Introvertendo 98 – Autismo na Turma da Mônica

Mauricio de Sousa é um homem que dispensa apresentações. Ao longo das últimas décadas, o quadrinista coloriu a vida de gerações de crianças e adolescentes pelo país com a Turma da Mônica e cada dia mais aproxima o seu universo às deficiências. Num papo com o host Tiago Abreu e o jornalista Francisco Paiva Junior, da Revista Autismo, Mauricio conta um pouco sobre o André, pessoas com deficiência no mercado de trabalho e inclusão.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá para você que escuta o podcast Introvertendo, que é o principal podcast sobre autismo do Brasil e o primeiro que traz autistas em sua equipe de conteúdo. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, host deste podcast, excepcionalmente não sou bom com desenhos, mas hoje nós vamos falar com uma pessoa que marcou a nossa vida com certeza e marcou a sua que está ouvindo o nosso podcast: o Mauricio de Sousa!

Mauricio: Olá pessoal! Eu sou o Mauricio de Sousa, pai da Turma da Mônica e logicamente muito interessado em tudo que diz respeito ao autismo. Temos personagem autista agora na Turma da Mônica, estamos estudando em profundidade como os autistas estão se introduzindo na sociedade e quem me ajuda muito nisso é o meu amigo Francisco Paiva Júnior.

Francisco: Muito obrigado, é uma honra participar do Introvertendo. Eu sou ouvinte do Introvertendo desde sempre, já fiz maratona e ouvi todos os episódios, e é uma honra estar do lado de cá do microfone desta vez, ainda mais do lado de Mauricio de Sousa, né?

Tiago: Sim! Hoje nós vamos falar sobre o André, o personagem dentro do espectro do autismo que faz parte do universo da Turma da Mônica, que com certeza é um patrimônio nacional. E vale lembrar que o Introvertendo é um podcast feito por 10 autistas e que conta com a assinatura da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Tiago: Mauricio, as pessoas tem acompanhado o André como personagem no universo da Turma da Mônica recentemente, só que o André é um personagem mais antigo e foi criado há muito tempo pelo Instituto Mauricio de Sousa. Eu gostaria que você explicasse para a gente, principalmente para o público que talvez não tem o contexto, o que é o Instituto Mauricio de Sousa e como foi a criação inicial desse personagem.

Mauricio: O Instituto Mauricio de Sousa foi criado para cuidar da parte social da Mauricio de Sousa Produções, de áreas onde nós temos falado com escolas, crianças, governos, ministérios e tudo o mais. E logicamente, desde o início do instituto, desenvolvemos e espalhamos pelo país muitas revistas especiais que falam desses assuntos. Não somente sobre autismo, mas de outros transtornos. A gente consulta muitos especialistas para falar sobre tudo isso. Para criar personagens, lógico, a gente precisa buscar informações corretas e pessoas que vivenciam esses tipos de atividades. Quando eu fui criar, por exemplo, a Dorinha, a menina cega, eu tive que me basear no que conhecia da conversa que eu tinha com a Dorina Nowill, quando ela vivia. Para criar o personagem cadeirante Luca, eu fui falar com os atletas paralímpicos. Inclusive, na ocasião, fiquei maravilhado com a forma como eles resolvem os problemas, mas encaram também de uma maneira tão corajosa e alegre, bem-humorada. Não tem problemas. Problemas se resolvem da maneira deles e resolvem em conjunto ou sozinhos. E com esse tipo de pesquisa eu fui criando os personagens com muito jeito de estarem presentes, estarem vivenciando as histórias junto com os personagens da Turma da Mônica. E foi um trabalho agradável, gostoso, me surpreendeu em muitos momentos e eu acho que estamos criando condições para humanizar todo o entorno dos personagens que criamos e passando informações que são importantes para o pessoal que tem contato com crianças com algum tipo de transtorno.

Tiago: E por que o personagem se chama André?

Mauricio: Eu acho, tenho a impressão, que é porque eu tenho um sobrinho chamado André e ele era muito alegre, mas na ocasião estava meio parecido com o meu personagem e veio o nome na cabeça.

Francisco: Mauricio, você foi um dos primeiros autores de grande notoriedade a tocar no tema da inclusão bem antes desses debates virem à tona na mídia brasileira. Mas como foi esse processo de inclusão do André, mais recentemente, nas histórias da Turma da Mônica?

Mauricio: O André nasceu de uma necessidade de eu ter um personagem para falar de autismo. Eu já estava também com essa ideia de falar de criar outros personagens com vários tipos de transtornos. Mas nasceu mesmo quando eu me dei conta, depois de criar a Turma da Mônica inteira e utilizar os personagens das historinhas durante anos e anos, falando para todo mundo que eu me baseava nas crianças, na minha vivência. Mas me dei conta que não era isso que eu estava fazendo. Comecei a me lembrar que, quando criança, eu tinha amiguinhos que tinham algum tipo de transtorno, que encontram dificuldade no dia a dia. Então eu falei: “Puxa vida, eu esqueci isso”. Então eu preciso me penitenciar, começar a estudar muito e começar a criar personagens assim também. Daí sim estarei lembrando da minha infância, estarei fazendo uma turminha como todas as turmas que estão por aí. Em todos os lugares, em todas as classes e escolas, existem crianças com algum tipo de deficiência. Vamos entender um pouco mais e, de certa maneira, com esse tipo de trabalho, provavelmente quebrar um pouco de preconceitos. De alguma maneira, a criança já vem com informações erradas. Este foi o início do processo e depois a pesquisa, depois a criação, e vem mais por aí.

Tiago: O conceito de deficiência é muito amplo, existem pessoas com diferentes tipos de deficiência e isso me faz pensar que dentro da comunidade do autismo a gente tem algo parecido. A amplitude do espectro é enorme, existem muitas diferenças entre os autistas, e você teve alguma dificuldade de construir o personagem com base nessa complexidade do espectro do autismo?

Mauricio: Quando comecei a fazer senti dificuldade e precisava de informações. E foi daí que entrou o Paiva para me ajudar muito. E a revista que ele faz é um dicionário para a gente, uma enciclopédia para buscar informações e saber o que tá acontecendo. É uma maravilha.

Francisco: Ah, eu fico lisonjeado em você falar desse jeito, imagina… o mérito é todo seu. Durante esse congresso online que a gente fez agora para o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, a Marina disse que as histórias do André tem contado com a participação de roteiristas autistas. Como foi esse processo, Mauricio, de ter autista fazendo a parte criativa do material?

Mauricio: Todo mundo que conhece autistas, por exemplo, percebe que autista desenha muito bem. E se está desenhando, também vai escrever. Então nós conseguimos realmente encontrar algumas pessoas no espectro autista que desenham muito bem, escrevem a respeito, que falam a respeito, então começou a se abrir um universo, um mundo de possibilidades. E nós temos mais informações, estamos mais bem informados, estamos mais influenciados pelos autistas e isso vai continuar. Os autistas, inclusive, estão saindo do anonimato, estão se comunicando. E há alguns casos muito interessantes nessa senda que eu estou caminhando. Por exemplo, alguns autistas quando conhecem a Turma da Mônica geralmente gostam muito de ter conhecimento sobre os personagens e entenderem, na medida da possibilidade de cada um, as histórias. Só que alguns adotam o personagem como uma maneira de se comunicar. Um garotinho de uns 6 ou 7 anos, tinha algumas dificuldades na comunicação verbal com os pais. Até que ele começou a ver o Chico Bento nas histórias em quadrinhos, gostou, assimilou, e virou o Chico Bento, se vestia igual ao Chico Bento, falava igual ao Chico Bento e daí, quando ele começou a falar igual ao Chico Bento, ele começou a se comunicar com os pais. Depois de algum tempo ele foi se libertando do Chico Bento e foi continuando a comunicação. E então o menino, agora um jovem, se lembra da história, conversa respeito e graças à comunicação, ele está convivendo socialmente. Tem também uma Mônica, da Rocinha no Rio de Janeiro. Uma menina, do mesmo jeito: ela virou a Mônica, começou a se comunicar melhor e virou a Mônica como mocinha também. Então há esses fenômenos interessantes acontecendo e que me dão muita esperança de que os nossos personagens das historinhas estejam abrindo portas para comunicação dos autistas desde crianças.

Tiago: Muito legal você contar isso Mauricio, porque mostra que a ligação da Turma da Mônica com os autistas é uma ligação antiga, é uma ligação forte e é uma ligação que envolve muita gente dentro da comunidade. E eu queria saber quem é que tá fazendo os roteiros das HQs do André que estão sendo publicadas na Revista Autismo e também dos gibis de banca. Há alguma consultoria para verificar também essas histórias?

Mauricio: Quem cuida atualmente da verificação e do controle dos roteiros é a Marina. Ela que tem o contato com roteiristas, desenhistas e que tem essa preocupação também, junto comigo, de que a gente escreva e crie material adequado à realidade, nada fantasioso. Os roteiristas são vários. E a gente acompanha tudo de perto, para ensaiar tudo bonitinho, e que o André tenha um futuro brilhante na história em quadrinhos.

Francisco: Ah, legal. E eu sei que no ano passado, ali mais ou menos no fim do ano Mauricio, você conheceu o cartunista Rodrigo Tramonte, que é um autista. Como é que foi esse encontro, você lembra?

Mauricio: Conversamos e foi uma conversa legal, com ele me explicando algumas coisas, contando algumas coisas. Eu gosto muito de mergulhar nesse tipo de conversa porque sempre a gente aprende alguma coisa, assimila alguma coisa e enriquece mais do universo do André.

Tiago: É, o Rodrigo é uma pessoa já bastante presente na comunidade do autismo há muito tempo e certamente é alguém que a gente se lembra com bastante frequência. Mas não foi só ele com quem você manteve contato também. Em julho de 2019, teve um dia especial só para receber autistas nos estúdios da Mauricio de Sousa Produções. Isso virou até reportagem de capa da Revista Autismo. Como é que foi esse encontro?

Mauricio: Eu me lembro, logicamente, da visitação e do encantamento que eu sentia na turma. Mais uma vez eu digo que, enquanto estivermos e devemos continuar trabalhando em cima da carreira do André, enquanto tivemos oportunidades, eu quero repetir. Eu gostaria, inclusive, de repetir e falar aqui para você irradiar, que gostaria de pedir a visita deles depois que passar essa onda aqui… eu nem gosto de falar o nome da doença aí que está acontecendo, que deixa todo mundo preso, mas de qualquer maneira eu acho que vamos continuar com esses contatos. Então se você puder, pode dizer que, assim que eu puder abrir o estúdio para visitação, gostaria de mais uma visita.

Tiago: Certamente também vamos torcer, então, para que essa pandemia passe logo. Voltando a questão do André, ele era totalmente não vocal no primeiro gibi de 2003, e mais recentemente aparentemente as dificuldades de comunicação verbal diminuíram um pouco. O que houve na concepção do personagem? Houve essa mudança? Ele ainda vai mudar mais um pouco?

Mauricio: Eu acho que, assim como acontece na vida real, ele devia já deveria estar começando a se comunicar um pouquinho com mais liberdade, com mais abertura, porque daí quem está acompanhando a vida do personagem vai perceber a evolução. Tô conversando com a Marina sobre isso, sobre abrir as janelas para a fala, na compreensão do entendimento para o André.

Francisco: Até porque autistas fazem terapia e muitas vezes a gente consegue melhorar muitos déficits e o André é mesma coisa, né?

Mauricio: É uma evolução isso. Mas quando vier a mudança, nós vamos falar sobre isso na história. Alguém vai comentar, alguém vai estranhar: “Olha, o André agora tá fazendo isso, está fazendo aquilo” e vamos comentar isso.

Francisco: Vai contextualizar a mudança, né?

Mauricio: Sim, sim, é.

Francisco: Mauricio, você conseguiu incluir muitos personagens com deficiência, e qual deficiência você achou a mais complexa, que demandou mais estudo para colocar dentro das histórias em quadrinhos?

Mauricio: Síndrome de Down. Porque além de ser algo muito variável, mas mesmo neste caso a gente vai buscar, mais uma vez, alguém que nos dê essa informação na vida real. Nós temos a Tati, que é a nossa personagem com Síndrome de Down, só que a Tati existe. Era uma menina quando eu conheci, e hoje é uma moça e hoje ela escreve peças de teatro, participa das encenações e viaja pelo mundo. Então a Tati realmente é um exemplo de possibilidades de desenvolvimento quando a gente tem alguns cuidados, conhecimentos e abertura para abrir o universo, abrir o mundo.

Tiago: É interessante essa questão porque Síndrome de Down é um tema que historicamente, na história do autismo, sempre esteve um pouco próximo aos autistas, principalmente na questão da inclusão, na presença das escolas, são muitos estereótipos em torno das pessoas que têm Síndrome de Down, e para continuar essa conversa, eu queria de saber se você tem na sua vida pessoal algum parente ou algum amigo que esteja dentro do espectro do autismo. E funcionário, tem ou já teve autistas trabalhando contigo?

Mauricio: Na família não me lembro, agora na empresa sim. Houve gente não só de autismo, mas também com deficiência visual, com mudos e neste momento temos também uma funcionária com Síndrome de Down. Nossa empresa é aberta para isso, mas não por pesquisa. É para realmente a gente poder provar para terceiros que as crianças ou jovens com algum tipo de dificuldade podem trabalhar, podem aprender, podem evoluir. Então estamos abrindo todas as possibilidades na empresa também.

Francisco: Legal até ter falado da Síndrome de Down, Tiago, porque há uma intersecção entre Síndrome de Down e autismo. Os estudos científicos mais recentes dizem que 40% das pessoas com Síndrome de Down estão no espectro do autismo, então tem uma intersecção bem grande também.

Tiago: Interessantíssimo. Mauricio, muito obrigado pela sua participação aqui no Introvertendo, certamente foi uma felicidade para nós ter uma das pessoas que mais ilustrou a nossa infância aqui no Introvertendo e eu queria que você deixasse uma mensagem para o público. Quais são os seus futuros planos para os próximos meses?

Mauricio: A gente não para de inventar coisa, né Tiago? Desde histórias em quadrinhos, personagens, filmes, cinema, desenho animado, nós estamos trabalhando nisso sim. Então eu acho que eu não teria uma coisa, nós temos projetos caminhando e estamos abrindo um caminho principalmente para a internacionalização. A criançada no mundo inteiro merece ter a Turma da Mônica, merece os nossos personagens e ter as mensagens que nós colocamos também nos nossos produtos. Mensagens comportamentais, morais, de toda maneira. Eu gosto disso, adoro trabalhar nisso, nasci pra isso e, pelo visto, nossos funcionários e artistas também estão lá para isso. Na nossa empresa existem diversos funcionários com mais de 50 anos de casa. De 40, vários. De 30, bastante. O pessoal entra, gosta e fica. E com isso eles se aperfeiçoam para podermos chegar, até ao nosso público, uma história que se baseia no nosso histórico, nossa filosofia, no estilo que mantemos desde os primeiros tempos. É um trabalho adorável.

Tiago: Também muito obrigado, Francisco, pela participação aqui no Introvertendo. E eu queria que você deixasse um recado final para a gente.

Francisco: Olha, não posso perder a chance de fazer um merchan aqui da Revista Autismo que, apesar de ser gratuita, quero que todo mundo que queira consumir conteúdo de qualidade a respeito de autismo possa seguir a Revista Autismo nas redes sociais. E quem quiser assinar a revista, apesar de ser gratuita, você paga somente o frete. Também tem todas as instruções no site. Enfim, agradecer demais Tiago por participar não só do Introvertendo que para mim é uma honra, mas de um episódio tão especial que é ao lado de Mauricio de Sousa. Muito, muito obrigado mesmo, para mim foi inesquecível.

Tiago: Muito bom. E deixar um recado aqui para você que ouve a gente, antes da gente se despedir, é que sexta-feira que vem, excepcionalmente, não teremos episódio, tá? Nós vamos fazer uma live para conversar sobre futuras novidades do Introvertendo, algumas coisas exclusivas e a gente espera vocês no Instagram, 20 horas da sexta-feira que vem, beleza? Um abraço para você e até o nosso próximo episódio!

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