Introvertendo 148 – Raça: Dia da Consciência Negra

O Dia da Consciência Negra é uma data importante para pensar a participação negra dentro da sociedade brasileira. Para finalizar a reportagem Raça, conversamos com Táhcita Mizael, doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sobre a participação negra nas ciências, o saber construído ao longo dos séculos e a relação disso com as minorias. Texto: Tiago Abreu. Arte: Vin Lima.

Links e informações úteis

Para nos enviar sugestões de temas, críticas, mensagens em geral, utilize o email ouvinte@introvertendo.com.br, ou a seção de comentários deste post. Se você é de alguma organização, ou pesquisador, e deseja ter o Introvertendo ou nossos membros como tema de algum material, palestra ou na cobertura de eventos, utilize o email contato@introvertendo.com.br.

Apoie o Introvertendo no PicPay ou no Padrim: Agradecemos aos nossos patrões: Caio Sabadin, Francisco Paiva Junior, Gerson Souza, Luanda Queiroz, Marcelo Venturi, Priscila Preard Andrade Maciel e Vanessa Maciel Zeitouni.

Acompanhe-nos nas plataformas: O Introvertendo está nas seguintes plataformas: Spotify | Apple Podcasts | DeezerCastBox | Google Podcasts | Amazon Music | Podcast Addict e outras. Siga o nosso perfil no Spotify e acompanhe as nossas playlists com episódios de podcasts.

*

Transcrição do episódio

Tiago: Este é o último episódio da série sobre Raça, parceria entre O Mundo Autista, a Revista Autismo e o Introvertendo. Se você não ouviu os anteriores, sugiro que volte lá para entender toda a discussão feita até aqui!

(Abertura Introvertendo)

Tiago: Hoje é o Dia da Consciência Negra, uma data fundamental para a luta negra no Brasil. Apesar disso, ainda falamos pouco sobre raça e, acima de tudo, o conhecimento produzido em torno do tema ainda fica muito restrito em certos grupos. Meu nome é Tiago Abreu e este é o episódio final da série Raça.

Táhcita: Faz pouco tempo que eu tenho tido acesso a essa articulação entre coisas que eu já tenho estudado.

Tiago: Táhcita Mizael, 31 anos, é autista e negra, e atualmente pós-doutoranda na área da psicologia pela Universidade de São Paulo, a USP. Ela obteve o diagnóstico apenas em 2020 e, deste então, está começando a aproximar estudos em diferentes aspectos, como gênero e sexualidade, para o campo do autismo, apesar de ter estudado sobre autismo ainda na graduação.

Táhcita: Apesar de ter estudado sobre o autismo ainda na graduação, aqui no Brasil, pelo menos, mas eu acredito que fora também, a gente ainda tem tido algumas discussões que são mais compartimentalizadas. Ou seja, quando a gente tá falando sobre o mundo autista, a gente acaba falando só de autismo e esquece que a pessoa que é autista é muitas outras coisas. Ela é autista, ela é um homem, uma mulher, ela tem uma certa orientação sexual, ela tem uma identidade de gênero, ela tem uma raça, ela tem uma classe social. Então todas essas características fazem parte da vivência também do autismo, e a vivência do autismo vai ser diferencial com base nessas nessas outras características. Então, eu acho que esse momento, essa entrevista, por exemplo, esse bate-papo, é o momento pra gente começar a chamar o pessoal que tem discutido temáticas relativas ao autismo pra também pensar na articulação do autismo, entre outras, com outras características, a raça sendo uma delas que tem sido bastante negligenciada até agora.

Tiago: Ela reforça a importância do dia da Consciência Negra, assim como outras datas destinadas a grupos específicos. Segundo Táhcita, reproduzir discursos que invalidam a necessidade da data diferencial (como, por exemplo, que “todas as vidas importam”) é uma forma violentar a população negra, como se todo o sofrimento fosse um “relato falso”.

Táhcita: A gente precisa sim marcar a importância de uma data diferencial, porque justamente se as pessoas tivessem um tratamento equitativo, “todas iguais”, elas teriam os seus direitos resguardados, elas conseguiriam tudo que tá escrito na constituição, por exemplo, valeria pra todas as pessoas, só que esse não é o caso, infelizmente. Desde que quando a gente pega muito tempo atrás, a população negra não tem os seus direitos respeitados. Populações pobres não tem os seus direitos respeitados, enfim, uma gama de populações que não vão ter esses direito assegurados. Então, esse tipo de medida é uma medida que é reparativa, nesse sentido de que se eu quero viver numa sociedade equitativa, eu preciso tratar o diferente de maneira diferente, eu preciso pegar alguém que não tá recebendo algum benefício, algum direito e produzir uma política que é específica para essa população, para que ela consiga atingir esses direitos. Esse tipo de fala, de que todo mundo é igual, e que deveria ter, na verdade, um dia da da consciência humana, ele vai negligenciar. É uma forma de violentar a população negra e de dizer que o nosso sofrimento vai ser visto como um sofrimento que não é válido e como uma não-verdade. Como se fosse um um relato falso. E o resultado disso vai ser a manutenção de uma sociedade racista que a gente já vive. Esse tipo de discussão impede que a gente faça debate sobre negritude, por exemplo. Não só sobre negritude, mas sobre também o que é ser branco numa sociedade racista. O que é ser branco no Brasil? Ele vai impedir a gente entender o os papéis de outros grupos sociais, como a população indígena, que também é muito negligenciada, às vezes não é nem falado em debate sobre questões raciais.

Tiago: A pesquisadora lembra que, historicamente, vários conhecimentos sobre autismo e o mundo, por exemplo foram majoritariamente constituídos por brancos, de países europeus, de classe média alta, uma realidade muito distinta do que a maior parte da população brasileira vive – uma espécie de conhecimento “padrão”.

Táhcita: Quem que produz esse conhecimento e para quem? E quando a gente olha pra nossa literatura acadêmica, o conhecimento tem sido feito majoritariamente por pessoas brancas. Historicamente eles vêm lá do conhecimento que vem da Europa, de homens brancos, da classe média alta, heterossexuais, que faziam observações sobre o mundo, sobre as pessoas com base nessa vivência que eles tiveram. E todo esse corpo de conhecimentos começou a ser visto como um padrão, como o que é certo, como o que é socialmente aceito. E isso teve um impacto, porque outras populações que não tinham, por exemplo, mulheres não não podiam ir escola, negros, homens e mulheres não poderiam ser alfabetizados, então como é que eles poderiam produzir conhecimento sobre eles mesmos ou sobre outras pessoas também? Se eles não podiam nem estudar? Então veja que quando a gente pensa sobre conhecimento a gente tem que lembrar que ao longo dos anos a gente criou uma estrutura em que quem tem voz são essas e essas populações vão falar sobre todo mundo com base na experiência deles. Isso não significa necessariamente que essas observações estão incorretas, mas que minimamente, no mínimo, elas estão incompletas. Porque é só o ponto de vista daquela população. E é por isso que é importante a gente dar voz a pessoas e a outros pontos de vista.

Tiago: E isso vale também para as produções midiáticas.

Táhcita: Porque a visão de um homem europeu sobre mim pode ser muito diferente da minha visão. Né? Enquanto uma mulher que é negra e que é brasileira e que faz parte da comunidade LGMT. E assim assim por diante. isso vai ter implicações em como a gente se vê. Então, assim, enquanto mulher negra, eu não me via na TV, eu cresci sem ver, eu não via ninguém parecido comigo, né? Até hoje eu tenho dificuldade de encontrar profissionais que tem formação acadêmica, assim. O médico negro, eu nunca vi na vida, pessoalmente, eu vejo em fotos e fico maravilhada.

Tiago: E, consequentemente, isso leva a discussão sobre lugar de fala.

Táhcita: Quando a gente fala de lugar de fala, a gente tá reconhecendo que cada pessoa fala de um lugar, cada pessoa fala com base nas suas próprias experiências e com base na sua própria vivência. E isso faz com que a gente entenda que eu enquanto mulher negra, brasileira, paulistana, vou ter uma concepção sobre determinados fenômenos que não necessariamente vai coincidir com a concepção de outras pessoas. Quando a gente insere essa discussão de lugar de fala, com base nessa definição que é o lugar do qual uma pessoa está falando, a gente tá abrindo espaço para reconhecer que todo mundo fala de um determinado lugar e que todo mundo tem voz, ou seja, você enquanto pessoa branca pode falar sobre racismo, só que você vai falar sobre o ponto de vista de uma pessoa branca, da mesma forma que eu posso falar sobre gordofobia, por exemplo, partindo do ponto de vista de uma pessoa que não é gorda, que não é vista como gorda na sociedade. Pra resumir, então, lugar de fala é o lugar do qual uma pessoa fala. É reconhecer que cada pessoa de todo o nosso contexto social e todos as nossas vivências, e as experiências vão influenciar nas nossas concepções de mundo. E que quando a gente fala sobre determinados eventos, sobre qualquer evento, na verdade, a gente tá falando sobre uma perspectiva. Então o reconhecimento dessa perspectiva que é o lugar de fala.

Tiago: A reportagem Raça foi produzida de setembro de 2020 até o final de outubro de 2020 e é uma produção coletiva entre o Introvertendo, O Mundo Autista e a Revista Autismo. As entrevistas foram conduzidas por mim, Tiago Abreu, juntamente com a Sophia Mendonça e a Selma Sueli Silva. A revisão de texto ficou a cargo de Francisco Paiva Junior. O Luca Nolasco interpretou o texto de Milton Santos com seu timbre inconfundível. A edição do Introvertendo é de Glauco Minossi. O Introvertendo é uma produção da Superplayer & Co. Até a próxima sexta!

Site amigo do surdo - Acessível em Libras - Hand Talk
Equipe Introvertendo Escrito por: