Introvertendo 222 – Autistas da Região Sul

Dando fim a série de autistas e regiões do Brasil, a região sul completa o percurso com uma conversa entre autistas. Neste episódio, Michael UlianThaís Mösken recebem a gaúcha Lili do podcast Lógica Autista, o paranaense-catarinense Rodrigo Diesel e o catarinense Rodrigo Tramonte. Os três abordam clima, alimentação, regras sociais e acesso ao diagnóstico de autismo na região sul. Arte: Vin Lima. 

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Transcrição do episódio

Thaís: Um olá pra você que é ouvinte do Introvertendo, esse podcast feito por autistas pra toda comunidade. O meu nome é Thaís Mösken, eu sou autista, hoje eu trabalho como administradora de sistemas, tenho 31 anos. E hoje eu vou ser host desse episódio em que a gente vai falar um pouco sobre autistas da região sul.

Eu nasci em São Paulo, mas hoje eu moro em Florianópolis em Santa Catarina. E apesar de conhecer as vantagens e desvantagens de São Paulo, eu realmente gosto muito mais de morar aqui em Florianópolis.

Michael: Eu sou Michael, o Gaivota. Eu nasci no Paraná, cresci no Paraná, morei a maior parte do tempo no Paraná e hoje eu vou estar aqui de co-host da Thais.

Lili: Eu sou a Lili, eu tenho 32 anos, eu moro no Rio Grande do Sul e eu faço parte do Lógica Autista, que é um outro podcast bebê sobre autismo em adultos.

Rodrigo D: Meu nome é Rodrigo Diesel, eu moro no Paraná em Curitiba, mas eu nasci em Santa Catarina. Eu nasci numa cidade bem pequena de Santa Catarina chamada Porto União, que fica na divisa com o Paraná com uma cidade chamada União da Vitória. Então, eu sou meio paranaense, meio catarinense, eu moro nos dois aí. Eu sou professor de português, linguística, etc, metodologia, faço doutorado agora em Tecnologia e Sociedade e é isso.

Rodrigo T: Eu sou Rodrigo Tramonte, tenho 41 anos, eu nasci na cidade de Florianópolis e atualmente moro em Palhoça. Ainda trabalho com ativismo pró-autismo desde 2012, 2013. Eu sou palestrante, sou escritor, sou produtor de conteúdo digital, tem pós em produção multimídia pelo CESUSC e atualmente faço pós em inclusão e diversidade nas organizações na UNIASSELVI.

Thaís: O Introvertendo é um podcast feito por autistas com a produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Thaís: A primeira coisa que muita gente pensa quando se fala no sul do Brasil é em frio, o que nem sempre é verdade. Inclusive eu moro em Florianópolis e realmente nem sempre é verdade. E a gente sabe que muitos autistas odeiam calor ou frio. Como vocês lidam sensorialmente com o clima de onde vocês moram?

Lili: Eu tenho hipersensibilidade ao frio, justamente. E eu acho que eu dei muito azar em nascer no Rio Grande do Sul. Assim, no inverno, praticamente eu não tenho vida, né? Eu só vivo pra ficar tentando me esquentar. É um frio, assim, que gela por dentro, então não adianta colocar casaco, colocar roupa, não adianta, não funciona. E pra mim a vida só acontece de setembro a março, depois ela para. E eu fico esperando o próximo período de primavera/verão.

E da mesma forma tenho hipossensibilidade ao calor. Então já aconteceu de por exemplo eu colocar o chuveiro muito com água quente por causa do frio e eu acabava me queimando com a água do chuveiro e não percebia.

Rodrigo D: Eu nasci numa região que é bem fria assim e eu tenho uma sensibilidade maior ao calor, ao contrário. Acho que o verão é muito difícil pra mim, porque além do calor, eu não consigo dormir direito. Eu tenho problemas com barulhos e tudo mais. Então, eu tenho que ligar o ventilador pra conseguir lidar com o calor, mas daí o barulho do ventilador é muito irritante e enfim, eu tenho dificuldades pra dormir assim desde criança.

No inverno eu também não gosto muito de frio, mas não tem barulho pelo menos. O verão é muito mais difícil pra mim, por causa que, enfim, os aparelhos pra lidar com o calor são muito barulhentos.

Rodrigo T: Sou que nem o meu xará também, tenho mais dificuldade com o calor do que com o frio. Porque eu tenho suor excessivo, né. Eu já sou peludo, sou tipo Tony Ramos, então quando esquenta muito a temperatura aqui em Floripa e na região da grande Floripa, como Palhoça, pô aí eu já fico todo molhado, todo melado. A roupa ficará pegajosa, o cabelo fica pegajoso e isso me incomoda bastante. Eu gosto mais de frio que calor, na verdade. E outra coisa é que eu só consigo dormir com coberta, com edredom. Quando eu uso um lençol muito fino eu não consigo pegar no sono. Preciso de uma massa grossa me cobrindo pra eu me sentir protegido, né? E mesmo no inverno eu costumo dormir com ventilador ligado. Quando está muito calor, percebo que eu fico mais irritado também, fico mais nervoso.

Rodrigo D: Eu acho que eu tenho sorte de morar numa região muito fria, mas os meses quentes são muito terríveis. Eu também suo bastante.

Lili: A minha família são de São Borja, que é uma cidade na fronteira oeste que é conhecida como Texas (risos).

Rodrigo T: (Risos)

Michael: (Risos)

Lili: Porque é muito quente lá. A terra é vermelha sabe? Ela levanta um calor do chão e eu gosto, faz eu me sentir viva. Eu não sei qual é a relação, mas no inverno eu não tenho vontade de fazer nada, não tenho vontade de nem me mexer, de eu pegar um copo d’água. Eno verão eu tenho vontade de fazer as coisas, sabe?

Michael: Você não está sozinha. Se faz menos de 25 graus, eu acho que não deveria ser legal você viver num lugar que faz menos de 25 graus, porque não dá pra funcionar como ser humano nessas temperaturas. Inclusive aqui eu consigo experienciar um pouquinho do pior dos dois mundos. Aqui quando faz frio é a temperatura é negativa, gela, é horrível. E aqui quando faz calor, é um calor extremamente úmido, horrível. É a mesma coisa que você comentou. Literalmente você não consegue viver dentro de você mesmo e isso que eu gosto de calor.

Nossa, se eu pudesse voltar pro cerrado, se eu pudesse voltar pra Goiânia naquela temperatura estável de 30 graus o ano inteiro… seria o meu sonho. Mas aqui nem no calor eu tenho essa oportunidade de ficar tranquilo.

Rodrigo D: Eu também moro num lugar muito úmido, então é terrível os verões, é muito inseto, muito barulho.

Rodrigo T: Outra coisa que eu não gosto do calor é que costuma aparecer baratas.

Lili: (Risos)

Rodrigo D: Sim! O inseto é uma coisa… e eu tenho muita sensibilidade a picadas de insetos assim. Então, verão, geralmente, eu passo supervermelho, assim.

Michael: Pessoal, aproveitando essa deixa sobre a particularidade da onde vocês moram, qual é a relação de vocês com a cultura da sua região? Sotaque, os costumes, alguma coisa específica como música, alguns lugares também, não sei, talvez museus, praças, algumas coisas que vocês tem aí, que vocês acham interessante comentar.

Rodrigo D: Aqui tem uma cultura muito apegada a comida, é muito churrasco e coisas assim. E eu desde criança tinha muita sensibilidade com alimentos, eu tenho uma seletividade alimentar, assim, muito grande. Então, eu acho que dessa parte cultural, a parte que eu mais, em eventos sociais, em festas de família e tudo mais, a parte que eu sempre mais sofri foi em parte da alimentação mesmo. E eu sempre fui considerado chato por causa disso. Eu recebi o diagnóstico muito recentemente, então eu descobri faz um ano que eu sou autista e eu passei a vida inteira me culpando por não gostar de churrasco, não gostar das coisas, enfim, bebidas alcoólicas também é uma coisa que eu não gosto. É muito forte, gostos muito fortes em geral. Eu passei a vida inteira me culpando por não conseguir me encaixar 100% nesses momentos. E eu só tô conseguindo trabalhar essa culpa depois que eu tive o diagnóstico há muito pouco tempo, então acho que essa parte é a que mais pega assim pra mim.

Lili: Eu acho que assim, a comida na minha casa pelo menos é uma comida muito sem gracinha. A gente come mais arroz, feijão, guisado, essas coisas assim, feijão preto, a gente tem bastante. Não se costuma cozinhar outro tipo de feijão, eu sei que em outros estados comem mais o carioca, feijão fraldinha, mas aqui é só feijão preto mesmo. A gente come também bastante comida colonial, assim tipo queijo colonial, salame, o doce é aquele doce mais caseiro, sabe bolo, cuca?

Ao contrário do Rodrigo, eu sempre gostei da carne. Inclusive quando eu era criança eu só comia carne, ovo e sopa, não comia mais nada. Além disso, também tinha bastante seletividade alimentar. Eu consegui ir desconstruindo a seletividade conforme eu ficava maior porque eu achava muito feio, sabe? Eu tinha muita vergonha disso. Então eu queria muito mudar. O pessoal toma muito leite, também tem muito leite nos doces assim, fazem um lanche da tarde e toma um leite. E eu cheguei a pegar a época que ia o leiteiro na casa da pessoa, sabe? (risos). A cavalo, levar o leite no tonel e tal. Cheguei a tomar leite assim.

Rodrigo D: Tudo que você falou, carne, sopa e ovo são as coisas que eu mais tive seletividade alimentar.

Lili: (Risos) É só o que eu comia.

Rodrigo D: Praticamente até meus 15 anos assim comia só massa sem molho. Depois que eu fui acrescentar um molhinho ali, mesmo assim, hoje em dia é difícil. Então, é bem complicado assim, comidas que são muito molhadas, assim, a textura que é mais úmida, assim, tenho muita dificuldade. Aqui tem muita cultura de comer a carne, o boi quase vivo, né?

Lili: Ah sim.

Rodrigo D: Eu sempre gostei quando eu comia carne, hoje eu não como, eu gostava assim, parecia sola de sapato assim, porque tem que ser seco, seco, seco, seco, seco pra comer. Porque se tiver qualquer resquício de vida ali, eu não conseguia comer. Então, é muito difícil.

Lili: Isso parece um animal, não quero (risos).

Rodrigo D: Não, não, tem que ser o mais próximo. Na verdade o mais próximo de algo que não seja comestível (risos). Porque tipo, quanto mais seco é, mais eu consigo comer.

Michael: Pior que eu tenho problema justamente ao contrário. Aqui o pessoal gosta de fazer a carne bem passada assim, coitadinho do boi morreu à toa, virou carvão. E eu gostou assim, passou a carne, esquentou, selou, tá pronta, não tem porque judiar mais.

Rodrigo T: Eu moro aqui em Floripa, na região de Floripa, que tem a cultura açoriana. O pessoal come mais peixe, frutos do mar, e eu não gosto de peixe, de frutos do mar. O pessoal come muito tainha, pirão, camarão, lula, ostra também e eu nunca gostei muito dessas coisas, né? Também sempre fui o chato que não gostava de peixe, marisco pessoal também come muito aquém, né Thaís?

Thaís: Em relação às outras questões, pessoal, fora da comida, mas as outras questões culturais, por exemplo, essa parte de sotaque mesmo em relação à região onde vocês moram e de outros locais que vocês conhecem, a música da região que vocês moram, vocês têm alguma relação com essas partes também?

Lili: Eu moro no centro do estado. Pra falar em podcast eu meio que desenvolvi uma voz de podcast que não é bem o jeito que eu falo assim no dia a dia. Eu eu trago mais o I no final das frases, mas o sotaque da minha família é da fronteira oeste, então aqui no Rio Grande do Sul tem esse sotaques dentro do próprio estado que tu consegue ver mais ou menos de qual região a pessoa é, se ela é da fronteira oeste lá é de da capital, se ela é da região da Serra. Quem é gaúcho também consegue reconhecer meu sotaque e sabe de qual região do estado que eu sou.

Rodrigo D: Eu fui muito bem representado pelo sotaque da TV da Bozena, que é da duma região…

Rodrigo T: De Pato Branco!

Rodrigo D: Isso, eu falo igual ela.

Rodrigo T: Leite quente!

Rodrigo D: (Risos) Eu moro agora em Curitiba, mas eu não moro há muito tempo aqui, então eu consigo ver a diferença do sotaque bem do interior do Paraná, assim. Curitiba é um pouco mais sutil, mas ainda dá pra ver bastante. Tem algumas palavras aqui que são bem típicas tipo vina na salsicha que o pessoal fala, só que o engraçado é que eu sempre fui hiperfocado em dicionário e essas coisas, então muitas palavras que eu aprendi eu falava fora do meu sotaque, então pra mim não é vina, é salsicha, apesar de todo mundo ao meu redor falar vina, porque nos livros didáticos e dicionários é salsicha.

Enfim, então tem outras palavrinhas assim que às vezes eu fujo assim justamente porque materal não é mais abrangente, né? Porque essas questões são muito locais, né? Enfim, acho que é isso.

Michael: Ah, esse negócio de vina é algo muito curitibano, o que eles foram inventar de chamar salsicha de um jeito diferente. Pra quê? Pra quê? Não tinha necessidade disso, mas foram e fizeram.

Thaís: Tem várias palavras que, dependendo da região do Brasil em que você vai, é difícil de entender, mesmo que não seja nem pra tão longe, né? Porque São Paulo pra Florianópolis é uma distância relativamente pequena se for pensar no Brasil. E teve muitas palavras aqui que eu tive dificuldade de entender do que se tratava. Por exemplo, bergamota que é um tipo de mexerica. Pra mim é sempre era mexerica ou pokã, alguma coisa assim.

Lili: Aqui é bergamota.

Thaís: Ou então fila pra congestionamento de carros. E aí eu imaginava que as pessoas estavam pegando fila pra alguma coisa, pra mim a fila tem que ter um propósito. Então eu acho que é normal dependendo de pra onde você vai ter mesmo um vocabulário um pouquinho diferente.

Rodrigo T: Eu nasci na cidade de Florianópolis mas eu não peguei o sotaque de Manezinho. Meu sotaque eu puxei mais da minha família, que é do interior de São Paulo, Ribeirão Preto, São José do Rio Preto. E todo mundo sempre me pergunta quando eu começo a falar: “ah, cê não é daqui, né?”.

Michael: Realmente, aqui na minha região puxa muito forte o caipira de São Paulo e assim, realmente tu lembra mais aqui mais um pouquinho mais pro Norte do Sul e interior de São Paulo.

(Áudio do WhatsApp)

Tuane: Olá, meu nome é Tuane, eu sou autista e eu morei quase a minha vida toda em Curitiba e aprendi a chamar salsicha de vina. E eis que aos 21 anos eu me mudo para outra cidade do Paraná. E comecei a ir no mercado e pedir salsicha como vina. Isso me custou muito olhar estranho e muita risadinha até eu aprender que em Curitiba é o único lugar que se chama salsicha de vina. Enfim, muito característico da minha região, mas até entrar na minha rigidez cognitiva que é salsicha e não vina, demorou, hein? Um abraço. Beijo.

(Fim do áudio do WhatsApp)

Michael: E aproveitando essa tangente que você estava comentando de sotaque. Também um pouco quando a gente está falando da comida e vocês entrarem nessa questão de convivência familiar, essas partes de festa. Assim, uma coisa que eu vejo que bastante comum do pessoal dos outros estados ou de outro lugar de fora, e algo que eu presenciei pessoalmente quando eu fui pro centro-oeste, é essa questão dos sulistas serem considerados como uma pessoa mais reservada, mais fria. Isso nem tanto como específico, mas realmente a nível cultural.

E algo que eu senti bem forte também, não tão forte, mas ainda bem fortinho quando eu fui pra Curitiba. Tipo, toda vez que eu fui pro Curitiba eu sempre tenho a sensação do tipo: “nossa, o povo lá é muito mais cara fechada, é muito mais pé no saco do que o pessoal mais interiorzão tá acostumado aqui”. Vocês já tiveram uma sensação parecida, você tem algo que comentar sobre ou talvez até ao contrário? Que nem essa questão mais familiar realmente parece que muda porque de repente você tem que lidar com gente da família e tem toda aquela etiqueta social e é um saco. Então se vocês quiserem comentar alguma coisa, fiquem à vontade.

Rodrigo D: Me mudei muito recentemente pra Curitiba e eu morava no interior do Paraná. E no interior é um pouco diferente, tem aquele negócio de vizinho em casa o tempo todo, a rua toda participa da história ali da casa, você não tem privacidade, é uma coisa complicada às vezes. Mas enfim, daí pra Curitiba que realmente o pessoal é bem mais fechado, não existe tanto uma obrigação de falar no elevador, por exemplo, de dar um bom dia. Pra confessar eu me sinto um pouco mais confortável, porque eu tenho muita dificuldade com dar oi pras pessoas que eu não tenho muita intimidade, mas quando é família, tudo mais, não é um problema, né? Mas realmente aqui em Curitiba o pessoal é um pouco mais fechado assim pras coisas.

Lili: A minha família e as famílias gaúchas que eu tendo a conviver não são famílias que demonstram muito carinho dessa forma pelo toque, carinho com palavras, elas são famílias realmente mais reservadas. Percebo mais essa questão do estereótipo do gaúcho como frio, como reservado, no externo do que no interno.

Rodrigo T: Pessoal de Floripa sempre me criticou, sempre achou que eu era muito reservado, que era muito caladão, muito quietão. Lá em Floripa o pessoal já é mais extrovertido, mais hospitaleiro, aquele pessoal que gosta de chegar junto, gosta de agitar, gosta de malhar, de fazer trilha, ir pra praia. Já é um pessoal assim mais conectado com a natureza, aquele perfil de crossfiteiro, geração saúde, geração fitness. Eu já sou contrário disso, eu uso mais urbano, cosmopolita. Eu até já tentei morar em Curitiba também justamente por o pessoal sair mais reservado. Mas assim em Floripa, eu sempre tive esse problema aí das pessoas me acharem muito quieto, muito reservado.

Thaís: Então aproveitando que a gente tá falando sobre estereótipos, uma coisa que a gente ouviu tanto em comentários de outros participantes em outros episódios como também algo que a gente lê bastante na internet, vocês acham que a região sul é de fato a região mais preconceituosa do Brasil?

Lili: Olha eu não conheço o centro-oeste, mas o que eu conheço do sul é que há essa confusão do que é preservar a tradição com o que é passar coisas que não deveriam ir pra frente.

Rodrigo D: Eu concordo com tudo que foi dito. Eu nasci, cresci no interior e é uma cultura extremamente machista, extremamente racista, extremamente LGBTQIfóbica, tudo de ruim que tem é isso. Eu era um menino afeminado, então eu sofri bastante, tem um apego muito grande à tradição. Eu moro na divisa com Paraná e Santa Catarina, mas tem muito muito forte esse negócio da tradição gaúcha, do gaúcho macho. Enfim, também ali naquela região. Diversos elementos culturais são atrelados a isso. Por exemplo, o próprio fato de comer carne, certo? Então, é muito atrelado com a cultura do “você que tem que comer carne que nem macho”, você tem que fazer isso. Então, eu sempre, eu sempre ouvi coisas assim…

Lili: …do assar, né? Que passa de avô, pra neto.

Rodrigo D: Sim.

Lili: A cultura do saber assar o churrasco.

Rodrigo D: Sim, é só coisa absurda que eu ouço que é naturalizado, as pessoas nem percebem. Quando eu começo a falar sobre isso, as pessoas ainda ficam: “nossa, verdade”. Mas elas não percebem porque é a cultura mesmo.

Rodrigo T: Concordo com tudo isso aí, aqui realmente é uma terra mais conservadora. Bem, em termos de saúde, em termos de educação, em termos de escolas com inclusão, de profissionais da área de autismo, aqui no sul acho que quem tem mais gente do que no resto do país, pelo que eu vejo. Só que a sociedade ainda é muito conservadora, a sociedade ainda é muito preconceituosa nesse sentido.

Thaís: E até aproveitando então esse ponto em que o Rodrigo tocou, a gente também perguntou isso pro pessoal das outras regiões. Então queria saber o que vocês acham em relação ao acesso ao diagnóstico aqui na região sul. Então se o acesso ao diagnóstico de autismo especificamente no caso, se é ele é fácil ou se ele é difícil? Como que é a percepção de vocês em relação a isso?

Rodrigo T: Como eu falei, aqui tem mais escolas inclusivas, mais profissionais da área da saúde que deixam evidente que são especializados na área do autismo. Só que infelizmente a maioria desses profissionais só atende particular. Eu tive o meu laudo médico com psiquiatra particular que cobrava 500 reais a consulta, por exemplo. Aqui tem uma rede pública forte. Só que nessa área da rede pública mesmo ainda faltam especialistas em autismo. E a maioria dos profissionais ainda são particulares. É o pessoal que realmente entende de autismo, realmente não tem essa visão que tá nos manuais, na questão das cartilhas, que é um pouco mais difícil ter acesso a eles. Também uma situação que acontece é que muitas escolas negam matrículas de aluno autista na escola particular, é uma situação corriqueira aqui infelizmente.

Rodrigo D: Eu concordo. Eu acho que o diagnóstico é muito difícil pra população em geral, é um acesso muito restrito. Tanto é que eu só consegui o meu diagnóstico com 30 anos.

Rodrigo T: O meu foi com 31.

Rodrigo D: Eu fui em profissionais da área da saúde desde criança. Minha mãe sempre foi muito preocupada comigo. Mas eu nunca fui diagnosticado. Eu já fui em profissional que disse que eu não podia ser autista, por exemplo, porque eu fazia contato visual. E alguns comentários assim que eu já ouvi de algumas assim que eu não gosto nem de falar, né? Enfim, demorou pra achar o profissional que realmente se interessasse pela minha história de vida além dos estereótipos.

Lili: Eu não sei dizer (risos). Inclusive a gente comenta no episódio 8 do Lógica sobre isso, que é o episódio sobre autistas que moram em cidades do interior e cidades grandes. No meu caso em particular foi até que fácil pra conseguir o diagnóstico. Eu moro numa cidade que é no centro do estado. Só que eu consegui também com profissionais da rede particular. Então o que eu vejo é mais uma dificuldade de acesso em termos da situação financeira do que da localização geográfica das pessoas. Porque se tu tem dinheiro, tu vai conseguir teu diagnóstico.

Tem a questão também que eu não fui atrás de um diagnóstico de autismo. Fiz tratamento pra ansiedade, eu comecei a fazer terapia pra ansiedade e esse diagnóstico de autismo veio anos depois, quando não conseguiam juntar os pontinhos de onde essa ansiedade e depressão que eu tive também de onde que estava vindo. Então eu não fui atrás: “ah! Vou atrás de um profissional especialista”. A minha terapeuta continua sendo a terapeuta lá da época que eu tratava a ansiedade.

Michael: Só um complemento rápido, eu não vou falar sobre o meu diagnóstico, porque eu já falei ad nauseam sobre ele em vários outros episódios, mas essa questão da escola eu achei algo interessante você comentar porque aqui eu já vi vários casos de alunos em que o guri é autista, tem todos os estereótipos, mas não tem diagnóstico. Ele foi no médico e: “não, não, esse guri está na escola, como ele é autista? Ele está na escola normal, com as crianças normal, tem nota boa”.

E eu também já vi algo contrário assim que me deixa até com um pouco de raiva. Um guri com um nível de socialização muito melhor do que o meu, na mesma época obviamente, com uma boa capacidade motora, com uma boa capacidade intelectual, tu vê até que tá um pouquinho acima da idade dele na APAE porque a mãe não consegue comprovar que o guri pode estar numa escola normal. Daí simplesmente ela não consegue.

Rodrigo D: Eu nunca fui diagnosticado com autismo porque embora a minha parte social fosse muito prejudicada e sensorial, eu sempre tirei notas boas. Eu estou falando agora enquanto professor e enquanto aluno porque eu vivenciei os dois lados. Quais são os alunos que recebem mais atenção? Aqueles que tiram nota baixa, não importa se eles estão socializando bem ou não, se nas outras questões, não sei como é hoje em dia com as crianças, mas na minha época era assim. Eu acabei sendo ignorado, digamos assim, por professores, pela equipe pedagógica, justamente porque eu tirava muita nota alta, mas a parte social ali era bem prejudicada.

Lili: Eu fui encaminhada por um funcionário da escola para tratamento espiritual porque eu tinha um encosto (risos).

Rodrigo D: Meu Deus.

Lili: Só pra vocês verem o nível.

Rodrigo D: E eu conheço casos assim também. Não é tão incomum de crianças serem acusadas de ter encosto.

Lili: Tá diagnosticado o encosto agora (risos).

Rodrigo D: (Risos)

Michael: (Risos) Tem coisas que você ouve que você não acredita que você ouviu.

Thaís: Nossa, gente. Essa foi muito nova pra mim. Desculpa (risos). Foi muito nova (risos).

Lili: (Risos) Ai gente, é que foi um funcionário da escola. E ele falou: “você uma perturbação espiritual”.

Rodrigo T: Aqui em Floripa tem muito disso também, terapeuta holístico, quântico.

Thaís: É, aqui em Floripa o pessoal tem o lado bem místico e similares.

(Áudio do WhatsApp)

Marília: Oi, tudo bem? Meu nome é Marília, tenho 28 anos e moro em Curitiba. Apesar de eu morar em Curitiba, eu sou na verdade mineira. E Curitiba é uma cidade bem autista friendly, eu acho. Porque podemos dizer que é uma cidade que realmente cada um cuida de sua vida para o bem ou para o mal, assim. Fez um ano e meio que eu moro aqui e, por mais que a pandemia tenha impedido também algumas coisas, é um pouco triste que as muitas pessoas que eu conheço realmente sejam as pessoas do trabalho e o meu porteiro (risos). É um pouco de choque pra uma pessoa mineira, eu acho. Porque eu estava acostumada com uma coisa mineira do interior, parente sempre sabendo da minha vida, é conversa na porta do dia. É algo que também era um pouco cansativo pra mim. Mas assim, eu acho que eu vim pro extremo oposto aqui (risos). Eu gosto de Curitiba, tanto é que eu fiquei aqui mesmo não precisando. Hoje eu trabalho home office, vim preferida pra cá, mudei de emprego e agora home office. Mas tem esses prós e contras sobre o curitibano e o paranaense de forma geral.

(Fim do áudio do WhatsApp)

Thaís: Bom pessoal, então muito obrigada pela participação de vocês. Michael também foi um ótimo co-host. E eu gostaria que vocês encerrassem falando um pouco do trabalho de vocês, o que vocês tiverem com vontade de falar em relação a isso pra se despedirem.

Lili: Eu não falo muito sobre mim, né? Sobre o meu eu, mas eu falo bastante sobre o projeto que eu já citei várias vezes aqui durante a gravação, que é a Lógica Autista, que é um projeto que eu e mais duas pessoas criamos, ele não foi ideia minha, ele foi ideia de um dos outros meninos, pra gente falar um pouco mais sobre autismo na idade adulta, porque nós três fomos diagnosticados tardiamente. Então a gente queria meio que ter um espaço pra conversar sobre isso e pra levar pra outras pessoas algum tipo de informação de uma forma que fosse leve, uma forma de conversa e tudo mais.

E no início era mais voltado pra amigos nossos, sabe? Não era divulgado tanto externamente. Daí ele acabou ficando um pouquinho maior. Inclusive o Tiago Abreu já participou de um episódio com a gente e então vocês podem seguir no Instagram e nas plataformas de streaming. E a gente tá parado no momento para reestruturação, mas é isso aí, vamos vendo e avisando, talvez a gente volte em algum momento (risos). Nossas vidas estão caóticas. Colocar um monte de autista junto falando sobre autismo, não dá muito certo. Às vezes.

Rodrigo D: No Instagram e no TikTok eu sou dieselrodrigo, no Twitter se procurar rodieseldepizza, vocês me acham.

Lili: (Risos) Muito bom.

Rodrigo D: (Risos) Eu tenho um canal no YouTube também, eu falo bastante sobre o meu diagnóstico de autismo no TikTok. Porque nas outras redes sociais eu falo sobre tudo, todos os meus hiperfocos que eu tenho no momento que vão desde linguística até a alienígenas e ficção científica. Então, eu falo sobre tudo, mas no TikTok tá mais focado ultimamente falando bastante sobre meu meu diagnóstico lá. Obrigado pelo convite.

Rodrigo T: Então quem quiser me seguir no Instagram, o meu perfil é rodrigo.tramonte. Eu também fiz o meu livro Humor Azul – o lado engraçado do autismo, só que as vendas dele estão suspensas temporariamente. Eu tô revendo umas questões da editora do livro, mas quando o livro tiver vendido novamente eu aviso lá. Então muito obrigado pelo convite para participar do Introvertendo. Um abração a todos.

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