulheres, ou com homossexuais ou qualquer outra coisa que fuja do padrão homem hetero e cis. Então dá pra ter algum escopo de como é que o sertanejo é atualmente, e o que contrasta muito até com o gênero do brega, que eu acho que foge um pouco dessa questão de que o homem tem que ser malhadão, gostoso e geralmente só branco, não é comum ver algum cantor sertanejo negro. Geralmente não tem. Então o brega foge disso, o cara não é necessariamente malhado, não é necessariamente branco, e não fala só sobre mulheres, geralmente fala sobre sofrimento, sobre a angústia que ele tem, sobre a fragilidade dele, então mesmo que o próprio compositor ou cantor seja, muitas vezes, machista, o gênero brega traz pelo menos um ponto que distorce a masculinidade tóxica, que é tratar sobre seus lados frágeis, que é às vezes é sobre a traição que você sente no relacionamento ou é sobre a tristeza que é quando você termina. E o Pablo do Arrocha simboliza muito bem essa pessoa, que ele não é malhado, pelo menos não excessivamente como é o Gusttavo Lima, ele não é branco, ele não se importa em falar dos tríceps dele, ele fala exatamente que homem chora e trata até de ironizar isso falando que o refrão da música dele “é homem não chora” e o resto da música inteira ele chorando, então é bem interessante. 

Tiago: Inclusive é uma coisa que nós comentamos fora do episódio é que tem o universo do feminijo e ele é um pouco diferente dessa lógica de “eu vou comprar um carro pra pegar mulher, eu vou pra festa pra pegar mulher, eu vou pra universidade pra pegar mulher, eu vou respirar pra pegar a mulher”, né? E é muito interessante essa questão que você fala do brega, porque o brega nasce com essa ideia de fazer uma sátira de si mesmo, o Reginaldo Rossi canta, “hoje é o dia do corno, foi bom te encontrar”, né? (Risos)

Você tem um caso do Amado Batista que ele não gosta de se rotular como brega, porque a música dele também, de certa forma, foge às vezes em alguns aspectos, mas ele também tem esse aspecto da autodepreciação, você tem um você tem tanto artistas antigos como novos, eles mostram a fragilidade do homem e o sertanejo antigo, romântico, tinha um pouco dessa vibe. Se você pegar as músicas do Barrerito nos anos 1980, Morto por Dentro, ele tinha uma questão um pouco diferente dos sertanejos, porque ele ficou paraplégico e isso teve implicações na vida pessoal dele, pessoas se afastaram. E tudo isso inspirava ele nas músicas, mas nesse aspecto o homem do sertanejo romântico dos anos 1990 era muito mais frágil do que o homem que vinha desse contexto, e aí eu acho que só tem pouquíssimos casos de dupla sertaneja que tentam fugir um pouco disso. A gente tem Zé Neto e Cristiano que tem essa ironia que vem do brega e tudo mais, mas no geral é um padrão bem Gusttavo Lima assim, né? De “vou pra balada, pegar mulher” e tudo mais. 

Luca: Algo que traz um ar diferente que ventila isso é o feminejo, a onda recente de cantoras no sertanejo que por mais que elas geralmente são temas parecidos, só que tratam sobre coisas diferentes, por exemplo, acho que a Maiara e Maraísa tratam sobre a dor de corno fodida que é e não sei o que, e isso é uma coisa que elas trazem, elas não tão cantando só sobre pegar macho, não que haja o problema em a pessoa pegar macho, mas quando você trata isso como um comércio e quando esse tipo de música incentiva homens a tratar mulheres mal ou mulheres a tratar homens mal, não é necessariamente o tipo de coisa que eu acho que deveria ser apoiado. E chegou num ponto absurdo onde em 2016 um grupo lançou uma música que foi, ainda bem, extremamente mal recebida que ele falou que ia vazar os nudes da mulher em vingança, em que não tem pra quê essa música ter sido feita se não seja simplesmente diminuir o valor da mulher, porque não tem uma inspiração musical por trás, é simplesmente “eu vou vazar seus nudes porque você não me satisfaz mais”. É algo tosco que é basicamente o movimento sertanejo masculino atual culminando num ponto, seria isso, e que eu acho que as mulheres no sertanejo conseguem, pelo menos um pouco, trazer uma renovação pra esse meio. 

Tiago: E se a gente comparar também com outros gêneros as relações são bem diferentes, o funk por exemplo é uma questão em estruturação, você tem em muitas músicas objetificação, mas ao mesmo tempo o funk, por ser essa esse gênero em estruturação, ele tem muitas intérpretes, muitas cantoras que inclusive ironizam os homens que não são boas pessoas, por exemplo tem a MC Mayara, a MC Carol, inclusive, tem uma música chamada propaganda enganosa que ela ironiza o corpo do homem, que também já vai pra um outro problema, mas que dá a resposta. Você tem a MC Rebeca que canta Cai de Boca, que é uma música escrita pela Ludmilla, tem MC Mirella que usou o termo do “poxa, crush” pra fazer uma música totalmente diferente. Então, o funk tem disso e o rock também tem um certo antagonismo, porque se você pegar o rock dos anos 1980, aquele rock farofa, Whitesnake, Van Halen, Bon Jovi, é um negócio muito sexual, mas o rock dos anos 1990 é Radiohead, o que é o desgraçamento mental, que é o homem frágil, né? Então se você pegar Radiohead, Coldplay, e todas aquelas bandas, o próprio cenário britânico, Main Street Bridges, Travis, são bandas em que todas falam de fragilidade ou de alguma coisa muito específica mesmo. E pra fechar esse bloco, eu queria apresentar uma música que a gente até tocou de background aqui, que é sobre uma banda britânica, que atualmente é uma das bandas mais respeitadas, eles inclusive foram indicados ao Brit Awards de 2019 como um dos melhores atos britânicos, chamada Idles, que são caras de média de trinta anos que é uma banda punk que não é autodestrutiva, como a maioria das bandas punks, e um dos temas que eles abordaram no último disco deles em 2018 chamado Joy is an Act of Resistance, é a questão da masculinidade tóxica e dos sentimentos. O vocalista, o Joe, perdeu a mãe em 2017, e em 2018 a primeira filha dele nasceu natimorta, e aí ele vai falando, desconstruindo algumas dessas ideias de masculinidade, e a própria banda, com a agressividade que eles têm, eles têm uma posição de amor no palco muito diferente, porque eles entram no palco se beijando e a própria performance deles no palco, você vê uma ironia com relação à agressividade deles, e eles têm uma música nesse último disco chamado Samaritans, que tem um versos aqui no final que eu acho muito interessante que é basicamente “eu sou um homem de verdade, um menino, e eu choro, e eu me amo e eu só quero tentar, é por isso você nunca vê seu pai chorar”, e aí vem alguns versos no final que é, “eu beijei um garoto e eu gostei. Um homem acima, senta-se, queixo pra cima”, é aquelas coisas de você se padronizar. “Fecha a boca, não chore, beba, não lamente”, e aí no final ele vai perguntando várias vezes “Por que disso? Por que disso? Por que disso? Por que disso?”, e a música acaba mais ou menos aí. 

Então eu acho que uma música bastante interessante é uma das faixas do disco que trabalha um pouco com essa ideia, e esse disco foi muito bem recebido pela crítica, é considerado um dos melhores álbuns de 2018. 

Luca: E acho que a razão principal do nosso testemunho nesse episódio é porque no mundo autista, como a maioria dos diagnósticos acontece com homens, ocorre muito de você procurar um grupo com qual você se identifica, no caso são outros autistas que novamente são muito mais homens do que mulheres, então acaba que ocorre muito de ficar regurgitando aquelas piadas antigas e machistas que são extremamente tóxicas, pra qualquer sou nova, não necessariamente sendo mulher, mas qualquer pessoa que não tá iniciada ali acaba achando extremamente desconfortável e de mau gosto, e isso é perceptível no 4chan, por exemplo, que não tem necessariamente muitos autistas, mas ocorre um fenômeno parecido, que quando as pessoas são excluídas socialmente, o que no caso o autismo ocorre muito, elas buscam pessoas com as quais se identificam e muitas vezes repetem o mesmo processo de exclusão que sofreram, só que no caso como uma pessoa que eles vêem como mais frágil ou como mais suscetível a exclusão e ao preconceito. No caso são as mulheres, são gays, são transexuais, mas ocorre muito isso, e é bem desconfortável de ver isso em qualquer meio, qualquer grupo de autistas, tem muito disso.

Tiago: Isso é algo que eu tenho repetido muito nos últimos episódios, eu falei isso no episódio 34, agora estamos falando de novo, que é sobre a questão do comportamento social, que eu acho que também não envolve só autismo, mas envolve os profissionais médicos. Os critérios, os padrões de diagnóstico de autismo historicamente, à medida em que alguns estudos tão saindo, eles são muito voltados para homens e eu recebo, às vezes, alguns relatos em e-mails de mulheres falando, “olha, eu tive muita dificuldade pra conseguir meu diagnóstico e toda vez que eu me consultava com médico, o médico falava, ah, você não parece autista, seu comportamento não se encaixa” e tudo mais. Então, toda forma que a gente vê o autismo é uma forma de perspectiva, pelo menos isso na minha leitura pessoal, muito masculina. E eu acho que isso atrapalha não só os homens, porque geralmente quando uma mulher está dentro do espectro autista, as pessoas olham e “ah, ela é tímida e tudo bem”. Quando é homem, aí recaí o peso “ah é homossexual”, então eu acho que esses aspectos, até desses critérios de diagnóstico do autismo, afetam tanto homens quanto mulheres, as mulheres por dificuldade de conseguir o diagnóstico, e os homens por serem muito julgados nesse aspecto. Mas, por outro lado, muitas vezes quem obtém o diagnóstico também possui uma certa validação das suas estereotipias. Então, muitas vezes autistas não muito conscientes dos seus erros sociais, cometem atos errôneos que acontecem por causa, muitas vezes, de um comportamento mesmo intencional ou não intencional, e aí é um pouco perigoso, né, pra todos os casos. 

Inclusive, eu tava frequentando um grupo há uns meses e aí eu vi um post de uma pessoa falando sobre isso, o tanto que essa pessoa agiu de forma tóxica com as outras sem perceber, e isso só foi sendo aprimorada a partir do momento que essa pessoa exercitou uma certa autocrítica, começou a ler e começou a refletir sobre essas coisas, porque a gente não aprende isso naturalmente de certa forma, né? A gente aprende se a gente ler e tudo mais. 

Luca: Muitas vezes ocorre que o diagnóstico de autismo valida e justifica muitas coisas que não deveriam ser justificadas, porque por mais que muitas vezes me falte alguma noção de como agir socialmente, é inaceitável que eu tenha posturas de misoginia, que pra quem não sabe, é tratar as mulheres mal ou tratar mal porque são mulheres, sabe? Sendo o trata mal de qualquer maneira e que for. Então eu acho que não valida, de maneira alguma, ter o diagnóstico e fazer isso. Acaba sendo muito rude da minha parte simplesmente falar isso numa distância, de “isso que você tá fazendo errado, e não faço isso”, porque isso não vai estimular ninguém a deixar de fazer porra nenhuma. Então eu acredito que pelo menos o contato que a pessoa tem disso, saber que não é legal, ajuda ela a não fazer de novo, porque eu repeti diversas posturas extremamente machistas que me prejudicavam e prejudicavam mulheres perto de mim, e só fui conseguir contornar isso e repensar minhas atitudes quando tive contato com mais mulheres e contato com mais pessoas falando que isso não era um atitude saudável pra ninguém. Então acho que o contato tanto com mulheres quanto com leituras ou até saber mais sobre como isso pode prejudicar, pode ajudar qualquer um a não repetir mais essas posturas, então acredito que até esse programa ou a propaganda do Gillette possam ajudar muito esse tipo de comportamento a não se perpetuar.

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Equipe Introvertendo Escrito por: