Introvertendo 235 – 50 Tons de Autismo 2

O clima esquentou no episódio 50 Tons de Autismo lançado em 2021 e, depois de muitos pedidos, o Introvertendo volta a falar de sexo e, desta vez, só com mulheres! Carol Cardoso e Thaís Mösken recebem Beatriz França Reis e Tais Fantoni para falar sobre comunicação não verbal, questões sensoriais, regras sociais, pornografia e muito mais. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Thaís: Um olá pra você que é ouvinte do Introvertendo esse podcast feito por autistas pra toda a comunidade. Meu nome é Thaís Mösken, eu sou autista, hoje eu trabalho como administradora de sistemas e tenho 31 anos. E hoje eu vou ser host deste episódio, o 50 Tons de Autismo 2, e dessa vez apenas com moças pra gente falar sobre sexo.

Carol: Eu sou a Carol Cardoso, tenho 25 anos, fui diagnosticada com autismo em 2018 e atualmente eu tô fazendo mestrado em arquitetura na UFMG.

Thaís: Então, por favor, vamos apresentar as pessoas que vão conversar com a gente. Primeiro Beatriz, por favor, se apresente.

Beatriz: Meu nome é Beatriz França, sou autista, diagnosticada há dois anos na fase adulta e TDAH também. Minha formação acadêmica é veterinária pela UFMT, mas além disso sou bailarina, mãe e ativista da causa autista, e mais um pouco, acho que esse é o resumo.

Tais: Oi gente, eu tô muito feliz mesmo de estar nesse episódio, vocês não têm ideia (risos). Eu sou a Taís, sou autista, diagnosticada desde o ano passado, que foi quando o laudo foi fechado. Eu sou professora de arte do município, faço ilustração, faço mais alguma coisa, não sei.

Thaís: O Introvertendo é um podcast feito por autistas, com a produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Carol: A gente recebeu muitos comentários de mulheres reclamando que no episódio Cinquenta Tons de Autismo só tinha homens e com razão. E isso aconteceu por um motivo muito simples. As mulheres do Introvertendo não quiseram gravar esse episódio (risos) e a gente não quis se expor nesse tema. Isso mostra muito sobre a natureza dessa temática, né? Quanto é difícil, quanto a sexualidade das mulheres tende a ser muito negada.

E no âmbito da sexualidade, o Introvertendo já abordou esse tema nos episódios 182 – Precisamos falar sobre autistas que não transam, o episódio 201 – Sexualidade no Autismo, que foi uma entrevista com a Raquel Del Monde, e o 211 – Cinquenta Tons de Autismo.

Thaís: Então, a gente vai começar por um assunto que foi tratado inclusive no Cinquenta Tons de Autismo 1, digamos assim, que é o episódio original, que é sobre a questão da comunicação não verbal e a relação com o sexo. É bem comum, em momentos relacionados ao sexo, a gente ter uma carga grande de comunicação não verbal. E eu gostaria de saber o que vocês têm a dizer sobre isso. Se vocês sentem essa dificuldade da comunicação não verbal nos momentos relacionados a sexo, podem dar as suas opiniões ou quaisquer comentários.

Beatriz: Sendo bem sincera, eu não sei vocês, mas eu achava que era normal. Aí eu fui observando que não era tão assim. Eu sempre tive muita confusão. Eu acho que o pessoal às vezes fala que eu não sou autista, né? Acontece muito, mas fala que eu não sou autista porque eu pego duplo sentido ou alguma ironia, porque eu acho que já fui treinada durante a vida. Mas quando é uma coisa nova, eu não entendo, mas piorou na parte não verbal. Então, às vezes, observando na escola, pra mim foi tudo muito tardio em vários pontos porque era cansativo e eu não conseguia entender as comunicações verbais e não verbais dos meninos. Então, eu tive muito problema nesse início, assim, eu fui beijar com mais de 15 anos.

E eu lembro que eu tive muito problema porque eu comecei a namorar o menino, porque eu queria perder o BV. Ele era meu amigo, mas o pessoal começou a falar: “Bia, ele está afim de você”. Ah então se eles tão falando é porque é, né? Eu mesmo não tinha reparado. E aí eu falei ah quer perder o BV? Todo mundo já perdeu com 11 anos. Eu estou aqui com 15 anos e nada. E aí eu sou muito direta. Meus namorados todos eu que pedi pra namorar porque se fosse pra esperar a pessoa falar e eu saber que era o momento, eu soltava, “quer namorar comigo?”. Eles achavam que era piada. Eu sou muito direta. Então falava assim, “ah, você quer namorar?” Teve um, só um que eu fiz assim que eu falei assim, “você quer namorar?” Aí ele ficou travado, “ah, não sei o que fazer”. Eu falei, “não, não é um pedido, é só pra eu saber que se você quer”. Mas já deixei no ar pra você, eu não conseguia ter essas nuances.

E aí quando eu finalmente comecei a namorar com ele, minha mãe falava que eu não podia namorar no colégio e a gente tava no primeiro ano. Aí o que acontece? Minha vó sempre me buscava, deixava o carro lá fora. E aí quando ele tentava dar uma bitoquinha no meio assim da escola pra fazer alguma coisa, aí eu falava, “não, porque minha mãe falou que é fora do colégio”… aí o que acontece depois de um mês que a gente conseguiu sair antes da minha vó chegar, na hora que eu pisei fora do colégio, aí eu fui tentar dar um beijo nele, porque eu falei: “saí do colégio, agora eu posso”. Então realmente sabe aquele limite geográfico mesmo?

Na hora que eu vi que eu tava do muro pra fora eu falei, “ah então beleza, agora vai”. E aí eu consegui perder meu BV depois de um mês. Eu tava deixando o coitado do guri já estressado. Pra mim poucos namorados, poucos relacionamentos, porque eu realmente pegava muito mal essa parte não-verbal. Mais que verbal ainda. Tentar quando realmente estava interessado, tentava adiantar, me chamavam de “menina pra frente” porque eu preferia eu perguntar logo do que tentar adivinhar, porque eu não ia conseguir. Acho que é isso. Tive muito problema com isso (risos).

Tais: Então, nesse contexto específico, da comunicação não verbal no sexo, eu não me vejo com muito problema hoje em dia. Acho que foi uma questão de justamente um desenvolvimento, passar do tempo, porque assim, se eu for pensar lá na época da adolescência, meu histórico de relacionamento é uma lástima, só começou a melhorar faz poucos anos. E parte disso é que essa questão de entender as pistas sociais, tudo mais. Agora no contexto do sexo, não acho difícil, sabe? Eu estou num ponto assim de desenvolvimento no contexto sexual, de que se eu tenho que comunicar alguma coisa de maneira não verbal, eu consigo, e a pessoa entende. E vice-versa.

Thaís: Eu achei curioso que eu me identifiquei muito com a história que a Beatriz contou em vários aspectos, que eu também sou aquela pessoa de “e aí? Vamos? Ou não vamos?” (risos). Se é pra eu te olhar de um jeitinho estranho, eu provavelmente não vou conseguir fazer isso (risos).

Beatriz: Ah, é agoniante não saber, tipo, olha assim é, não é? Aí eu fico com receio de achar que é e não é e passar vergonha, então é melhor perguntar logo, gente. Já me chamaram de santinha do pau oco, sabe? Eu tive uma crise, uma das primeiras crises que eu tive na faculdade, porque sujeito meio infantil e até hoje, eu tenho 30 anos já, essa semana perguntaram: “que mundo você vive, Beatriz?”. Ué, eu falei, “ué, o meu”, mas porque tem esse jeito meu. Tenho dois filhos, nem parece, porque tem hora que realmente parece que eu não cresci, por isso que pra mim o autismo fechou muitas confusões na minha vida, porque eu realmente entendi por que que eu não tenho a idade mental que eu tenho. Então eu sempre fui mais cara de menina, mais criançona, em vários pontos. Só que ao mesmo tempo a sexualidade está aí, né? O hormonal é fisiológico, né? E aí então eu ser parecida com o jeito de menina mais meiguinha não tira o fato de que eu tenho vontades sexuais. Então, né, uma coisa não inibe a outra, e aí o pessoal falava pelas costas, esse que é o pior, né? Porque parecia que eu tava fingindo ser uma personagem. Tanto que não, uma coisa não se mistura, sabe?

Thaís: Mas isso tem a ver justamente com o que a gente tá falando de, às vezes, a dificuldade das mulheres falarem sobre sexo, né? É uma construção social bem grande.

Carol: E no sentido também da comunicação não verbal, um dos problemas comumente associados ao autismo quando se trata de sexo é justamente o transtorno do processamento sensorial. O interessante de falar é que não necessariamente isso pode ser um problema, como também foi falado na primeira parte desse episódio. Então, eu queria saber como vocês enxergam essa questão sensorial relacionada ao sexo.

Tais: Eu não sei vocês, mas eu sou hipersensível para tudo, praticamente calor, tato, olfato, barulho. Normalmente autistas costumam ter hipossensibilidade em alguma coisa, né? E não costuma ser 100% em um ou outro, mas no meu caso, até onde eu sei, eu sou 100% hipersensível. Agora, no contexto não só sexual, mas também de alimentação, sensações táteis assim, ou até perfumes específicos, dá pra ter muito prazer, sabe?

Então, enquanto que a hipersensibilidade sensorial pode trazer um certo sofrimento, ela também pode trazer muito deleite, né? Daria pra colocar assim.

Carol: (Risos)

Beatriz: (Risos)

Tais: Isso é uma coisa que eu exploro bastante no sexo, é uma coisa que me faz gostar muito né, do encontro sexual, que é justamente aproveitar essa sensibilidade, que é comum. Até quando os cara assim que eu já me encontrei, aí dá um estranhamento porque a maioria das mulheres não é sensível que nem eu, e aí os cara não está acostumado, costuma ter quase o contrário às vezes.

Beatriz: Meu sonho (risos).

Tais: E então tem uns que ficam meio surpresos quando me vêem, tipo, opa, o que está acontecendo aqui? (risos).

Carol: Isso é uma coisa que acontece comigo também. No caso só me relaciono com mulheres. Então, as pessoas também observam essa minha hipersensibilidade que, para mim, é comum, mas que acaba sendo um fator de diferenciação em relação às experiências das pessoas que eu me relacionei na vida, né? Então, isso é um comentário relativamente recorrente sobre como essa hipersensibilidade é marcante.

Beatriz: Eu queria falar a mesma coisa que vocês, mas infelizmente eu tenho muita hipersensibilidade auditiva, mas sensorial eu acho que no toque eu sou até bem intolerante a dor. Meu esposo fala que eu sou um jacaré porque é fora do normal (risos). Tanto que, eu estou com um problema com um DIU que rompeu o útero. É visceral mesmo. Eu não sinto tanta dor, porque o DIU rompeu o útero, não tive hemorragia, não senti dor nenhuma e continuei a vida. E a médica ficou chocada, olhou e falou “como que você está aqui de pé andando? Sem nenhuma dor?” Eu falei “Né, tudo bem. Estou ótima”. O meu esposo falou “Não, realmente você é um jacaré, bicho”.

Tais: (Risos)

Beatriz: Ou seja, eu acho que no sexo não dá pra ver muita parte sensorial, só se for explorar a parte auditiva. Se alguém souber, por favor, me digam, porque até agora não consegui usar a favor. E aí entra num ponto que assim, além de TDAH eu tenho ansiedade, né? Então acho que é o que mais acontece com mulheres autistas. Eu até não tenho essa sensibilidade maravilhosa que vocês têm, meu sonho, mas eu pelo menos tinha uma vida sexual OK, muito boa na verdade. E aí o que acontece: comecei a tomar ansiolítico. E aí a libido foi no pé, em vários pontos e isso tem me atrapalhado. Então acho que se eu já não tinha a sensibilidade boa assim, piorou agora. E aí eu vi que também tem essa parte da anorgasmia, eu acho que altera muito isso, deixa a sensibilidade no pé.

Thaís: Eu agora tenho até uma curiosidade que não está na pauta e não necessariamente precisa estar na gravação se vocês não quiserem…

Beatriz: Pode falar.

Thaís: Em parte vocês já responderam, mas vocês já tiveram orgasmo? E como vocês reconheceram o que é um orgasmo? Porque eu tenho esse problema. Quando me perguntam, eu não sei se já tive um orgasmo. E as pessoas dizem: “não, quando você tiver, você vai saber”. E eu: “mas será?” (risos). Tive tantos momentos tão bons e eu não sei (risos).

Carol: Nossa, eu amei essa pergunta. Eu nem sou participante, mas eu vou responder depois. Mas eu vou abrir espaço primeiro para as convidadas.

Tais: Nossa, realmente é uma ótima pergunta, porque existe esse mito de que você necessariamente vai saber quando seu orgasmo vir e não. Na verdade, ainda mais quando a gente pensa nos níveis da repressão sexual que a gente já passou historicamente e até hoje passa em algum nível, então faz sentido que não fique tão claro pra todo mundo. Agora, pra mim, eu sei (risos). Justamente por ter a questão da hipersensibilidade, mas também teve um pouco assim de prática, porque sexo é prática…

Beatriz: E conhecimento.

Tais: Se melhora assim, com tempo e com o estudo também. É uma coisa que eu gosto e já foi talvez um hiperfoco para mim. Graças a todo esse conhecimento e à abertura para a prática, para mim é fácil ter orgasmo (risos).

Carol: (Risos)

Tais: Para mim, é até esperado ter cinco a dez ou até mais orgasmos.

Beatriz: Caraca!

Carol: Eu acho muito interessante o seu comentário porque evidencia um certo pragmatismo na forma de enxergar o sexo, ao mesmo tempo que não deixa de ser uma coisa muito corporal também. Porque é uma forma que a gente enxerga e que a nossa cabeça funciona, mas existe um mito de que o fato de racionalizar demais as coisas torna a gente insensível, e para mim isso é o contrário. Eu acho que esse nosso pragmatismo está a serviço desses outros aspectos da vida, inclusive o sexo.

Beatriz: Eu sei que toda mulher tem aquela coisa de devaneio no meio do sexo, né? Isso às vezes atrapalha. Agora quando a minha cabeça está toda, aí que eu vou longe assim pensando na louça, aí eu olho e falo: “nossa, tem uma teia de aranha aqui que dá pra limpar” (risos).

Tais: (Risos)

Beatriz: Até eu conseguir voltar ao planeta Terra e focar aqui, porque eu preciso ter um orgasmo este mês, aí já é um pouquinho difícil (risos). Espero que meu esposo não ouça esse podcast (risos), porque olha… Mas é que nem eu falei, eu tinha mais orgasmos antes. Por isso que eu falei da medicação, tem hora que eu não sei se vai chegar lá sempre. Pra mim, conhecimento é poder. Isso que eu tenho reparado, principalmente quanto ao nosso corpo e também estou com meu esposo há onze anos, a gente começou no terceiro semestre da faculdade e agora temos dois filhos e somos casados, enfim, há muito tempo. E por já termos uma abertura, eu já sou mais pragmática em vários pontos. Então, a gente já tem um conhecimento do corpo um do outro, já temos uma relação muito firme, então dá pra gente já fazer testes. Ele também é muito aberto comigo, ele quer também e acho que é fundamental o parceiro ou a parceira querer te ajudar nisso, né? E ele é muito parceiro nisso. Só que às vezes que eu acho assim, o meu problema maior está sendo nessa parte, por causa agora do ansiolítico, porque às vezes é uma posiçãozinha que sai, acabou. Só que, no geral, eu tenho observado que a maior parte dos orgasmos eu sei que eu cheguei.

Mas tem vezes que eu fico na dúvida, aí eu fico até sem graça, porque você fica assim, mas será que foi? Às vezes parece que eu ainda estou tentando entender, tanto que se alguém souber de curso que mulher tem também orgasmos múltiplos, né? Então eu acho que isso confunde mais ainda do que ajuda nesses pontos. Porque o cara, a gente sabe quando foi, né? Tipo, é um só e acabou. Às vezes você fala: “eu estou com fogo”, mas eu já me arrepiei tudo, que eu pelo menos sinto uma corrente elétrica tem hora, sabe? É um troço doido, só que tem ver se não dá tão forte essa corrente elétrica, aí eu penso, será que foi? Não, espera aí, agora foi, aí eu não sei se é um segundo orgasmo, se foi o primeiro, ainda tô tentando me descobrir, meu parceiro tá me ajudando, mas pra mim não é tão nítido assim essa forma não. Tanto que eu tenho visto como que, como que eles representam na literatura, tal, pra saber interpretar.

Carol: Para mim, eu também tinha bastante essa dificuldade e eu ainda tenho uma coisa bem frequente, mas às vezes é algo tão visível, principalmente nessa questão dos orgasmos múltiplos, que não tem como dizer que não foi.

Tais: Legal.

Carol: E aí tem um outro dado também que é interessante, que diz que mulheres lésbicas, são mulheres que se relacionam com outras mulheres tendem a ter mais orgasmos do que mulheres que se relacionam só com homens.

Tais: Eu já vi isso também (risos).

Beatriz: (Risos)

Carol: Então, eu acho que assim em termos de média, as minhas relações já teriam uma média um pouco maior em relação a isso. E eu quero deixar claro que isso não é uma questão de competição porque isso pode soar muito ruim. Porque eu vejo que o sexo não é medido na quantidade de orgasmos que as pessoas têm. Isso é um grande mito também, como se fosse uma meta e não é pra ser uma meta. Se as pessoas estão felizes como elas estão, eu acho que isso é a única coisa que importa, sabe? Não interessa se você gozou só uma vez ou vinte, mas aí é uma questão de autoconhecimento também, você sabe como que isso funciona pra você. E aí quando você percebe que isso é uma coisa muito forte e conversando com outras pessoas, a gente percebe isso, é algo que vale a pena discutir. E é muito interessante porque eu tentei discutir isso com uma amiga e ela disse que eu estava sendo extremamente detalhista nas minhas explicações, o que ela preferia não saber.

Tem outra questão também que é interessante. É como a gente fala sobre isso com as pessoas, porque eu vejo que as pessoas têm uma ideia de que existem coisas que já estão pré-estabelecidas no sexo, como se fosse um patamar em que as pessoas se entendem. Em geral, as pessoas são neurotípicas, e a conversa flui a partir daí. Elas não entram em certos detalhes que, para a gente, são essenciais para a conversa. Então, quando a gente vai falar sobre sexo com outras pessoas, acaba tendo um problema de comunicação, porque a gente fala de uma forma que para as pessoas não é assim. Então, falar isso de orgasmo e como funciona para a gente pode parecer estranho para outras pessoas. E se a gente não tem uma conversa franca, pelo menos com a pessoa com quem a gente está se relacionando, isso pode gerar uma certa frustração.

Beatriz: Eu tenho muito problema com isso, porque as meninas normalmente, eu vejo aqui, se seguram mais. Tanto que esse episódio da primeira vez foi com os meninos. Eu não reclamei porque eu entendi totalmente, só falei com o Tiago. Falei que eu sou uma pessoa de boa pra falar, porque realmente não dá pra falar, e eu queria conversar, saber. Eu acho bom discutir, para a gente conhecer melhor, para entender como funciona. Eu acho que é o que eu falo, para mim, conhecimento é poder. Então, se você ficar sem entender, eu acho ruim.

É o que eu fazia, eu sempre conversava muito com o guri. Homens, realmente, nesses pontos vão estar abertos. E quando você tem uma relação de amizade, acho que dá pra conversar. Para mim, não é uma coisa assim, “meu Deus, eu estou falando com o cara”, desde que tenha o respeito dele, entender que não é… Aí também dependendo do cara, ele acha que você está querendo alguma coisa e, decisivamente, não. Mas, como eu já tinha poucos amigos limitados assim, que eu já tinha confiança, eu sempre tive bem poucos amigos, já tinha essa tranquilidade maior. E aí, acabava que soava até estranho para quem falasse: “Nossa, você fala sobre sexo?” Porque pelo menos com homens, eu senti uma abertura maior para discutir sobre isso.

Minha mãe sempre foi muito aberta, na verdade. Eu comecei a tomar anticoncepcional antes dos 15. Lembrando que eu beijei com quinze, porque ela sempre conversou, explicou sobre a vida, como influencia se acontecesse alguma coisa, se eu engravidasse, por exemplo, mas a minha mãe sempre foi aberta. Mas é ruim você falar com sua mãe, né? (risos). Eu acho complicado, pelo menos para mim, já é uma barreira que eu não quero muito ultrapassar.

Então eu ia falar pros meninos, aí as pessoas acabavam, às vezes, dizendo: “poxa, você tá falando com homem, cara”. Eu falei, “ué, qual que é o problema?”. Porque pra mim era óbvio conversar e trocar experiências, pronto. Não tem esse tabu todo.

Thaís: E aproveitando que a gente estava falando sobre orgasmo, também, eu já tive namorados no passado que falavam que eles gostavam muito mais de fazer sexo assistindo vídeos. E eu nunca gostei disso assim, sempre me incomodou, sempre foi “não, não vai acontecer, desliga esse negócio” e então a nossa pergunta agora é: o que vocês acham de pornografia? Vocês consomem? Pra vocês é interessante, estimula?

Beatriz: Teve uma época que eu achei até interessante, e como eu já tenho 11 anos com meu esposo, então a gente já teve muitas fases de teste, por isso que eu falo de como ele é muito tranquilo, então não tinha aquela coisa. Mas eu ainda acho problemático do ponto de vista da objetificação da mulher em vários pontos, de acharem que aquele é o normal. Não foi o que aconteceu, a gente tem tranquilidade quanto a isso, mas, no geral, eu acho complicado. Então, acabou que a gente foi vendo, falando, acho que não é necessário assim. Eu fui largando mão. Eu gosto de testar e ver o que que vai dando certo. E acabou que a gente parou. Não que a gente não tenha consumido, mas foi há anos, pouco e encerramos por lá.

Tais: A minha relação com pornografia… eu não lembro agora quando que obtive assim o primeiro contato e tal. Na adolescência, como eu tenho esse caso específico de desenhar, então eu já fui uma pessoa que tem muito fogo no rabo nessa vida, principalmente quando era mais nova. E era ruim porque como eu era um desastre em termos de relacionamento, então eu não tinha com quem gastar, eu não tinha muita noção das coisas e na época não morava sozinha. Eu lembro que eu comecei a desenhar putaria a partir dos 17 anos pelo menos e como a minha primeira experiência foi só aos 18 anos, então era só com base na pornografia, da imaginação.

Pra você ter uma noção, 2014 eu lembro que foi um ano muito peculiar, porque eu estava com muito mais interesse em disposição de desenhar putaria do que desenhos não pornô (risos). O que é bom, porque aí você pratica a perspectiva anatômica por dois. É difícil, então você tem que se esforçar pra fazer o negócio ficar bonito. Então assim, eu usava muito pornô pra me inspirar, mas não era qualquer coisa. Eu lembro que eu tinha uma cota de só ver coisa lésbica porque os héteros também é uma lástima, vamos combinar né?

A maioria do pornô mainstream até hoje eu acho uma bosta. Hoje em dia faz anos que eu não vejo assim de maneira muito ativa pornô, exceto recentemente eu soube da de site, aliás eu já sabia a um tempo atrás que existem pessoas específicas do meio que tenta fazer um porno mais ético, mais feminista depois. Tem a Erika Lust que têm os mais famosos nesse meio, faz filmes que visam fazer o mínimo que é respeitar as mulheres, não obrigar as mulheres a fazer coisas violentas que elas não queiram e tudo mais né?

Tem um site que eu inclusive soube da existência dele pela Lua Menezes chamado afterglow. E ele é interessante porque ele né muito mais pensado pra uma coisa mais poética e mais ética do que o pornô mainstream que a gente conhece muito bem. A fonografia que você esperaria num filme convencional, não pornô, uma qualidade estética, o filme assim que chamariz inclusive, o nome era Lip Service, é um filme assim de quinze minutos que eu acho muito bonito (risos). Talvez você não associe pornô e bonito assim nesse sentido poético na mesma frase, mas é real, cara. Tipo as cores pastéis, a coisa mais vagarosa, o fator de que no pornô mainstream é muito comum aquela coisa branca, sem personalidade, muito assim padrãozona, homogênea e tal. Agora nesse não. Você tem a história narrativa pelo cenário do quarto, entende? Então é isso. Existe pornô que não é degradante pra mulher, sabe? E tem essa parte assim mais artística.

Beatriz: A gente tem que falar da menina ser criada de uma forma sonhada com princesa e o menino querendo que a mulher quer seja uma atriz pornô. E até eu vejo até quanto a parte de objetificação do corpo mesmo de sempre ser aquele padrãozinho e tudo e tentar conseguir o inalcançável, sendo que é maquiado, literalmente maquiado, eu sou esses dias. Porque tem eles realmente tem maquiador pra isso, então não é realidade.

Carol: Aproveitando que você falou sobre objetificação de mulheres, Bia, eu queria saber se vocês já sentiram objetificação por parte das pessoas com quem vocês se relacionaram.

Tais: Eu acho que sim. Como mulher, até porque eu não conto para todo mundo que eu sou autista. Tipo, para os caras, não é tão declarado. Já aconteceu de eu me encontrar com os caras, e teve um outro caso em que, no fim, eu me senti meio usada. O cara só pensou no prazer dele e eu que me exploda. Foram poucas vezes, bem poucas na verdade, mas já aconteceu.

Beatriz: Isso eu já tive, mas eu acho que, agora pensando, é porque eu não era diagnosticada, porque já me senti usada, justamente por essas situações de ser inocente e aí a pessoa usa disso para proveito próprio. E aí acabou caindo nisso aí. E pior, eu fui descobrir anos depois. Ainda na época, era aquela coisa: a vítima acha que ela é culpada de tudo. Quanto à parte de objetificação, já aconteceu, não tinha reparado, mas agora com o episódio parece que algumas chavinhas vão virando, né? Como por exemplo, é que nem eu falei, de me chamar de santinha do pau oco. Porque no geral, no dia a dia, eu sou ainda mais TDAH, sou literalmente saltitante. Eles falam que meus pés são ágeis, que eu sempre corro, não ando. E eu também pulo, quando estou muito feliz, bato palma, eu não consigo controlar felicidade. Meu esposo fala que eu gostei do presente porque eu começo a pular, bater palma e dar abraço nele. Isso eu já tenho 30 anos. Então antes era mais ainda.

Então às vezes isso até chega a ser visto como fofinho e desejável, uma menina quando é mais nova. Então eu também desenhava bastante quando estava com mais tempo, antes das redes sociais, que a gente passava muito mais à toa, eu desenhava muito sobre elfos, dragões. Eu cheguei… graças a Deus o tempo passa e a gente amadurece, mas eu queria fazer a cirurgia para deixar minha orelha de elfo. Então, era bem assim, Senhor dos Anéis.

Eu cheguei até fantasiar e até hoje um dos desejos da minha vida é ter uma festa fantasia pra eu usar de desculpa pra me vestir de novo, que na época não tinha celular. Bom, então ficou perdida a memória. Mas assim, na época teve um menino que ficou apaixonado, a gente foi tratado como High School Musical no colégio. Era o terceiro ano, eles era também de desenhar e ele gostava de mim, ele falava que eu era diferente das outras meninas porque eu era meiguinha e também era sonhadora. Só que isso assim, OK, achei como um ponto positivo.

Só que agora pensando, atrapalhou muito no final das contas, porque sempre que eu tentava trazer esse meu lado fisiológico de ter interesse no sexo oposto, de chegar aos finalmente aí ele começava a me bloquear e falava que “como assim”, que eu era uma fadinha porque que eu estava sendo humana, sabe?

Carol: Meu Deus, que coisa bizarra.

Beatriz: Bizarríssima, hoje em dia eu falo: “cara, não!”. Porque ele falava assim: “você é minha fadinha, você é minha elfinha”, então na época eu achei fofo. Eu falei assim, ah que fofinho, ele gosta de eu ser meiguinha, hoje em dia eu falo, não, não! Eu precisei  de 12 anos e 13 quilos a menos, que eu lembro que eu eu parei quando a gente terminou, eu parei de comer. Porque ele me tratou tão assim, sabe? Como um cristal que depois quando ele deu a louca resolveu terminar porque eu estava cansado disso aí eu realmente me senti jogada às traças, sabe? Eu acho que agora pensando, ligando os pontos, eu acho que é bem isso na verdade. Eu achei que eu não tinha nenhum caso de objetificação mas tenho, no final das contas.

Carol: Isso que você falou foi muito interessante porque tem uma questão: quando as pessoas observam que temos certa desenvoltura social em algum aspecto, elas acham que todos os momentos em que tivemos alguma dificuldade ou teve um comportamento considerado estranho estávamos fingindo, porque não conseguem assimilar que podemos ter essas vontades, podemos nos desenvolver muito bem, ter uma vida sexual muito boa e ainda assim ter certos aspectos que são estranhos. Como você falou sobre bater palma e pular, é algo que eu ainda faço, inclusive, é algo que faço quando tenho uma sensação muito intensa relacionada ao sexo. Então, as pessoas não pensam sobre isso, que uma pessoa autista, quando está sentindo uma coisa muito forte, tem essas reações, independentemente de qualquer coisa, e que esses comportamentos não são mutuamente excludentes.

Thaís: Acho interessante essa questão de objetificação, porque muitas vezes estamos tão acostumados com algumas ideias no dia a dia que não percebemos que uma situação se encaixa nessa categoria. Às vezes, só aceitamos aquela situação achando que é normal e acabamos vivendo com isso. E muito tempo depois, como disse Beatriz, viramos a chavinha e começamos a perceber que aquilo tinha algum problema.

Então, eu me lembro no passado, por exemplo, das primeiras vezes que eu fiz sexo, o meu primeiro namorado gostava muito do jeito que eu gemia, parecia para ele uma criança, e ele achava isso excitante.

Carol: Meu Deus!

Beatriz: Meu Deus!

Tais: Piorou!

Thaís: E era porque estava doendo, não é mesmo? Porque ele não estava tendo cuidado nenhum.

Tais: Que cuzão!

Thaís: E a gente acha às vezes que isso é normal. A gente ouve que “ah, dói mesmo, e é assim mesmo” e por aí vai. Então, é uma das situações que eu me lembro quando a gente fala desse tipo de assunto.

E assim, eu acho que fechamos, pessoal. Vocês querem dar algum recado final bem curtinho ou então falar onde as pessoas encontram vocês nas redes sociais?

Tais: Então, os meus contatos da internet: no Instagram, eu sou Taís Fantoni. Eu tenho meu portfólio principal também de ilustração, e acho que é isso, porque o Twitter não uso mais, e o Facebook também não. Então, é portfólio e Instagram. É isso.

Beatriz: Então, o meu Instagram, que é a rede principal que eu utilizo, nas outras redes sociais, eu estou no LinkedIn, no Twitter. E eu tenho feito um trabalho, tanto com mães, dando mentorias mesmo dessa parte de apoio que eu acho que a gente fala muito sobre estímulo de crianças autistas mas eu tenho abraçado cada vez mais a parte de mães, de mães que estão precisando de um apoio emocional, de metas para ter autocuidado, porque muito tempo eu me larguei e eu consegui voltar a me reconhecer, e é isso que eu tô fazendo.

Thaís: Muito bem então, pessoal, então muito obrigada.

Beatriz: Ah, eu agradeço demais, viu gente?

Tais: Ah, eu que agradeço, tô feliz demais.

Thaís: E agora a gente vai ouvir um áudio do nosso WhatsApp.

(Áudio do WhatsApp)

Juliana: Eu fiquei aqui maratonando o podcast e como já me identifiquei aqui, sou uma mulher adulta lésbica. Eu senti falta de algo que eu pudesse me relacionar eu notei que todos os podcasts relacionados a mulher, sempre fala de mulher casada com homem, que é mãe, que tem filho e fiquei boiando assim. Eu sinto também que como eu sou uma mulher lésbica, eu acho pouco material porque é sempre a sigla toda e tudo muito fluido e eu não me identifico assim. A minha primeira experiência de gostar de me interessar por alguém ainda foi na infância de 6, 7 anos e eu achava que era normal eu gostar de outras meninas, não por referência porque na época não tinha. Eu tenho quase 40 anos. Mas porque pra mim era normal. E a menina mesmo que eu tinha me interessado acabou reagindo muito mal assim. Foi muito traumático pra todo mundo. E depois eu passei 11 anos num relacionamento com um homem e depois consegui me entender melhor. Mas enfim, esse é o resumão da minha experiência e acho superimportante também falar sobre a vulnerabilidade das mulheres autistas em relação a abusos né? Não só na infância mas em idade adulta também e é isto. Bom trabalho pra vocês, estou curtindo muito e é isto.

(Áudio do WhatsApp)

Thaís: E muito obrigada a todos os ouvintes, a gente se vê no próximo episódio

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Equipe Introvertendo Escrito por: