Introvertendo 38 – Solidão

Quando a solitude se torna solidão, a mente pode ser prejudicada. Pensando nisso, decidimos discutir o que é solidão, os fatores que a envolvem, como autistas podem fazer para contorná-la ou até mesmo conviver com ela. Este episódio também contém algumas indicações e exemplos. Ao final, temos um bônus contando um pouco como foi o TEDx Tatuí, ocorrido em fevereiro de 2019.

Participam desse episódio Otavio Crosara e Tiago Abreu.

 

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, esta mídia que traz pessoas neurodiversas para entreter os neurotípicos e também os neurodiversos. Meu nome é Tiago Abreu e hoje estou com Otávio Crosara para mais uma aventura com vocês.

Otávio: Boa tarde, como ele disse eu sou Otávio Crosara, e solidão eu acho que todo, quase todo asperger lida com isso. Não todos, nós esmiuçaremos isso melhor ao longo do episódio.

Tiago: E é claro, como o Otávio já adiantou, nosso tema hoje é solidão, então se você tiver algum comentário ou alguma mensagem a respeito do nosso conteúdo que será falado aqui e em outros episódios, você pode nos mandar uma mensagem.

Bloco geral de discussão

Otávio: Solidão. Quê que é solidão? Muitas pessoas, Tiago, pensam que solidão é ficar sozinho, estar sozinho e não é bem isso porque muitas vezes você está com pessoas e você se sente sozinho. Quando é que você se sente sozinho?

Tiago: Ah, eu acho que essa é uma pergunta bastante complexa, eu acho que tem dois estados de individualidade, digamos assim, você tem a solidão e a solitude. A solidão é quando você não escolhe estar sozinho e a solitude é quando você, num processo de escolha sua, tanto social quanto do dia a dia, se separa pra você curtir aquele momento de você mesmo. E a solitude não é um problema pra ninguém, muito pelo contrário, é um estado de criatividade e ele pode inclusive estimular você a produzir muitas coisas, a você interiorizar seus pensamentos, mas a solidão é um estado compulsório que, de certa forma, está presente na vida de várias pessoas dentro do espectro, ao longo da vida, e eu acho que o primeiro ambiente pelo qual todo mundo se sente dessa forma em algum momento é no período escolar, pois nele as pessoas formam seus grupos, formam suas identificações com as demais pessoas e elas vão se organizando com seus gostos, suas predileções. Quase via de regra o autista leve, digamos assim, que é, de certa forma, o grupo ao qual nós fazemos parte, fica ali meio perdido, porque ele não vai se encaixar entre os populares, não vai se identificar muitas vezes com os próprios nerds que estão no canto na deles com os bagunceiros e tudo mais. Ele vira um corpo estranho naquele ambiente social que é a sala de aula e isso vai se refletindo em outros espaços, às vezes se refletindo até no ambiente dos parentes. Os temas, as conversas. Essa pessoa, além de não se identificar com os demais, é compelida a estar em solidão muitas vezes ela se isola porque ela não tem outra escolha.

Otávio: É verdade. Eu concordo com você. Nós devíamos ensinar as outras pessoas, não só os mais novos como também os mais velhos, a ficarem sozinhos. Sabemos, como você falou, que a solitude é um estado criativo quando você está sozinho. Eu gosto de imaginar que na solitude você está figurativamente com outras pessoas, literalmente sozinho mas figurativamente com outras pessoas. Porque quando você está em solitude você está vendo uma TV, você está na internet, você está lendo um livro, você está ouvindo uma música, você está praticando algum hobby, então, há ali um produto de entretenimento, de instrução ou de educação feito por alguém. Então você pode falar que, metaforicamente, alguém está lá ensinando ou trocando um tipo de experiência com você, mas aquilo é feito no seu ritmo, no jeito certo pra que aquela experiência te atinja. Então, você pode falar que a solitude,  paradoxalmente, é uma forma muito perfeita de socialização, mas com pessoas distantes, não é uma socialização do dia a dia, onde você precisa da linguagem fática, sabe? E como é uma troca de informações bem harmonizada pro receptor e centrada, focada, ela é muito mais produtiva. Sabe que ela tem um propósito, um caminho a ser trilhado. Eu vivo fazendo isso. Quantas pessoas já não falaram que eu sei um monte de coisas, sabe? Eu gosto de falar que eu sou o rei da cultura inútil, mas por quê? Porque eu gosto de ficar lendo sobre assuntos diversos. Eu já li sobre epistemologia dia, sabe? Eu já li sobre métodos de contagem de votos de eleição que são infalíveis, sobre cânhamo, eu leio muito sobre curiosidade da NASA, sabe? Já li muito sobre a heliosfera, eu sei comentar sobre tudo isso, muitas pessoas já falaram que é um dos meus charmes eu conseguir transformar informações banais, pequenas e desinteressantes em histórias grandes, em histórias interessantes, sabe? E isso eu devo aos aos grandes mestres e aos professores que me ensinaram pelos seus escritos, entendeu? E isso é só poderia conseguir pela solitude.

Tiago: Isso que você falou me fez lembrar de um comentário que o Marcos fez no episódio 31, que foi o episódio de boas festas, e ele disse que a vida acontece na nossa cabeça. Talvez o processo de solitude seja ainda mais intenso no sentido de que se você não está lendo, você não está produzindo algo, você está refletindo e conversando com você mesmo, com, talvez, outras personas que você tenha dentro de você. Inclusive, eu cheguei a ler, há muito tempo, que às vezes é até mais frequente do que na no restante da população em geral de áspies terem amigos imaginários, aquelas coisas de criança mesmo, criar uma pessoa pra talvez saber lidar melhor com a questão da solidão que se torna muito significativa. Se a gente for parar pra pensar sobre a questão das diferenças entre solidão e solitude, a solidão bate à porta e muitas vezes não há como prevenir a solidão, né? E junto com a solidão vem o problema da depressão que, entre outras questões, muitas vezes leva até ao diagnóstico, né? Que elas queiram se conectar às outras pessoas mas não conseguem. Você acha que a raiz da solidão seja isso, essa questão de você tentar e de se identificar com outras pessoas ou tentar adentrar o universo dessas pessoas e não conseguir espaço?

Otávio: Sim, não precisa ser exatamente um grupo de pessoas ou uma pessoa, um indivíduo com quem você interage e convive numa certa rotina. Há vezes que a pessoa conhece todo mundo no seu circo social, se dá bem com todo mundo, mas não há identificação ali. Então, não é falta de identificação com aquele grupo específico, é falta de identificação em qualquer forma, sabe? Vão pegar um exemplo. Como era o nome daquele poeta romântico brasileiro…? Álvares de Azevedo! Álvares de Azevedo detestava São Paulo porque ele era um tremendo babaca, ele queria sarar, ele queria conversar, e na época ele só via orgias entre os universitários, sabe? Mas ele é um exemplo, ele não se identificava com as pessoas aqui. Então ele sentia muita solidão, e da solidão dele, do sofrimento que era a solidão dele, ele se tornou um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos. Isso foi interessante porque a solidão gera sofrimento. Se você tá sozinho, mas você não está em solidão, você está em solitude, ou seja, com solitude ou solidão você é capaz de produzir alguma coisa. Interessante isso, não é?

Tiago: Só que no caso do da solidão, você produz umas coisas negativas também, né? Inclusive a solidão (é engraçado assim, esse processo) gera também algumas questões muito legais no campo artístico, né? Na música, muitas coisas vem da questão do isolamento e tudo mais.

Otávio: Eu acho que um terço das músicas sobre uma pessoa amada envolve a solidão, mas eu acho que disso a gente pode tirar uma lição: você estando feliz ou triste quando está sozinho, produza alguma coisa. Pelo menos vai ser uma válvula de escape, você vai se sentir melhor. Às vezes você escrevendo em um estado de solidão, você exterioriza o seu sofrimento em algumas palavras e, nisso, você está conversando consigo mesmo e ali você já está no semi de semi-solitude, porque você está conversando consigo mesmo sobre a sua solidão e isso faz isso faz um um alívio, traz um certo alívio. Às vezes você, quando você produz várias vezes em estado de solidão, você acaba criando uma coletânea, alguns textos, aí você pode publicar um livro e aquilo pode ajudar as outras pessoas a sair da solidão, porque elas se identificam com você. A lição que a gente pode tirar dessas reflexões que estamos fazendo durante o podcast é: sempre produza, não fique na inércia. O problema não é nem a solitude, nem a solidão, é a inércia, é não fazer nada pra tentar melhorar.

Tiago: Considerando essas questões, principalmente a inércia que você citou, eu penso o seguinte: a gente pode  traçar uma quantidade de coisas ou ideias para as pessoas tentarem pelo menos burlar a solidão, impedir que ela se torne um estado depressivo, que é bastante perigoso para as pessoas dentro do espectro. Eu penso que as atitudes que devem ser tomadas contrariam um pouco os costumes, porque pessoas dentro do espectro normalmente são rotineiras, elas fazem as mesmas coisas, tentam pelo menos estabelecer uma rotina. Elas não saem disso, só saem com com muita dificuldade e quando saem isso traz algum efeito, e eu acho que muitas vezes pra você fugir desse estado de solidão você precisa viver mais o ambiente que você está, sair mais, conhecer novos lugares, muitas vezes interagir com novas pessoas, e tudo isso é um caos para pessoas dentro do espectro, em certa medida. Isso me faz lembrar uma coisa que o Luca disse: quando ele fica muito tempo em casa parado, sem sair, sem se relacionar com as pessoas, pra se manter vivo, ele precisa sair e socializar, o que é algo, teoricamente pelos manuais médicos, absurdo para uma pessoa dentro do espectro, mas eu acho muito engraçado essa correlação que ele faz a partir do estado emocional dele com a relação interpessoal com as pessoas.

Otávio: A questão depressiva que você está falando não é uma coisa simples. O quê que é a depressão em si? A depressão não é ficar triste. A depressão é o rebaixamento do seu nível de sentir as coisas. Então, quando você está depressivo, não é que você não consegue estar feliz, é você não conseguir estar em qualquer estado. Você não consegue nem estar triste. Num estado de depressão você não sente nem tristeza. A gente imagina que  os sentimentos são um espectro onde eu feliz estou lá em cima, triste lá embaixo, certo? A depressão não é isso, depressão é você desse espectro, você não sente nada. Fica apático, entendeu?

Tiago: Só que antes de você chegar a estado de apatia, o processo de solidão, ele pode levar até isso. Então, basicamente o que eu tô falando é a pessoa identificar o seu período de solidão e tomar cuidado para que não chegue nesse ponto, sabe?

Otávio: Não, isso é verdade, perdão. É preciso tomar cuidado, como você falou, e, assim, sempre que você achar que você não consegue da solidão sozinho, procure ajuda, sabe? Às vezes você procurar um terapeuta, fazer uma terapia ou então procurar um hobby. Eu indicaria até uma coisa meio intensa tipo o motocross.

Tiago: Você falou sério?

Otávio: Eu falei sério. Eu acho assim que quando você enche o corpo de adrenalina, não que vá funcionar sempre, mas você começa a sair daquele estado de torpor, aquele estado de apatia, sabe? Fazer uma atividade física é algo indicado por todo terapeuta e todo psiquiatra que lida com pessoas depressivas, sabe? Porque você coloca o seu corpo em um estado contrário à apatia, e isso faz uma diferença quando você lida com o mental. É como diz o grande Oscar Wilde, curar a mente através do corpo e curar o corpo através da mente. O que eu quero dizer com tudo isso- Eu divago demais. Sentir-se apático é uma forma de lidar com a dor da solidão. Você não pode sentir tristeza, se você não sentir nada, quando você faz exercícios, você bota todo o seu corpo contra esse estado, mas isso não é isso não é muitas vezes suficiente, às vezes é necessário que você converse com alguém e conversar com uma pessoa, sendo terapeuta ou não, deixe que ela te ouça, pode ser tão benéfico, pode ser tão terapêutico quanto escrever sobre isso. Infelizmente, muitas pessoas não sabem lidar com a dor dos outros, porque elas não sabem lidar com elas mesmo, então elas não sabem ouvir, elas só sabem falar cada vez mais alto, porque isso também é outra forma de defesa, sabe? Mas existem pessoas que sabem ouvir, que às vezes ela não precisa nem falar, nada só de ouvir que ela já ajuda demais. Então assim, procure aquela pessoa que você sabe que vai dar certo, que vai te ajudar. Se não tiver, procure o psicólogo, procura um psiquiatra, procura um pastor, procura um líder religioso, essa é uma das coisas que o ato religioso ajuda, mas eu quero dizer a todas as pessoas que tão se sentindo, que se sentem sozinhas, vocês não estão sozinhos. Só o fato de nós estarmos fazendo este podcast é uma amostra de que você não está sozinho, OK? Aos introvertidos, aquelas pessoas que gostam de ficar na solitude e acham que estão erradas por causa disso, porque as pessoas com quem você convive não ficam em solitude, você não está errado, é o seu jeito de fazer as coisas, sabe? E se você gosta de ficar em solitude, fique em solitude certo? Mas não deixe de procurar novas pessoas que possam te dar o mesmo prazer que a solitude te dá. Como nós falamos aqui, na solitude você está literalmente sozinho mas figurativamente você está com pessoas. Então procure pessoas literais que te dão a mesma sensação que as figuradas te dão.

Tiago: E se você não der conta de fazer o motocross, você também pode fazer atividades mais básicas como, por exemplo, participar de um clube de livro se você gostar de ler, ou frequentar ambientes calmos como parques, né? A experiência urbana permite isso. No interior é um pouco mais difícil, mas se você tiver contato com a natureza, por exemplo, isso também ajuda um pouco nessa nesse processo de interiorização. 

Otávio: Eu vou indicar um autor, nós colocaremos o nome do autor e alguns livros dele no podcast e eu não sei porque, mas a literatura dele um sucesso tremendo com pessoas que se sentem sozinhas. Eu acho porque a literatura dele dá um sentimento de desespero tão grande que a pessoa acorda. Lovecraft, pra quem não sabe, é um autor que amava ficar sozinho, sabe? E ele tinha muitos pesadelos com monstros gigantes e escreveu muitos livros sobre monstros gigantes, mas não é tipo Círculo de Fogo ou Godzilla, são muito maiores e muito onipotentes. Ele escrevendo sobre a insignificância humana diante do Universo cria nos leitores dele um certo  desespero em relação a vida e muitas pessoas acordavam da solidão, da apatia lendo isso e eles e eles viciavam nessa sensação, sabe? E elas encontravam umas com as outras, conversavam sobre isso. Eu indico então que vocês leiam H.P. Lovecraft.

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Equipe Introvertendo Escrito por: