Introvertendo 04 – Amor e Ódio

Amor e Ódio são os temas mais debatidos entre os aspies que fazem parte da equipe do podcast. E para um debate histórico, o quarto episódio reúne de forma inédita a chamada “formação clássica” do Introvertendo (os membros mais antigos e de longa data do grupo). Marcos Carnielo Neto, Michael Ulian, Otavio Crosara e Tiago Abreu vão falar sobre as coisas e as pessoas pelas quais intensamente amam ou odeiam, com uma reflexão breve sobre a ‘empatia’ do Asperger – algo que será discutido em outro episódio futuramente.

Links e informações úteis

Para saber quais as músicas que aparecem em episódios do Introvertendo, acesse nossa playlist no Spotify. Siga o nosso perfil e acompanhe as nossas playlists com episódios de podcasts.

Para nos enviar sugestões de temas, críticas, mensagens em geral, utilize o email ouvinte@introvertendo.com.br, ou a seção de comentários deste post.

Caso você utilize o iTunes, assine nosso podcast lá por meio deste link.

Multimídia e conteúdos citados no episódio

*

Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você que ouve o podcast Introvertendo. Nós estamos sobrevivendo mais uma semana de caos, sofrimento e tristeza e dessa vez nós vamos utilizar a nossa carga emocional totalmente negativa para falar de amor e ódio. Meu nome é Tiago Abreu e eu amo odiar coisas e pessoas.

Marcos: Oi, eu sou o Marcos, eu sou o mais zen aqui do grupo nesse exato momento, mas eu sou o que mais odeia pessoas também. Então eu quero que vocês todos se fodam e morram mesmo. Queimem no inferno, filhas da puta. Não, brincadeira, eu gosto de pessoas. Às vezes, se você for inteligente…

Michael: Se prepare pra um caminho de bosta. Ah, meu nome não é importante, o que importa é o que eu vou fazer, eu vou matar um certo alguém e restaurar minha tribo.

Tiago: Só pra informar vocês, hoje o Michael está com a garganta totalmente ferrada, então se vocês ouvirem alguém com voz de 90 anos…

Marcos: Saiba que é porque ele ficou chupando rolas no banheirão aqui do lado…

Michael: Rolas helicoidais!

Marcos: …de porcos, porque esse animal é um zoófilo também e acabou ficando com a garganta inflamada.

Michael: Mas, obviamente, a minha voz não está ruim, porque eu fui substituído por um alien que, por acaso, sabe que aves são mais superiores do que mamíferos.

Marcos: Ah não, mas todo mundo sabe. Corvos são o próximo passo evolutivo, eles vão dominar o mundo.

Tiago: Isso se as baratas não dominarem antes.

Marcos: Baratas são filhas da puta…

Michael: Sem Terra Formars aqui, por favor.

Marcos: Baratas são um bicho. E elas não são tão fodas quanto as pessoas pensam que elas são.

Michael: A menos que elas fiquem 500 anos em Marte.

Marcos: Elas não sobreviveriam mais que 5 minutos em Marte, desculpa.

Michael: Isso é o plot de um anime. De um mangá, na verdade, porque o anime só pegou uma temporada e foi uma bosta.

Marcos: De baratas sobrevivendo em Marte?

Michael: De baratas que evoluíram e em 500 anos se tornaram seres humanoides, sobrevivendo em Marte.

Marcos: Isso é uma coisa maravilhosa. Por que que durou só uma temporada?

Michael: Gore. Muito gore.

Marcos: Mas é gore de barata, a gente quer ver barata…

Michael: E de seres humanos também. Porque são baratas de dois metros de altura…

Marcos: …que matam humanos? Tem humanos em Marte?

Michael: Sim! Na verdade, vai uma pequena expedição e eles morrem.

Marcos: Nossa, me passa esse anime depois, porque eu preciso ver. Parece ser extremamente fascinante.

Michael: E vale ler o mangá, porque ele é muito bom.

Marcos: Eu não leio mangá.

Michael: Mas vale a pena e vale a pena pelo gore, porque foda-se, uma das poucas coisas que eu gosto é gore.

Marcos: Ou seja, a gente gosta de ver pessoas morrendo mesmo. Todo mundo é psicopata aqui, o Michael é psicopata, o Tiago incluso, apesar de que ele não vai admitir, mas ele também quer matar metade da sala dele, então…

Michael: Eu não quero matar pessoas, mas gore 2D é muito fofo.

Tiago: Maravilhoso que a gente já começou esse episódio com muita positividade e fugindo do tema!

Michael: Eu só queria dizer que o Otávio tá chegando. Então, vamos ter virgenzice em dobro.

Tiago: Se você quiser mandar um email pra gente, mande aí, entra aí no nosso site, acesse o nosso podcast, nossas notícias, saiba quem nós somos, embora isso não seja relevante e acompanhe aí toda a nossa história e todas as nossas loucuras.

Marcos: Tiago já soltando a bomba que todo mundo é irrelevante aqui, né? Foda-se quem somos. Eu vou também colocar o número da minha conta bancária, então se caso vocês gostarem e quiserem depositar algum dinheiro, eu sou aspie e tô totalmente falido.

Tiago: Terapias custam caro, né?

Michael: E se vocês quiserem um assassino de aluguel, o endereço é YXZK230Y*Z.onion.

Tiago: E antes da gente fechar o nosso primeiro bloco, nós também estamos com a presença do Otávio Crosara, dê boas-vindas aos nossos ouvintes.

Otavio: Boa tarde, ou bom dia, boa noite, depende do horário que você tá escutando. É muito fácil se amar, é muito mais fácil odiar, viu? Deus do céu. Eu sou um paradoxo, porque eu me sinto sozinho, sabe? Queria estar mais próximo de pessoas, mas eu fico próximo de pessoas e quero ir embora.

Bloco geral de discussão

Michael: Nós voltamos pro ano de 1945, mas precisamente depois de maio ou junho. Eu não lembro quando o Japão se rendeu na guerra e… você quer definir ódio? Ódio pode ser definido por uma palavra: anime.

Marcos: A coisa mais maravilhosa que já criaram na humanidade. Como assim, ódio?

Michael: Então, eu te explico. Por que o anime surge? O anime surge como uma forma de expressar os sentimentos nipônicos contra a guerra. Contra eles terem perdido a segunda guerra. Você pode ver. Isso é o único tema recorrente nas primeiras décadas da animação japonesa. Mas até hoje, pode ver, qualquer anime que tiver referências fora do mundo real, os personagens vão ser referentes ao Japão Imperial ou a Alemanha Nazi. Ou seja, eles realmente tem o maior caso de dor de cotovelo da história do planeta Terra. E ao mesmo tempo voltamos para 1945. A guerra terminou e surge a maior definição de amor.

Marcos: Godzilla?

Michael: Anime. Na verdade, toda mídia japonesa em geral é uma consequência da segunda guerra, mas precisamente do bombardeio de Hiroshima e Nagasaki.

Marcos: Realmente com eventos daquele como que não ia marcar a história do país?

Michael: E ao mesmo tempo, não só isso virou a cultura nacional de um ponto que até as forças de autodefesa do Japão tem seus helicópteros plotados com garotas de anime fofinho no helicóptero, isso não é zoeira. Mas assim, obviamente além de ser algo tão natural, algo tão endêmico da cultura deles quanto futebol é pro brasileiro médio, foram eles que criaram as Waifus, então bem, né? Não tem maior sinônimo de amor do que o amor verdadeiro, que é o amor 2D. Isso contextualiza amor e ódio bem. Basicamente amor e ódio é um shounen bem bosta que dualifica o mundo em apenas duas posições…

Otávio: Dicotomiza. Seu Zé. Dicotomiza, seu porco sem cultura.

Michael: Olha o meu peido glocal e cheira.

Otávio: (Risos)

Tiago: Então, podemos dizer que o amor e o ódio estão, na verdade, na mesma origem.

Otávio: Amor e ódio é o que eu sinto pelo Michael.

Michael: Eles estão na mesma origem, se você pensar numa forma simplista. Quando você tenta dissecar, isso é muito mais complexo. Ou seja, eles parecem ter a mesma origem, mas eu honestamente discordo. Em termos com… com… comportamentais! Caramba, eu consigo não falar essa palavra?

Tiago: Comportamentais.

Michael: Comportamentais.

Otávio: Conseguiu.

Michael: Né? Mas eu não tava conseguindo, caceta aguda. Destinação de sangue de ódio à parte, este episódio é sobre destilar ódio. Ou seja, faça guerra, não faça amor.

Marcos: Ou faça amor fazendo guerra também.

Michael: Não é nada melhor do que você ordenar uma carga com toda uma divisão blindada enquanto teu atirador e teu carregador dividem o seu pinto fazendo um boquete. Foi exatamente o que eu imaginei fazer guerra e amor ao mesmo tempo.

Tiago: Nós vivemos num país tropical, amaldiçoado por Deus e assustador por natureza.

(Risos)

Michael: Meu Deus, a gente mora na Austrália!

Otávio: Na Austrália nós teríamos evoluído muito melhor, saberíamos lutar contra jacarés, contra hordas de cangurus.

Michael: Eu sei lutar contra jacarés e preguiças.

Marcos: Na verdade, a gente tem todos os animais que você descreveu, menos o canguru. Então, os índios já fazem isso desde antes de Pedro Álvares.

Otávio: Não, nas quantidades.

Marcos: Na quantidade porque a gente exterminou eles, né?

Otávio: Tá, obrigado por terminar com meu argumento.

Tiago: Se existe alguma coisa eficiente no Brasil, chama-se genocídio.

Otávio: Opa, total.

Marcos: Somos ótimos nisso.

Otávio: Na América Latina.

Tiago: O Brasil consegue superar.

Otávio: Mas assim, os pré-colombianos antes do próprio Pedro Álvares acabaram com as populações incas e…

Tiago: Tá, mas a gente tá falando de Brasil, bora focar no Brasil.

Otávio: Tá, verdade. Desculpa! Desculpa!

Marcos: Mas só comentando. A moral é: civilizações são filhas da puta porque humanos são filhas da puta, então que morram todos.

Tiago: Eu quero introduzir essa questão de ódios de coisas brasileiras pra falar que eu não conheço nenhuma outra capital, até porque eu conheço umas cinco ou seis capitais no máximo, mas nenhuma capital ou nenhuma cidade de interior que tenha motoristas mais mal educados e mais grosseiros do que os motoristas de Goiânia. É um pessoal que não dá seta, é um pessoal que passa de uma faixa a outra exatamente pra te atropelar e é um pessoal que não adianta, tanto faz se tem carteira ou não, parece que nunca tem carteira, nunca pegaram num carro na vida. Inclusive, hoje, quando eu estava chegando aqui no campus, eu vi um carro com a seguinte indicação: “você tem trauma de dirigir? Contrate a psicóloga instrutora”. E aí, tinha uma pessoa com uma psicóloga, aparentemente, lá dentro do carro, treinando, e atrás um monte de carro buzinando e brigando e xingando, sabe? Então, pra você ver um excerto do quanto o motorista de Goiânia gosta de ser vagabundo e e maldito.

Otávio: Isso aí em específico é pra ser irônico, né? Pelo amor de Deus.

Michael: Bem-vindo à Arapongas, Paraná, Brasil, é tipo que ele descreveu, só que com russos.

Otávio: Cara, eu estive em várias capitais também, mas Palmas é pior do que aqui. Deus do céu, eles são cavalares lá.

Marcos: Mas Goiânia tem muito mais carros que Palmas. Então a situação aqui é bem mais desesperadora. Até porque a previsão é que Goiânia tenha um carro por habitante até o final da próxima década, ou seja, se já é um inferno agora, vai piorar. Até porque nossos políticos são completamente incompetentes…

Tiago: E o próprio país a gente também tem uma cultura de valorização excessiva do carro. O transporte público é uma droga, eu amaria usar transporte público a minha vida inteira, mas de que adianta? Você fica quarenta minutos num ponto de ônibus, você entra num ônibus todo sujo, em que a população tá te empurrando, em que há um barulho excessivo, ainda mais pra nós que somos aspies.

Michael: E que você vai ser estuprado no melhor estilo hentão.

Tiago: Não tem pra você fugir, você pega um carro e o combustível tá caro, você tá andando e tem o risco de ser assaltado ou atropelado por um carro. Não tem pra onde você fugir, você tá literalmente sendo encurralado.

Michael: E pra quem acha que bicicleta é a solução, você vai pagar caro pelo conserto da bicicleta porque você vai ser atropelado, ela vai ser roubada e você vai ser est[censurado].

Otávio: Goiânia é uma maravilha, né gente? Pelo amor de Deus.

Michael: Mas o Brasil todo é assim. Eu vim do sul é meu país, e ele é desse mesmo jeito.

Tiago: Eu fiquei alguns dias em Porto Alegre e os motoristas lá são levemente menos mal educados do que aqui. Eu tive uma experiência legal lá.

Marcos: Não. A descrição que eu ouvi é que Porto Alegre é um inferno, porque as ruas são estreitas e tem muito mais carros do que aqui. Então, a sua experiência é meio atípica…

Michael: O legal de Porto Alegre é que ela compete pau a com Goiânia pra ver quem é a capital mais violenta. Obviamente que a capital mais violenta é o Rio de Janeiro, só que…

Marcos: É, essa a gente não considera que é outro universo.

Michael: Quem morre lá não entra pras estatísticas, porque não tem polícia para registrar os casos.

(Risos)

Marcos: Tem o exército!

Michael: Mas o exército não conta, não faz estatística de violência.

Tiago: É lamentável dizer isso, mas o exército faz é execução.

Marcos: Eu achava que eles só capinavam lote, mas tá bom também.

Michael: Isso é bom, porque o exército tá fazendo o trabalho dele, né?

Marcos: Que é matar pessoas! Exatamente! Morram todos!

Michael: Você querer que o exército venha e faça trabalho de polícia, é algo absurdo de pensar. Se o exército interveio é porque a gente tá num estado de guerra civil e eles tão lá pra combater.

Marcos: O Rio de Janeiro pode se dizer que é praticamente um estado de guerra civil.

Michael: E o mais absurdo é que o exército tem ordens explícitas para não entrar em combate. Ele tem mais restrições do que as forças de paz da ONU tem. Cara, as forças de paz da ONU, essas que são forças militares fazendo força de polícia. Ou seja, até a única coisa que presta no Brasil de acordo com a população é uma bosta. Eu gosto do exército brasileiro, mas basicamente estão lá pra fazer porra nenhuma e às vezes matar pessoas por diversão e não pelo trabalho, porque eles não podem fazer oficialmente isso (risos). Eu amo o Brasil.

Tiago: Falando nessa questão de ser pedestre e não ser respeitado, eu também preciso deixar minha crítica aos pedestres, porque as pessoas aqui elas não conseguem, assim tal qual como os motoristas não sabem uma mínima noção do que é você estar à direita, a população aqui ela faz um escarcéu quando elas andam. Então, quando eu tô andando, por exemplo, dentro da universidade, que é um espaço de pessoas intelectualizadas e etc, o pessoal faz aquela corrente de amigos e toma todo o espaço da calçada. Por que o pessoal não entra na porcaria da direita e não fixa na porcaria da direita?

Marcos: Queria dizer também que os pedestres de Goiânia são extremamente burros, porque as pessoas são piores que os motoristas. Porque eu já vi que ninguém respeita a sinalização e as pessoas atravessam na hora que elas acham conveniente. E quando elas quase são atropeladas, elas ainda reclamam que é culpa dos motoristas. Então, é sempre um jogando a culpa do outro e, na verdade, os dois são uma desgraça e eles deviam se reeducar completamente.

Michael: Amiguinho ouvinte, levante o braço quem já atropelou um carro.

(Risos)

Michael: Eu também, porque eu já atropelei mais de um carro.

Tiago: A coisa mais comum que eu já vi aqui em Goiânia é uma faixa de pedestre e um pedestre atravessando a um metro dela.

Otávio: Isso é verdade, nossa.

Marcos: Ou atravessando sem essa quando o sinal tá vermelho, quando não é pra atravessar, quando os carros viram.

Otávio: Eu odeio…

Michael: Tudo, particularmente eu não gosto de nada.

Otávio: Não, não odeio tudo.

Michael: Meu Deus, temos alguém aqui que não é o Sasuke.

Otávio: Tá. Nossa… Que referência mais… Olha, eu tô eu tô com vergonha de reconhecer essa referência.

Michael: Cala a boca que a gente sabe que você ama Naruto!

Otávio: Eu amo muitas coisas, mas assim…

Marcos: Sobre as pessoas. Socialmente é difícil gostar de qualquer coisa no Brasil, porque…

Otávio: Não, eu não acho.

Marcos: As pessoas são insuportáveis.

Otávio: Eu não acho que o brasileiro é pior do que a raça humana em geral.

Marcos: Não, então, realmente eu concordo.

Otávio: O que eu não gosto não é a ignorância, mas a insistência em continuar na ignorância. Porque assim, se você olhar, é isso, é tudo, é a gênese de todos os problemas que nós temos. Eu concentrei todo o meu ódio num objeto muito abstrato e muito distante. Eu não fico mordendo isso.

Marcos: Qual objeto?

Otávio: A ignorância total. É isso.

Marcos: Eu acho que isso no Brasil é algo bem concreto e presente nas pessoas.

Michael: Gente, vocês não estão vendo isso, mas a gente está vendo nesse momento a aura do Otávio saindo do corpo dele e transcendendo pro Nirvana porque…

(Risos)

Marcos: É porque ele deve tá transando regularmente.

Otávio: Por que você não cuida da sua vida? Cuida das suas transas, tá parecendo o Tiago agora, cuidando da minha vida caralho.

Michael: Só pra informar, atualmente nós temos apenas uma… talvez o Abner também não esteja transando, mas se ele tiver transando eu continuo sendo o único no caminho do mago pra vergonha de todos aqui. Eles abandonaram o caminho do mago. Eles abandonaram o caminho do mago, o caminho da espada, o caminho do guerreiro.

Otávio: Uau. Enquanto nós transávamos, ele estudava lâminas. Enquanto nós saímos, ele cultivava força interior, sabe? É o nosso espadachim, nosso guerreiro, é o nosso…

Tiago: Mestre Jedi. Só não seja o Anakin, tá? Não tenha relações sexuais proibidas.

Michael: Eu estou usando a minha força pra enfiar pau no cu de vocês.

(Risos)

Tiago: Agora, voltando a questão do ódio à brasileira, eu odeio a burocracia do sistema público e de tudo relacionado a serviços e a empregos. Então, eu quero contar uma experiência minha. Eu sou microempreendedor individual, eu tenho um MEI e eu tenho que prestar contas para a Prefeitura de Goiânia por causa disso. E eu estou há seis meses, há quase seis meses, abrindo o meu MEI e eu ainda não consegui terminar o registro provisório, porque eu tenho que ir no paço municipal, eu tenho que entregar documentos, eu tenho que ter licença do Corpo de Bombeiros para trabalhar em casa e uma série de coisas, sendo que o MEI foi criado para desburocratizar os microempreendedores individuais e você tem um processo grande. E agora eu tenho que ir lá na sessão de geografia, de cartografia, alguma coisa assim, pra eles aprovarem a minha área e eu não sei, eu vou ter que ir lá no paço municipal, fica do outro lado da cidade, a vinte quilômetros da minha casa, pra poder resolver o negócio que eu faria pela internet.

Michael: Eu vou te contar uma coisa pra você ter ainda mais ódio. Toda essa burocracia unicamente existe para que contrate um escritório pra fazer isso pra você.

Marcos: É uma herança de Portugal. Obrigado portugueses, vão todos se foder.

Michael: É, eu não tenho muita história específica sobre ódio a burocracia brasileira, tirando os momentos relacionados às armas de fogo e paleontologia, ou seja, tópicos ultraespecíficos, mas falando do brasileiro especificamente, eu tenho ódio de mim mesmo porque eu conheço uma mineira que não gosta de queijo e eu não posso odiar ela porque ela é muito fofinha. Então assim, ou seja, eu me odeio por não poder odiar pessoas fofas que quebram o estereótipo da sua região. Se você é um mineiro, não gosta de queijo ou um carioca que não pratica furtos, eu odeio você.

(Risos)

Michael: Mas se você é um carioca que pratica furtos eu odeio você também, então estamos quites.

Tiago: Ou seja, você é um paradoxo em ser humano, porque você tem dificuldade de odiar quem você deveria odiar e ao mesmo tempo você odeia quando não deveria odiar, ou seja, você é completamente falho em falhar.

Michael: Mano, eu já disse, eu sou a falha que conseguiu falhar em falhar. Eu transcendi a falha.

Otávio: Depois ele fala que eu alcancei o Nirvana.

Marcos: Ele alcançou o oposto do Nirvana, ele está no fundo do poço.

Otávio: Eu odeio diretores das empresas que fazem séries, porque eles continuam fazendo séries bosta e cancelam as séries boas.

Marcos: Sense8 não é uma série boa, supera.

Otávio: Não é Sense8 é a que eu estou falando, é The Firefly. É uma série de 2013 que até o pessoal fala.

Michael: Se você nunca assistiu Primeval Creatures você é um poser.

Otávio: Nunca assistiu o quê?

Michael: Primeval.

Otávio: Tá bom. OK. Pode me chamar de poser aí no seu cantinho. Tá bom?

Michael: Cala a boca aqui que você ainda tá transcendendo, já transcendi.

Otávio: Uau. Tão bom pra você.

Michael: Mas mentira, você não vai ter sabe por quê? Porque você vai deixar de ser virgem antes de transcender.

Otávio: Não, o caminho do mago eu já larguei, eu me perdi, eu me perdi nas orgias, eu me perdi na tentação. E Deus do céu, eu não me arrependo nem um pouco.

Michael: A gente finge que todos somos puros aqui, mas na verdade todo mundo vai sair daqui pra ir pra uma orgia ao invés de estudar.

(Risos)

Tiago: E quando, quando a gente fala também da população, assim, os brasileiros, eles têm a capacidade de, às vezes, serem as melhores e as piores pessoas do mundo. Então, algumas coisas que eu odeio da população brasileira em geral é que ainda não aprendeu a jogar lixo no lixo, sabe? Então, você, você tem um concurso, eu vou falar de gente teoricamente elitizada, gente com formação superior. Concurseiro, gente aí que tá aí atrás para ganhar a sua base de dez mil reais por mês. Se tem uma prova de concurso dentro de alguma universidade, basta você ver depois da prova jogando sacos, assim, tudo pra tudo quanto é lado, sabe? Você não precisa ir nos extratos sociais mais baixos pra você ver. O pessoal não faz coleta seletiva. Outra coisa, a galera mais elitizada aí, agora vou continuar metendo pau na galera mais elitizada. Existe um ódio de classe tão grande no país, que a pessoa acha que ela ganha, sei lá, cinco mil por mês que nem é um salário tão alto e ela já está na base de privilégios, que ela tem um um grau de superioridade às pessoas de camadas mais baixas. E, por fim, uma coisa que eu odeio, assim, e que é exatamente mais pelo lado do autismo, é a necessidade extrema de socialização. Você tá no espaço, no seu cantinho, aí vem a pessoa puxar assunto, e puxa assunto e quer saber da sua vida. E eu quero contar uma história que eu vivi com o Marcos. A gente foi no no hipermercado, nós estávamos no hipermercado, o mato tava esperando outra pessoa e eu tava ali pra dar carona pro Marcos, e aí o Marcos falou: “preciso ir no banheiro”, eu falei: “beleza, vou ficar aqui do lado de fora”. E aí, uma mulher se aproximou de mim e falou sobre a vida do cachorro dela pra mim e sendo que eu tava ali sem saber o que fazer, eu nunca tinha visto a mulher na minha vida, a mulher falando sobre os pets dela. Aí o Marcos apareceu e a gente foi embora.

Marcos: Acho que ela não era goiana, mas enfim, aqui no Brasil, realmente nós temos socialização e o que faz a maioria das pessoas nos considerarem totalmente esquisitos. E eu quero dizer, sou esquisito mesmo, fodam-se vocês, vocês são acéfalos, não tenho a vontade de interagir com ninguém mesmo.

Michael: Se você tem Asperger ou autismo, e você nasceu fora da Alemanha, você perdeu, você já perdeu. No jogo da vida você perdeu.

Marcos: Qualquer pessoa com autismo fora dos países europeus, ocidentais.

Michael: Mas especificamente a Alemanha, porque o povo alemão, a cultura germânica é idêntica ao Asperger. Ou seja, se você pega um alemão normal e um Asperger brasileiro, devido às diferenças culturais das duas sociedades, o Asperger brasileiro vai ser muito mais sociável do que o alemão normal.

Otávio: Olha que paradoxo, imagina um Asperger alemão.

(Risos)

Marcos: Como eu sou um aspie, eu tenho a versão ao calor. Eu odeio o sol, eu detesto o estímulo excessivo que faz o calor, o que é horrível, porque o Brasil é um país tropical de norte a sul. Quando eu menciono que Porto Alegre é uma cidade quente pra porra, as pessoas ficam me olhando com uma cara achando que lá é o ápice do inverno brasileiro, sendo que Porto Alegre é uma desgraça de quente.

Michael: Quando você pegar -2 graus e você tiver sem blusa pra ir pra escola…

Marcos: Tranquilo. É o meu clima de origem.

Tiago: O Marcos, quando tá fazendo quinze graus em Goiânia, aí que ele começa a relaxar, que ele usa um short, que ele fala: “nossa, tá agradável, tá possível ficar aqui”.

Marcos: E isso não é exagero, realmente a minha temperatura favorita é abaixo de dezesseis, quinze graus.

Michael: O Marcos realmente anda nu pela cidade com um cooler enfiado no cu.

Marcos: Agora uma coisa que eu tenho que falar de positivo, apesar de ser tropical e o clima ser horrível, a única coisa que eu gosto do Brasil é a biodiversidade, é um país muito bonito, ultimamente eu tenho reparado bastante.

Michael: Era mais bonito quando tinha aves gigantes assassinas com bicos de quase um metro de comprimento.

Marcos: Concordo também. Aves do terror deviam ser ressuscitados porque, né? A gente tem emas ainda.

Michael: Sim, ela só tem biquinhos desse tamanho, mas…

Marcos: Elas têm dois metros de altura.

Michael: Não que as Siriemas sejam do grupo Phorusrhacidae. Mas elas são de um grupo irmão, da mesma família.

Otávio: O pessoal fala assim: Otávio, que que você odeia? Eu não odeio muitas coisas, assim, a maioria das coisas que me irritam são inconveniências. Eu não considero problemas ou maldições ou tal.

Tiago: Então, você odeia odiar.

Otávio: Eu não odeio.

Michael: Você consegue observar agora o Otávio tentando transcender novamente.

Tiago: Um nível de consciência.

Otávio: Na verdade eu não tô tentando nada. Eu parei de tentar.

Michael: Na verdade, outra coisa que eu odeio é o fato de ser brasileiro e ser contra a própria cultura até nível regional. Brasileiro, o máximo que ele vai apoiar a própria cultura é a cultura carioca e eu tô me odiando porque eu tô usando Nirvana em vez de falar de deboísmo.

Otávio: Deboísmo! (risos)

Tiago: E você odeia o Getúlio Vargas por isso, né?

Michael: Olha, se existe um aumento na história do Brasil em que amar e odiar são sinônimos, foi quando no Getúlio Vargas existiu. Porque esse cara salvou o Brasil República e ao mesmo tempo o destruiu.

Marcos: Agora eu tenho que sair, mas eu só queria dizer que tudo que eu falei foi sarcasmo e ironia, pelo amor de Deus.

Michael: Não, não foi!

Otávio: Eles ainda vão te processar!

Marcos: Eu gosto de várias pessoas, pessoas são importantes, as que são próximas. Eu adoro pessoas criativas.

Otávio: Poser! Hipócrita! Fraco!

Marcos: Mas são poucas. 

Otávio: Eu odeio isso! Eu odeio isso!

Marcos: Mas eu detesto a sociedade em geral, por causa disso.

Otávio: “Amo as pessoas, mas detesto a sociedade!”

Marcos: Mas, OK, agora falando sério, tudo tirando ironia e o sarcasmo de lado, a verdade é que a gente, como aspies, a gente gosta mesmo de pessoas, a gente não tem aversão a pessoas, não somos psicopatas, apesar de ter menores níveis de empatia, mas o que a gente odeia mesmo não são as pessoas em si, mas sim o jeito que a gente se relaciona com as pessoas. É o nosso jeito de relacionar com as pessoas e o jeito que as pessoas se relacionam com a gente. Eu acho que isso é o que a gente odeia de verdade e a gente projeta o ódio nas pessoas em si, mas na verdade é isso que eu queria falar. Na verdade, eu acho que a gente, nenhum de nós aqui odeia pessoas de verdade, ninguém vai pegar um rifle e sair atirando em multidões. Então, não se preocupem com isso. E nosso jeito de demonstrar empatia é um pouco diferente das pessoas comuns e nós demonstramos de uma maneira diferente. Eu acho que é isso que as pessoas confundem, eu acho gente esquisitão, porque a gente tem um jeito de demonstrar empatia diferente das outras. Porque pra gente é mais difícil demonstrar verbalmente, mas se você conhecer um aspie profundamente, você vai saber quando ele gosta de você de verdade.

Michael: (fazendo um efeito de lambida e chupada)

Site amigo do surdo - Acessível em Libras - Hand Talk
Equipe Introvertendo Escrito por: