Introvertendo 03 – Autismo Além da Infância

Tiago Abreu, um dos nossos podcasters, foi convidado a participar de uma mesa-redonda no dia 2 de abril deste ano, ocorrida na Assembleia Legislativa de Goiás. Juntamente com a jornalista e ativista Ana Paula Ferrari e da fonoaudióloga Mariluce Caetano – ambas mães de autistas –, foi discutido o tema Autismo Além da Infância. Neste episódio do Introvertendo, vocês vão conferir na íntegra essa discussão e as histórias de Abreu com o diagnóstico tardio de Síndrome de Asperger.

Como se trata de um episódio especial, é lançado excepcionalmente nesta segunda. Na sexta, teremos o quarto episódio com a equipe do Introvertendo.

A foto utilizada na publicação é de autoria de Carlos Costa, fotógrafo da Assembleia Legislativa de Goiás. Outras imagens do evento podem ser acessadas neste link.

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que ouve mais uma edição do podcast introvertendo, como vocês sabem eu sou o Tiago e nesse episódio em específico, nós temos um material de arquivo bastante interessante que eu não sei quando que vai exatamente ao ar, mas nós trabalhamos nisso há um tempo. No dia 2 de abril de 2018 ocorreu na Assembleia Legislativa de Goiás uma mesa redonda para falar sobre autismo além da infância. E eu fui um dos convidados a falar, abordar muitas questões acerca deste tema. E essa apresentação você confere de forma especial neste episódio de forma praticamente integral. Então, é isso e até o próximo episódio.

Apresentador: Bom dia, senhoras e senhores. Sejam bem-vindos. Tem início a programação ao Dia Mundial da Conscientização do Autismo. Uma brilhante realização da Assembleia Legislativa do estado de Goiás e sessão de atividades culturais. Com muita honra, convidamos, nesse instante, para dar início ao bate-papo sobre autismo da infância, a senhora Ana Paula Ferrari, representante da Moab Goiânia. Convidamos o senhor Tiago Florencio de Abreu, Asperger e jornalista. Convidamos a senhora Mariluce Caetano, fonoaudióloga da AFAG. Senhoras e senhores, amigos presentes nesta manhã, aqui no saguão da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás, dando início a abertura da programação do Dia Mundial da Conscientização do Autismo, eu tenho a honra de passar a palavra à senhora Ana Paula Ferrari, representante da Moab Goiânia.

Ana: Bom dia, seja bem-vindo. Bom dia, é muito bom estarmos juntos, que a gente precisa desse encontro, a gente troca essa energia, a gente troca informações e se acolhe. Então, meu nome é Ana Paula, eu sou jornalista e aqui em Goiânia, eu coordeno o Movimento Orgulho Autista Brasil, que é o Moab. E sou mãe do Jonas, o Jonas tem oito anos, é um autista grave, que tem deficiência intelectual acentuada então a gente tem uma caminhada de oito anos, o Jonas ainda é criança, mas já saiu daquela primeira infância. Então, a gente começa a sentir novas situações, situações mais complexas, a gente começa a se deparar com novos desafios, é feliz Jonas estar na escola regular, está incluído, tem uma profissional que o acompanha, especializada em psicopedagogia, vai com ele pra escola todos os dias, fica na escola e retorna com ele. Jonas consegue ficar na sala de aula, cada dia um pouquinho mais. Consegue fazer as atividades todas adaptadas para ele. Então, ele não tem atividade conforme os coleguinhas. Às vezes uma ou outra, ele tem atividades próprias para a situação dele. Isso eu acho muito importante, porque eu fico me pondo muito no lugar do Jonas. É uma criança que tem autismo, ela tem dificuldade de compreender o contexto. Onde que eu estou? Que lugar é esse? O que significa isso? Eu, às vezes, me questiono se ele sabe o real significado do que que é a mãe pra ele, quem que é ele? E o que é escola, eu acho que esses conceitos ainda estão sendo construídos. Então, você imagina uma pessoa que não compreende muito bem o ambiente. Não compreende as relações. Aí ela está num ambiente coletivo, com muitas pessoas e fazendo atividades que ela ainda não entende. Vai ficar muito chato pra ele. Então é graças ao conhecimento científico, nós conseguimos ter acesso a idade de desenvolvimento dele, fizemos uma avaliação individualizada e chegou-se a uma idade, então ele tem uma idade hoje máxima ele pontua de dois anos. Então, a gente, com isso, a gente pode se tentar olhar pra ele e visualizar essa cabecinha de dois anos. Esse desenvolvimento, esse entendimento de no máximo dois anos. E aí, a gente pensa, que tipo de atividade que uma criança de dois anos pode fazer? Que ela conseguiria compreender e fazer? Então, a partir disso, nós elaboramos. Muitas vezes fui eu que elaborei. A gente fica bem cansada com esse trabalho de mãe, porque é uma mãe que tem um trabalho além daquele do esperado de uma mãe convencional. Muitas coisas estão atrasadas, não é só o intelectual, a parte física também tá atrasada, então trocar uma roupa, comer uma comida, fazer a higiene, tudo isso está com atraso. Então você imagina, é o trabalho da mãe do dia a dia e o tanto que é importante esse contato da mãe com a criança. Tanto que é importante ter tempo, não é só tempo de qualidade, mas se estar com essa pessoa, conviver com ela no dia a dia, participar desse almoço, participar desse banho, pelo menos uma vez no dia do banho, participar de uma refeição pelo menos. Então, realmente, a mãe, ela deve trabalhar fora, que eu sempre trabalhei, gosto, mas também tem que ter o horário reduzido para poder estar convivendo, ajudando no desenvolvimento, no exercício diário de treinamento dessa pessoa pra ela seguir depois ter autonomia. Então, nós estamos nessa construção, na construção de autonomia, na construção de conhecimento na escola, é algo também muito oneroso, é algo que foge daquela programação financeira que a gente possa imaginar para uma criança típica. E aí. Até que ponto a gente consegue levar isso sozinho? A família, só o pai e a mãe, ou muitas vezes, só a mãe. Então, são todas essas questões aqui que a gente tá pra colocar e pra conversar em conjunto. E, nós estamos aqui com a Marluce, que é uma fonoaudióloga, também é mãe, já de um adolescente, pré-adolescente, estamos aqui com o Tiago, o Tiago ele, ele já é um jovem adulto, já tá iniciando a profissão dele e eu acho muito importante a gente fazer essa troca de informação. Então, eu vou passar o microfone agora pro Tiago fazer uma breve fala dele, depois nós vamos começar um bate-papo mais dinâmico e vocês vão poder fazer perguntas, tá, gente? Ou comentários, se vocês quiserem fazer pontuação, trocar experiência de vocês, eu sei que tem outras mães aí também que estão aqui. Então, é muito importante a gente se conhecer e se reconhecer, olhar nos olhos, saber que a gente tem algo em comum, que a gente participa dessa vida de uma pessoa que tem a síndrome de Asperger, do autismo. E também ver o os próprios autistas aqui. Como é, é bom a gente tá junto, ver eles adultos, ver eles produzindo, ver eles criando, que nós depois vamos assistir o show muito interessante, dumas pessoas que a gente aprecia muito, que é o Maurício e a Kelly, tá? Então, vamos ouvir um pouquinho, Tiago.

Tiago: Bom dia a todos. Antes de tudo, muito obrigado pelo convite, é sempre interessante datas pra reflexão, para pensar um pouco qual o espaço, qual a relevância dos autistas na sociedade hoje, e eu como que é diagnosticado não muito tempo, fui diagnosticado em 2014, é um prazer ter esse contato e de falar um pouco também da experiência, ainda mais com o tema que, pra mim, particularmente, é muito relevante, que é a questão do autismo, além da infância, principalmente relacionado a síndrome de Asperger, que desde o DSM cinco foi incluído como um autismo leve. A realidade de pessoas aspies no geral é de um diagnóstico tardio, então eu conheço aí cerca de 11 autistas assim desses anos pra cá e, dentre todos eles, o que foi diagnosticado mais cedo, foi diagnosticado aos 14 anos. Eu fui diagnosticado com 18. De lá pra cá, minha vida melhorou tanto em termos de socialização, quanto em termos de autocrítica, quanto em termos também de entendimento das minhas funções sociais no espaço. E e enfim, eu fico bastante grato pelo convite, dos últimos tempos também, posso falar assim, com relação a minha experiência o meu próprio entendimento também sobre diagnóstico, me ajudou também bastante no aspecto profissional, eu sempre tive alguns interesses acadêmicos bem específicos e aí a partir do diagnóstico, eu pude focar também em algumas coisas que fossem do meu interesse. Eu tô quase terminando a minha graduação em Jornalismo, satisfatoriamente, não reprovei nada até agora, vou fechar uns quatro anos e eu já trabalho com jornalismo há mais ou menos uns seis anos. E eu estou tendo um certo êxito acadêmico e profissional, graças também a ao processo que eu passei após esse diagnóstico, né. Então, eu acho que, assim, eu fico muito satisfeito por esse bate-papo, espero que vocês façam bastante perguntas, algumas até complexas, porque ao mesmo tempo em que eu vou aprendendo, vocês também aprendem e a gente vai somando essa troca entre nós. Enfim, muito obrigado.

Mariluce: Bom dia a todos, eu sou Mariluce, fonoaudióloga, também sou mãe hoje de uma adolescente, 14 anos. Meu filho é um autista moderadamente severo e estamos aí no sentido de buscar políticas públicas, melhores condições de atendimento, melhores profissionais qualificados para que a gente possa ter uma qualidade de vida desses pacientes e também no caso do meu filho. Eu fico muito feliz Tiago, de poder ter participado desse processo aí com você, Tiago, Maurício, são pacientes dos quais realmente foram diagnosticados bem mais tardiamente. É um prazer tá aqui com vocês, buscando essa troca de informações e espero as perguntas e vamos somar.

Apresentador: A gente vai abrir pras perguntas, pessoal que queira fazer perguntas à mesa, fique à vontade, basta apenas levantar. O dedo que a gente vai até aí, você identifica, falando da onde você é, a origem, quem você representa, encaminhe sua pergunta até a mesa. Fique à vontade.

Pergunta: Bom dia, sou professor aposentado, pertenço ao grupo Amigos de Campinas e Associação dos Moradores de Campinas. Olha, eu passei pelo processo, fui professor, mas eu estudava em apostilas, em fotocópias. Nós não tínhamos um acesso a capa dura, que é a maior fonte de informação e é o que comprovado que é científico. Então, eu fui muito mal preparado como professor. Eu entrei numa, numa visão reprodutivista, de colocar o aluno em fila, agradar as diretoras, é o silêncio dar aula pro seu professor, sou professor de educação física, dar aula em espaço pequeno, um quintal pra dar aula pra crianças, depois que eu comecei a trabalhar num colégio grande, eu percebi que eu era muito mal preparado. Nós professores, não somos preparados, não é só no autismo, é geral, porque antes a gente chamava criança de encapetada, endemoniada, hoje é imperativa, a gente não tem essa preparação. Então, eu depois fiz uma pós-graduação para dar aula em Anicuns. Gente, eu aprendi mais com as alunas que os alunos comigo. O curso de Pedagogia. É muito importante a pedagoga, não vou falar aqui a principal, mas outros pontos principais dentro da escola, ausência do psicólogo na escola. Isso causa pra nós má preparação, eu estava prestes a aposentar, foi uma menina, uma psicóloga trabalhar na escola que eu que eu ministrava as aulas, metade da minha idade, o que eu aprendi com essa menina foi muito grande. Eu não sei porque os colégios tanto iniciativa privada, como a pública, não tem um psicólogo, que que é isso? Nós tamo pensando pros seres humanos, a educação é geral, a gente vê até fakes da rede sociais sobre o autismo, a gente vê experiência individual, não coletiva. Nós passamos pelo processo tão grande, tão ruim que às vezes, com o professor, a gente dá nota dez pro aluno comportado, esquece do das crianças pra lá e pra cá, as peraltas, como eu falei, endemoniadas. Então, eu perguntaria o seguinte, atualmente o autismo é doença ou é comportamento? Obrigado, pessoal.

(Palmas)

Ana: Muito obrigada pela sua fala, realmente nós vivemos esse ano, a gente teve lá na escola do meu filho um projeto que chama Autismo na Escola, é um projeto lá do Mato Grosso que uma psicóloga, mãe de dois autistas, uma grave e um Asperger, ela encabeça esse voluntário, ela faz visita às escolas, ela já foi até uma tribo indígena em que tinha uma uma criança autista, o pai, pedagogo e índio chamou e ela foi. Eu achei isso, assim, demais, porque as tribos indígenas, elas não tinham esse acolhimento e partindo do próprio pai, eu achei, assim, fantástico. E o pai pedagogo, convidou, ela foi, fez o projeto, distribuiu esses informativos, umas cartilhas e principalmente, ela demonstrou, é muito dinâmico, ela demonstrou como é o comportamento e porque que ele os comportamentos diferentes. Então, o autismo, é uma síndrome de origem genética que combina com fatores ambientais. Então, ela se manifesta. Como é o sintoma principal do autismo? A gente pode entender dois sintomas base: a questão do comportamento e a questão da comunicação, ter uma dificuldade de se expressar, de compreender a comunicação como o processo todo, não só de fala. E tem a dificuldade também de se comportar, tem um comportamento diferenciado, muitas vezes precisa mexer o corpo, precisa movimentar as mãos ou os pés, às vezes encontra algum movimento que dá uma certa tranquilidade ou uma certa alegria e aquela pessoa fica fazendo aquele movimento. Então, são sintomas que também ajudam a regular aquela pessoa, mas que a gente pode direcionar para outros comportamentos é que a pessoa vai se sentir melhor, é um processo. Então, sobre a questão da escola, nesse projeto que essa senhora esteve, que ela veio a convite, ela tá no Face. Ela, ela esteve na escola, ela falou, o tal lugar, o principal tratamento, não é no consultório, ela mostrou, não é o individual, é na escola, a escola é o principal espaço. E é mesmo, porque lá que a criança vai encontrar outros mais ou menos na sua faixa etária. E que ela vai tentar interagir, pode até ter uma uma interação depois mais elaborada, melhor, vai melhorar na interação, mas sozinha não é, não é matricular a criança ou o adulto na universidade, que ele entre na universidade, isso é a primeira etapa. E a etapa dois? Etapa dois é a acessibilidade na escola ou na universidade. A acessibilidade é materiais, além de materiais, de recursos, materiais, recursos humanos, em formação continuada. Olha, essa formação continuada é esse momento que nós estamos tendo aqui de melhorar a nossa ideia sobre o tema, criar os conceitos mais adequados, para quando a gente tiver na prática, em contato com essa realidade, a gente possa interagir de forma mais assertiva, gerar bem-estar nesse relacionamento seu com aquela pessoa, organizar equipe, organizar a rotina. Então esse momento aqui eu classifico como um momento também de formação, de informação e formação. Então, a formação é contínua também para família. Porque tem hora que a gente fica esgotada fisicamente, porque é um trabalho braçal muitas vezes, de conduzir aquela pessoa, de mostrar como que faz, como que abre, como que fecha. Ela dá conta, às vezes, sozinha, mas tem a recusa, tem, por que não entendeu, porque não gostou da primeira experiência ou da segunda ou ficou com algum trauma em alguma experiência, ela recusa, aí você tem que ter o trabalho braçal, além do intelectual e do emocional. Por que o intelectual? Porque você tem que ter estratégia, um trabalho de inteligência, não vai pensando que é assim, na intuição, vamos ver como é que vai acontecer. Tudo bem que essa parte também é importante. Você sentir o outro. Você ver como que o outro está naquele dia. Então, você vai adaptar mais ainda de acordo com o sentimento que ele está te passando naquele momento. Se ele está mais agitado, eu tenho que adaptar o meu plano já adaptado. Porque naquele dia aquele plano adaptado precisa de um ajuste a mais. Então, é claro que tem que ter a intuição, esse feeling, mas a gente tem que ter um planejamento, tem que ter um estudo. Então, a aula de educação física que o professor diz que é, eu classifico como uma das principais momentos dessa pessoa com o autismo em si, porque altera muito o motor. Então, se o educador físico tem um conhecimento de psicomotor, de como ele trabalha a psique com o motor, ele vai conseguir desenvolver atividades lúdicas, prazerosas, que vão equilibrar esse emocional, ajudar esse comportamental e aí depois ele vai pra sala de aula ou mais tarde em casa, ele consegue relaxar, ele consegue elaborar. As pessoas com a síndrome de Asperger e o autismo ficam nessa etapa de neuromotor muito tempo, às vezes desenvolve o intelectual, mas ele ainda continua precisando de ter uma atividade física mais intensa e constante do que a maioria das pessoas. Então, é importantíssimo a aula de educação física, um educador físico, ele tem o poder imenso de desenvolver uma pessoa com o Transtorno do Espectro Autista. Então, ele pode trabalhar de forma individualizada, em alguns momentos, “olha, agora eu vou pegar o coleguinha, vou deixar a turma fazendo uma atividade mais coletiva trabalhar mais individualmente”, depois vai trabalhar a turminha para fazer uma atividade em grupo, às vezes vai vai negociar com a escola um tempo a mais ou uma intervenção a mais para aquelas crianças que estão mostrando que é benéfico, que é necessário, porque não adianta condicionar ela ficar sentadinha na mesa, se o corpinho dela está precisando se movimentar e aí movimentar como? Passar no túnel, rastejar, pular no trampolim, usar bola de pilates ou outras bolas, usar balão, a bolinha de sabão, traçar uma linha no chão ou mesmo aquele slackline. Enfim, a gente pode ser criativo, se tem material, tudo bem, se não tem, pode utilizar uma sucata, às vezes a própria família pode ser orientada a elaborar um brinquedo pra própria criança. Eu acho que é um sentimento que eu não sei se de todas as mães, mas a gente tem uma dificuldade de brincar com os nossos filhos. Eles, geralmente, não buscam a gente por brincar e às vezes eles não se interessam muito. É rápido. Ou não sabe brincar do jeito que a gente espera. Então, às vezes, é uma questão de fazer um brinquedo. Às vezes, aqueles brinquedos ou aqueles instrumentos que a gente disponibiliza pra ele não são interessantes. Mas se eu criar, às vezes, uma adaptação aquele brinquedo já vai ser. Então é muito importante a escola. Vou passar aqui pra Marluce, pro Tiago também, falar um pouquinho, sobre que eles vêm desse processo da escola. Bom, eu pela experiência.

Mariluce: Hoje meu filho tem 14 anos e ele não está mais na escola, por qual motivo? A inclusão, a não aceitação das dificuldades dele, os profissionais, como o professor falou, muitas vezes os profissionais não estão qualificados para o atendimento. Eu acho que ainda falta muito, eu admiro muito o papel da Ana Paula, realmente, assim, de buscar aqui no estado de Goiás, né, visto que ela veio de fora. Esse trabalho de persistência, porque, realmente, é uma caminhada, é uma luta diária. E o que a gente percebe é que ainda falta muito para se chegar ao que a gente almeja mesmo para atendimento e para a escola. A escola, realmente, é, assim, o nosso braço direito, mas ainda falta muita coisa.

Tiago: Vou falar da minha experiência como estudante, minha relação com a educação física, especificamente no ensino fundamental, era de amor e ódio. Amor no sentido de que era um momento de extravasar mesmo. E um momento de ódio porque você tinha a “casta”, os estudantes mais habilidosos que eles ficavam nos melhores times, eles faziam as melhores atividades e os outros estudantes ficavam no banco de reservas ou observando os outros. E a partir disso, também, eu também considero a questão da educação física um ponto muito importante pro desenvolvimento. Até porque na minha experiência de universidade, sou atendido lá pelo grupo do saudavelmente, que é o serviço psicológico da Universidade Federal de Goiás, e ao mesmo tempo eu comecei a desenvolver algumas atividades com a Faculdade de Educação Física, para também diminuir tensões, diminuir a ansiedade, esses aspectos. Comecei a fazer academia, a academia foi péssima, porque eu tive muitas crises alérgicas, o próprio ambiente não era muito receptivo e aí eu tentei duas vezes fazer e desisti. Agora eu comecei a fazer natação, que também melhorou bastante, tanto no aspecto de diminuir a tensão, diminuir a ansiedade como também de exercitar o corpo. É, eu acho que que pelo menos na questão Asperger, nós temos uma relação de pouco entendimento ou até mesmo de tensão com o próprio corpo. Uma das características mais destacáveis sobre a pessoa que tem Síndrome de Asperger, é o sentido dela ser extremamente racional, não no sentido de não ter emoções, mas no sentido de não saber lidar ou interpretar com elas. E o próprio ato de você conhecer o seu corpo, de saber os mecanismos, né, de você estar em harmonia nesse sentido, se faz fundamental pro sujeito. Então, eu acho que existem muitos desafios das instituições públicas, eu acho que as turmas são muito grandes pra trabalhar com estudantes tão diferentes, tão diversos, é muito complicado. E geralmente a atividade de educação física, elas trabalham um esporte específico, só em instituições de maior porte você tem uma variabilidade de esportes. E o estudante escolhe aquilo que que ele gosta, por exemplo, eu fiz no ensino médio no IFG, que fica ali perto do Mutirama, e lá você poderia escolher a sua modalidade, então você poderia fazer ergometria, você poderia fazer musculação, você poderia fazer handebol, você poder fazer futsal. Isso te dá uma liberdade muito grande de você escolher aquela atividade física que combina mais com você. Agora, você tem ambientes de escolas de porte menor, que você não tem essa opção. Ou você se ou você fica à margem. E o que acontece, na maioria das vezes, é que o Asperger e eu acredito, provavelmente, que os autistas moderados e severos, fiquem mais à margem ainda dentro desse processo. E há algo a se pensar, né. O universo da educação tem muitas possibilidades e também muitos problemas. E eu acredito que educação física seja um elemento muito preponderante nisso. Assim, eu tenho muitas memórias sobre a minha época de educação física e muitas delas são muito ruins.

Pergunta: Fazer uma pergunta pro Tiago. Tiago, diferenciar o Asperger e o autista, queria que você falasse um pouco, essa é a primeira pergunta. A segunda pergunta, a sua profissão, você escolheu por amor ou foi por uma influência de que algo que te chamou atenção? Essa segunda pergunta. E terceira pergunta, te parabenizar, que cê tem uma oratória muito boa, cê fala muito bem, parabéns. E o seu convívio social antes dessa sua graduação lá, você já tinha essa facilidade? Você sobressaía entre os amigos que você convivia no seu ciclo de amizade? Essas três perguntas aí são pra te deixar a vontade.

Tiago: A literatura médica sobre autismo, ela é muito recente, se a gente for pensar que as primeiras definições ali do Hans Asperger e do Leo Kanner são da década de 40 em pleno contexto da Segunda Guerra Mundial. Eu acredito que sim, a Asperger, por exemplo, faça parte sim desse universo do autismo. É claro que algumas características se diferem, por exemplo, uma característica bastante evidente na questão do autismo, tanto moderado, quanto severo, é a questão da comunicação, da verbalização. Os Asperger são muito verbais, só que eles são verbais num sentido mais individual, um sentido de você falar excessivamente de si, de você falar daquele conjunto de de coisas que estão ali no seu universo de interesse e você não poder estabelecer, digamos, dessa forma o diálogo, né, entre as outras pessoas. Ao mesmo tempo que outras características, elas são semelhantes, mas elas se manifestam de forma distintas. Como por exemplo, a questão das emoções, de você entender as suas emoções, de você poder falar sobre elas, de você poder entender aquilo que você tá sentindo, porque na minha convivência com outras pessoas, uma coisa que eu já, que eu já percebi e que chega a ser até cômico em determinadas situações, é que nós conseguimos falar sobre os efeitos práticos, sobre um discurso científico, sobre de como, por exemplo, a ansiedade manifesta no ser humano, mas a gente não consegue descrever a ansiedade se manifestando em nós, entende? Então, a gente consegue falar que a ansiedade é X e Y, mas a gente não consegue falar como é que essa ansiedade ela ocorre dentro de nós. É muito comum que o Asperger também tenha depressão, fobia social, às vezes transtorno bipolar e uma série de diagnósticos conjuntos. A minha escolha pelo jornalismo ela foi meio que na infância, eu sempre tive três interesses maiores, pelo menos ali até a fase dos oito anos, o primeiro era o jornalismo, eu achava bastante interessante o discurso jornalístico e tudo mais, eu gostava muito de aparelhos eletrônicos, e o terceiro era a música, o jornalismo ele possibilitou que eu juntasse meu interesse pela música, quanto pelo jornalismo em si. E eu acabei escolhendo esse curso. No início, foi um desafio, porque o jornalismo tem os seus estereótipos. Então, você ainda tem aquela noção de que o sujeito jornalista é aquele que consegue vínculos em entrevistas, que consegue discursar bem e tudo mais, quando na verdade, pra você ser um bom jornalista, você tem que ser um bom observador da realidade que te cerca. Eu acho que, em geral, o autista consegue ter um aspecto crítico muito bem desenvolvido para atuar numa atividade jornalística. Então, quando eu entrei no curso de jornalismo eu estava nessa crise, mas eu fui aprofundando o contato com com o curso e fui vendo que as coisas não eram bem assim, que eu conseguia me encaixar muito bem no jornalismo. E o discurso formal sempre fez parte, assim, da minha vida. Eu, eu tive um certo atraso na fala, assim, eu só comecei a falar depois dos dois anos. Mas, essa questão da linguagem, da formalidade, sempre foi um problema socialmente pra mim, porque eu sempre era taxado de arrogante, de esquisito e coisas do tipo. Mas hoje eu não sou uma pessoa solitária, isso acho que já é um sentido bastante satisfatório.

Pergunta: Eu queria perguntar pro Tiago, Tiago, é muito bom ver o seu lado. Eu quero saber, hoje em dia, você faz alguma terapia intensiva ou diminuiu? O que você faz hoje em termos de terapia? Brigada.

Tiago: Bom, desde que eu entrei na universidade, eu comecei a fazer terapia, eu comecei fazer durante alguns meses quando eu era calouro, mas a psicóloga que me atendeu pediu demissão. Em 2016, uma psicóloga lá do Saudavelmente, que também é professora universitária, ela mestre em Filosofia, chamada Tatiana, entrou em contato comigo porque ela atendia um aluno da medicina, chamado Otávio, que ele não conhecia outras pessoas com Asperger e seria interessante esse contato. Isso foi em abril de 2016. Eu conheci ela, comecei a ser atendido por ela de forma individual e comecei a ser atendido, junto com ele, coletivamente, como se fosse uma terapia em grupo. Com isso, outras pessoas foram chegando. E eu tenho também o meu atendimento individual, que já tem aí uns dois anos ocorrendo de terapia. E é um processo bastante bom pra mim, porque eu também tomo medicação, medicação mais pra comorbidades mesmo, associadas. E é basicamente isso, assim. Essa terapia tanto individual, quanto em grupo, ela foi muito benéfica no sentido de prover identificações com outras pessoas.Então, a melhor coisa aconteceu pra mim durante essa trajetória acadêmica, durante a graduação foi poder ser atendido e ter esse acompanhamento constante, que é geralmente uma vez por semana, individualmente, por semana também por grupo, então são datas já separadas do meu calendário para terapia.

Ana: Eu acho muito importante também a terapia em grupo. Não só para as pessoas que têm esse transtorno, mas para quem está em torno dele. Que às vezes tem também outras questões emocionais que a gente, às vezes, vai diagnosticando depois, né, nos pais e nos familiares. Mas a gente tem, aqui em Goiânia, a gente conseguiu fazer dois grupos de desabafo, mediado por profissionais. Por uma psicóloga. E é muito positivo, o grupo de Aparecida foi muito marcante que ele foi bem intenso, assim, durante um ano, era todo mês. E a gente começou, todo mundo chorando, mas era chorando mesmo. Os pais choravam que dava até dó, cê vê o pai chorando e chorava porque o pai tava chorando, ele chorava de novo, ficasse o problema também. A gente chorava muito. E depois do bem, a gente começou já a falar de luta, o que que um conseguiu, o que que um outro tava tentando descobrir alguma coisa que tinha direito, a comprar um veículo com desconto, o outro, como que aciona o plano de saúde para cobrir as terapias, o outro pra comprar passagem, pra poder viajar com certo desconto para ter acesso ao cartão de estacionamento especial. Então, aí a gente foi trocando ideias. E como é importante o grupo, porque muitas vezes, individualmente, a gente não consegue vivenciar e nem sair daquela situação. Aí a gente também faz um projeto na chácara, que a gente reúne uma vez por mês, a cada dois meses, a gente reúne as famílias como um todo, vai o pai, a mãe, as pessoas que têm o diagnóstico de autismo, crianças pequenas e já tá chegando os adolescentes e aí a gente olha, vê um, vê outro, a gente vê, ah, tá, é assim mesmo. Isso é normal dentro dessa história. Porque se a gente fica muito no nosso mundo, eu não sei se acontece com todo mundo, mas acontece comigo, às vezes a gente começa a se desesperar ou a ficar excessivamente preocupado e sem saber como agir, reagir, como buscar ajuda, porque fica ali diante a situação que nos choca, nos irrita, nos indigna por inúmeros motivos, às vezes do que aquela pessoa que tem o transtorno, tá fazendo, que cê fica indignado, ele não conseguiu absorver aquela regra de que não pode fazer tal coisa, ou as pessoas que estão em torno não tem paciência com aquela pessoa, que a gente fica indignado também. Com isso, outros que não consegue aceitar, não consegue aceitar que aquela pessoa tenha um diagnóstico. Então, a gente tem que também estar num processo terapêutico. Nossa, eu, olha, aquilo que o professor falou de ter uma psicóloga, ter uma psicopedagoga, e eu acho que toda escola tinha que ter um grupo, uma roda de conversa pros pais, tinha que ter esse momento uma vez por mês, uma vez a cada dois meses, sei lá, mas os pais tinham que se ver, se reconhecer, falar do que tá passando, porque cê imagina isso que o Tiago contou, ficava chato daquilo que as pessoas falavam dele, ele ficava no banco de reserva. Imagina os outros. Que não consegue nem contar como foi o dia escolar dele e só chega em casa a criança, a outra pessoa contando o que o coleguinha fez inadequado. E a mãe vai ficando apavorada porque meu filho convive com a pessoa que faz assim, isso, faz aquilo outro, se a gente tivesse uma roda de conversa assim, a gente colocaria as coisas, como nós estamos fazendo aqui. Não basta ter informação, ela tem que circular, não adianta eu tá informada, mas e o outro? E o que eu tô trocando com o outro? Eu tenho que dialogar também, tem que construir uma informação a partir do meu conceito com o dele, a gente construiu um terceiro conceito. Se fica só comigo, não adianta, não adianta. Então, a inclusão, ela é possível, ela é real. Eu já vivenciei ela de forma plena lá no Rio e aí resgatou todos os meus sonhos, assim, eu vi, gente, isso acontece, é real, melhor do que eu sonhei E por que não pode acontecer pro filho dela que tá fora da escola hoje? Eu não fico satisfeita de saber que tem uma criança fora da escola não, eu entendo que às vezes pode ser uma escolha dos pais, pode estruturar um tratamento dentro de casa, tá certo, é bom, é importante, também é necessário. Mas e o momento dele se reconhecer dele ver as pessoas que tão mais ou menos do tamanho dele ou da faixa etária dele, aqueles também aprender a lidar com ele, mesmo que ele seja severo, aprender a levar ele no banheiro, se ele não souber ir sozinho, aprender a mostrar pra ele as etapas do banho, por que o colega não pode fazer isso? Por que é só os pedagogos? Por que que a gente não pode preparar os colegas, afinal, quando eles tiverem, às vezes, escolher a profissão, ele pode até se despertar como um terapeuta ocupacional, psicólogo, fisioterapeuta. A gente pode abrir o ramo de conhecimento, a partir da vivência, ele não tá fazendo aquilo por caridade, porque eu tô com dó do outro não. É do outro de ter aquele atendimento e é direito do outro, eu acho até mais do outro de saber que existe aquela realidade, não viver eu fico pensando que a gente vive uma realidade, de padrões que existem se eu forjar isso, muito bem forjado, que a realidade não é assim, porque que eu não reconheço que foi o Tiago que me trouxe, nas audiências públicas, trouxe muito esse tema, neurodiversidade. Por que, como é que uma pessoa entra no ambiente educacional sem ser avaliado antes? Por que a gente faz o plano de ensino a partir do perfil da turma? Como que você bola o projeto de ensino sem conhecer pra quem? Como é que você faz uma aula sem saber quem vai tá ali na sua turminha? Como é que faz isso? Eu fui professora e muitas vezes eu tinha que ser um aluno, porque pra acessar aquele aluno, eu tinha que brincar com ele, eu era professora universitária, tinha que brincar com as brincadeiras dos jovens, que era às vezes até infantis para poder acessar eles, mas eles aprendiam e progrediram.

Tiago: Eu só quero fazer uma inclusão da outra pergunta, complementar uma coisa, que é sobre a questão terapêutica. O grupo Asperger no Saudavelmente, foi um ambiente bastante assertivo, então a nossa psicóloga ela começou a ler muito sobre Asperger, teve muitas decepções com a literatura e também questionou a gente sobre muitas coisas e uma coisa muito legal que eu acho que ela fez durante esse período, foi de afastar os alunos de um processo extremamente traumático dentro do Saudavelmente que é o chamado acolhimento. O acolhimento funciona da seguinte forma, chega o estudante lá que precisa de um atendimento e ele é levado com um monte de gente dentro de uma sala em grupo pra falar do seu problema. E isso era uma questão extremamente desconfortável para todo aspie que chegava lá. Então, eu tenho um colega que faz parte desse grupo, que ele é da Geologia, que ele quase desistiu. Ele foi uma vez, ele teve uma crise e foi embora, vazou. E isso é algo bastante preocupante. Então, ela montou a seguinte regra lá dentro: “qualquer estudante que chegar aqui, que diz que é Asperger, me chama imediatamente. Não é pra passar por acolhimento, não é pra passar por nenhum desse processo, pra conversar diretamente comigo” e aí com o meio desse processo a gente vai aprendendo também a construir algumas coisas.

Pergunta: Tiago, bom dia, eu tenho um filho, meu filho não tem dificuldade. Eu só quero saber de você, como a aspie, você tem dificuldade de aprendizado? Como é o seu aprendizado em relação aos conteúdos como aluno dentro da sala? Os professores sabendo que você tem essa dificuldade, eles se adaptam ao conteúdo, a sua realidade ou ele segue o conteúdo normal, sem se preocupar que você tem a dificuldade, que você interaja com os alunos de acordo com o seu conhecimento?

Tiago: Sobre o aspecto educacional, eu nunca tive algo adaptado, particularmente, nunca tive muita dificuldade pra aprender e o meu maior problema sempre foi a educação formal, foi trabalho em grupo, eu sempre odiei trabalho em grupo. Pelo menos na minha época de ensino fundamental, às vezes tinham trabalhos que eram obrigatórios em grupo, mas fazia individual por teimosia. E os professores, eles tinham que aceitar. Eles não tinham outra escolha, porque o trabalho tava lá e tava pronto, tava entregue. Mas eu sempre tive muito problema com essa questão de atividades em grupo. No meu curso de graduação, que é Jornalismo, tudo é em grupo. Mas, eu já me acostumei, eu consegui achar pessoas que eu consigo até funcionar. Então, essas pessoas geralmente elas já me procuram pra fazer trabalho, eu já sei como é que elas funcionam. Às vezes, eu sei que eu preciso pressionar um pouco mais, porque às vezes eu sou muito chato, fico pegando no pé, mas tá funcionando. Mas, eu acho que um dos maiores problemas com relação à educação formal é isso, sabe? Porque neurotípicos às vezes eles são imprevisíveis demais para poder lidar, sabe? Com eles.

Pergunta: Tiago, eu queria saber depois do seu diagnóstico, como ficou os seus amigos, ao saber que você era Asperger.

Tiago: Os meus amigos acompanharam o processo do diagnóstico. Eles foram parte disso. No início, teve um certo estranhamento, eles tinham uma noção de autismo bastante estereotipada. Mas à medida que nós tínhamos a convivência semanal, cinco dias por semana, nos vendo, trabalhando e estudando juntos, eles começaram a ver algumas particularidades que confirmavam aquela suspeita. Então, inclusive, um pontos pro meu diagnóstico, foi o depoimento de um amigo meu sobre o nosso dia a dia, da forma como ele me enxergava, o meu comportamento, ele gravou um áudio de quatorze minutos, na época, pra Mariluce, que tava fazendo esse processo e o áudio dele foi, assim, definidor. Ela tinha muita dúvida do meu diagnóstico e depois desse áudio dele, relatando, os impasses e tudo mais que as coisas começaram a acontecer. E desde que eu fui diagnosticado, eles sempre abraçaram a causa de forma muito agradável, sabe? Eles aceitam muito tranquilamente e fazem de tudo pra criar um clima agradável também. Então, eu estou muito satisfeito com relação a esse aspecto.

Ana: É muito importante esse tratamento, a gente buscar as unidades que fazem esse acolhimento e ter um processo diferenciado. Não é porque é pra todo mundo, não adianta a gente querer o profissional achar que da mesma forma que ele acolhe todo e vai acolher uma pessoa dentro do transtorno que não vai, que é diferenciado. Não é que a gente quer a preferência, é uma necessidade nossa, porque as pessoas do transtorno muitas vezes não conseguem aguardar, se sentem incomodadas e gera pânico. Então, essa questão da vaga do estacionamento é uma questão importante, às vezes, não é para todos os momentos, nem para todos os casos, mas às vezes faz diferença ele ter acesso àquela consulta, porque às vezes a pessoa não consegue chegar lá, porque desregula antes, desregula porque tá ali ansioso, sentindo aquele ambiente de hospital e aí começa o problema. Então tem que ter mesmo essa acessibilidade, da mesma forma que o deficiente físico tá conquistando as rampas, às vezes essa, essa linha condutora, a pessoa com Transtorno do Espectro Autista precisa contar com instrumento e ferramentas que possibilitam ela ser atendida, até absorver o que tá acontecendo ali.

Pergunta: É o seguinte, em termos de propostas. Eu queria colocar o seguinte: que vocês entrassem em contato com o Conselho Educacional de Goiás e levasse essa ideia de ter mais pedagogas e principalmente escolas dentro das escolas. E também esses grupos participaram pra ampliar essa ideia, porque esse ser humano não é cobaia, ser humano é ser humano. Então, o seguinte, a proposta é vocês ampliarem, fazerem um documento aqui, e levar pro Conselho Estadual de educação, porque é Interessante.

Ana: Gostaria de me ajudar, ajudar Marluce, que é da associação, o Tiago também, que está junto conosco, a redigir projetos, a levar pros parlamentares para ele poder defender nossas ideias. Então, nos procure. E vamos falar da agenda, nós temos uma agenda, esse mês é um mês muito especial. O mês já começa logo dia 2, com pé direito, azul, a gente aqui na assembleia. Então, nós temos várias coisas interessantes.

Pergunta: Bom, a pergunta é uma colocação. Minha filha tem nove anos, eu vi ela na fala do Tiago, ela sentada, vendo os coleguinhas fazendo educação física. E a minha pergunta é quando esses colegas estão prontos pra saber? Tão prontos pra entender o que é o autismo e que aquela coleguinha é diferente deles, mas que precisa saber, que precisa apoiar, que ela precisa participar também e precisa ter amigos ali, precisa participar da escola, como os outros participam, das atividades, de tudo.

Mariluce: Eu vou só apontar um pouquinho, depois eu passo pro Tiago o que eu vejo muito assim é até um relato que eu vou passar de uma mãe, de um paciente de Goianésia, ela é Asperger, o marido é Asperger e o filho é autista clássico. O que que ela me falou? Isso me pôs a pensar muito, eu acho que o Tiago até colocou isso muito em palavras aqui. Muitas vezes passa por arrogante, porque eles pensam além do que nós estamos pensando. O que eu vejo no Tiago, o que eu vejo na sua filha é assim, eles sabem muito e às vezes eles não têm a paciência de ficar perdendo tempo com minúcias que ele já sabem. O social realmente é pobre e essa mãe me falou foi isso, ela falou, “olha Mariluce, o que que eu percebo aqui nessa cidade e a gente não pode sair por conta do trabalho do meu marido, eu vou me sentindo tão introspectiva que eu vou conversar com a pessoa e a pessoa acha que, assim, eu sou tão arrogante e e eu, e eu sinto que a pessoa”, ela usou esse termo, gente, “e eu sinto que a pessoa tá tão aquém do meu conhecimento, que eu não tenho paciência”. Então, vai debater um tema. Por exemplo,autismo mesmo, as pessoas ainda tão com aquele conceito arcaico, que autista é aquele menino que fica lá no chão balançando. Que tá lá estereotipando. Gente, vamos andar com o tempo. Então, o que eu percebo tanto assim nos e nos autistas de maior funcionalidade é essa descrença, sabe? Assim, de ficar esperando aquele, aquele conceito totalmente chumbo, que nem todo mundo já sabe, e não vem com coisas novas. Então, o próprio debate é mais ou menos assim, que ela me falou pra fechar, “eu sou gente, mas eu sinto as pessoas burras, sabe?”. Mas ela não vai poder falar isso pra todo mundo. Então, em alguns casos falam, mas ela se sente introspectiva justamente porque ela não tem paciência. Aí, com relação a questão da escola. Eu vou passar pro que eu acho que ele te dar um feedback mais fidedigno.

Tiago: Bastante interessante esse relato, porque uma das maiores queixas dos aspies que eu conheço é que eles usam exatamente a seguinte frase: “as pessoas são desinteressantes, as pessoas são chatas”. E quando eles falam isso eu sinto até um desconforto assim, porque eu falo: “nossa, essa sinceridade tá muito excessiva”, até pra mim, sabe? Agora, com relação a questão da preparação, eu vou ser um pouco negativo. As pessoas ainda estão muito, muito disponíveis para fazer piadinhas, pra fazer comentários, fazer fofocas, entende? Eu nunca falei no ambiente da graduação especificamente que eu sou aspie, mas todo mundo na graduação sabe, porque já rolou como fofoca, tem a piada que eu sou um robô, porque se jogarem água entro em curto circuito, essas coisas assim. Às vezes eu rio junto, às vezes eu acho sem graça, mas acontece. Mas, eu acho que nessa questão até envolvendo a questão terapêutica, eu acho que é muito interessante uma maior junção de pessoas, até porque se o seu sujeito aspie ele tá isolado, talvez ele pode encontrar uma pessoa que tá na mesma situação e estabelecer um vínculo duradouro. Lá no grupo nós estamos com uma experiência legal que a gente tá começando a fazer, a gente não sabe ainda se vai pra frente, mas nós estamos fazendo um podcast, que, inclusive, o nosso slogan é um “podcast em que autistas conversam”, já que dizem que autista não gosta de conversar, é um podcast de muitos autistas conversando sobre diversos temas. E uma coisa que eu não deixei de perceber, é que no YouTube, por exemplo, existem muitos canais de pessoas que falam sobre as experiências delas, mas eu nunca vi alguma coisa de várias pessoas autistas. E a gente tá tentando fazer isso e tá sendo algo muito legal, muito legal assim, no sentido de prover esse contato, porque no dia a dia, muitas vezes, nós ali nos grupos com as nossas vidas ali, isolados e tudo mais, mas quando a gente se encontra, há uma sintonia muito boa. Isso seria muito legal se essa experiência passasse nas instituições, até porque nós temos uma predileção muito clara por estudar, pela questão acadêmica, tem muitos aspies professores e muitos deles não sabem, tem uns que são diagnosticados na terceira idade, sabe? Então eu acho que quanto mais isso se expandir, mais essas pessoas vão estar menos isoladas e eu torço muito para que sua filha consiga um um vínculo duradouro, vai ser muito bom pra ela e vai ser muito bom também pra outra pessoa.

Apresentador: Dia 2 de abril, Dia Mundial do Autismo. Nosso muito obrigado aos palestrantes, pessoal que fez a mesa pela manhã, a senhora Ana Paula Ferrari, representante da Moab Goiânia, e jornalista, senhor Tiago Florencio de Abreu, muito obrigado e também a senhora Mariluce Caetano, fonoaudióloga e diretora da AFAAG. Muito obrigado pela participação de vocês nesta brilhante mesa redonda.

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Equipe Introvertendo Escrito por: