Introvertendo 87 – Sincericídio

Se você já presenciou autistas falando verdades nuas e cruas para pessoas, certamente as consequências são ruins nos seus processos de socialização, que incluem relacionamentos e até trabalho. Com base na dificuldade em maquiar a verdade e até construir mentiras, dissertamos sobre o famoso sincericídio de autistas neste episódio.

Participam desse episódio Paulo Alarcón, Tiago Abreu e Willian Chimura.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá para você que escuta o podcast Introvertendo, que é o principal podcast sobre autismo do Brasil. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista e host deste podcast, também diagnosticado com o Transtorno do Espectro do Autismo e neste episódio nós vamos trazer uma discussão que aparentemente pode parecer cômica ou engraçadinha, mas na verdade é um assunto muito sério. Estamos falando sobre dinâmicas sociais, regras sociais e nesse sentido está inclusa a mentira. Ou seja, aqui nós vamos discutir a dificuldade que geralmente autistas tem de mentir ou suavizar a verdade nas dinâmicas sociais e, por isso, prejudicarem a si mesmos e outras pessoas.

Willian: Eu sou o Willian Chimura, eu faço Mestrado em Informática para Educação no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, também sou programador, sou youtuber e diagnosticado com autismo tardiamente na vida adulta.

Paulo: E aí pessoal, sou o Paulo Alarcón, analista de sistemas, diagnosticado em 2018 e às vezes eu falo demais e outras vezes eu falo de menos.

Tiago: Hoje, além de você saber um pouco sobre a relação entre autismo e o dito sincericídio, você vai conhecer algumas histórias nossas relacionadas a isso desde a infância até a vida adulta.

Willian: Eu acho que vai ficar um pouco mais clara a história que algumas pessoas dizem que autistas são puros e inocentes. Vamos ver que não é bem assim. Só que, ao mesmo tempo, também existe sim um déficit nas habilidades de conseguir e se colocar e conseguir prever algumas malícias nas conversas e acabar sendo sincero demais. Estou bem curioso para saber o que vocês já passaram com isso porque eu tive algumas situações bem complicadas.

Tiago: Com certeza, isso é difícil para a maioria das pessoas dentro do espectro do autismo. E, se você quiser saber sobre todas as características do autismo, continue acompanhando o Introvertendo. Nosso site é introvertendo.com.br, também estamos no Facebook, Twitter e Instagram, é só procurar pelo nick @introvertendo. E, claro, você pode acompanhar o Introvertendo nos diferentes aplicativos de podcast. Você pode ouvir a gente no Spotify, Deezer, Apple Podcasts, CastBox ou Google Podcasts. Vale lembrar que o Introvertendo é uma produção que reúne pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro do Autismo e que contém a assinatura e produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Willian: Se você é da comunidade do autismo ou já conheceu um autista, é bem provável que você já tenha escutado ou até mesmo presenciado alguma situação de algum autista dando uma opinião sincera demais; sincera a um nível que você não estaria acostumado a outras pessoas tipicamente falarem. É claro que não existe exatamente um termo técnico ou científico para esse fenômeno. Porém, aqui neste episódio, vamos chamar de sincericídio, que é justamente esse hábito de alguns autistas tenderem a falar mais a verdade de uma forma um pouco mais direta e sem filtros sociais.

Tiago: Exatamente. E isso traz vários problemas. Nós temos aquela visão social de que falar a verdade é sempre bom. Mas a mentira acaba sendo algo necessário em alguns contextos. Nas dinâmicas sociais do dia a dia, às vezes é importante você não falar a verdade para não machucar as pessoas ou para não ofendê-las. E as pessoas dentro do espectro do autismo não necessariamente conseguem ter toda uma flexibilidade para saber qual é o momento certo de falar a verdade, de falar a mentira ou se sentirem confortáveis para falar isso.

Paulo: É bem complicado. É paradoxal que você passa a infância inteira sendo ensinado para falar a verdade, mas na vida real você é incentivado a contar mentiras. Mesmo que pequenas, ainda assim são mentiras.

Willian: Eu acho interessante que, quando você conhece um autista que tem essa tendência de falar a verdade de uma forma mais escancarada, você começa a notar que por mais que as pessoas tipicamente falem ser desejável sempre falar a verdade, quando a gente vê bem de perto não é realmente assim. As pessoas querem sim ouvir a sua opinião pelo menos de alguma forma distorcida. E também fica claro que, na verdade, a “mentira” é algo muito corriqueiro. E, provavelmente, as pessoas tipicamente mentem em algumas vezes ao longo do dia e elas sequer notam. Esse termo, “mentira”, acaba tendo uma carga mais pesada. Mas, quando analisamos mais de perto, tecnicamente, vemos que é uma habilidade importante para a socialização, para você fazer boas amizades e manter relacionamentos.

Tiago: E, considerando que a autonomia é um tema fundamental quando a gente discute deficiência, o convívio em sociedade está diretamente ligado às habilidades sociais. Mas por que isso acontece?

Willian: Na verdade não temos uma explicação totalmente clara sobre isso. Mas a gente já sabe muitas coisas sobre o autismo. Sabemos, especialmente, que o autismo está relacionado com uma série de atividades que atrapalham na comunicação e a interação social. Entre as atipicidades, podemos listar comunicação não-verbal, a dificuldade de se entender e compreender relacionamentos… e, quando investigamos mais aprofundadamente essas dificuldades de se entender e se relacionar (claro, adotando uma perspectiva teórica cognitivista) podemos lembrar de uma habilidade quando a gente fala sobre autismo é a chamada Teoria da Mente. A Teoria da Mente se refere a essa habilidade das pessoas conseguirem se projetar sob a perspectiva de outras pessoas. Mesmo quando a gente está conversando, ou em uma conversa com três pessoas ou duas pessoas, toda mensagem que você me diz, toda palavra que você escolhe (por mais que seja um processo muito rápido né, tudo acontece de forma muito natural) é considerando o que as pessoas vão pensar, como as pessoas vão interpretar aquilo que você está falando. Um exemplo clássico, por exemplo, é que em uma entrevista de emprego certamente você não vai falar da mesma forma que você conversaria com amigos em uma mesa de bar. E a forma que eu falo aqui nesse episódio de podcast gravando não é exatamente a mesma forma que eu tenho conversas coloquiais com os meus amigos. Porém, os autistas tem justamente uma dificuldade nisso. Pode ser que o autista, por conta de não conseguir naturalmente se projetar ter a perspectiva de outras pessoas que estão ali naquele ambiente dele, tem uma certa dificuldade de ajustar a forma que ele conversa, o tom das palavras e de como ele fala. Então tudo isso é uma habilidade típica entre as pessoas que entre autistas pode ser muito mais custoso de você conseguir apropriadamente ajustar para fazer sentido no ambiente que você está naquele momento. E falar pequenas mentiras e distorcer a verdade, digamos assim, também faz parte desse conjunto de habilidades. Quando você distorce a verdade, você está distorcendo por alguma razão. Por exemplo, naquele clássico exemplo da mulher perguntando para o marido se ela está gorda frente a um espelho. O marido, se fosse autista, teria uma probabilidade maior de naturalmente falar a verdade sem considerar se a mulher dele gostaria de ouvir que ela está mais magra do que ela realmente parece ou coisas do tipo. É claro que é um exemplo bem estereotipado, mas eu acho que funciona bem para ilustrar como que essa habilidade é deficitária entre pessoas com autismo.

Tiago: E fazendo um exercício anedótico de como falar a mentira, a gente observa que o mecanismo é muito mais complexo e muito mais arrojado do que você simplesmente dizer a verdade. Por exemplo, para você falar a verdade, basta apenas que você tenha a sua informação A e que você entregue ela a uma pessoa específica. Pronto, tá feito. Para você falar a mentira você tem que saber primeiro a informação A, que é a informação verdadeira; você tem que criar uma informação B na sua mente; essa informação B tem que ter uma conexão com a realidade para não sou absurda para a pessoa não desconfiar de você e você tem que construir toda uma narrativa para que isso seja entregue a outra pessoa e a pessoa não suspeite que você está mentindo. A partir disso, essa pessoa provavelmente vai te dar uma resposta e essa resposta tem que se encaixar dentro da sua narrativa e você não pode se enrolar. Muitas vezes, para você segurar uma mentira, você acaba desenvolvendo várias outras mentiras. Então aí a gente vê o nível dos desafios e o quanto que as relações sociais são complexas para pessoas que estão dentro do espectro independentemente se estão no grau 3, o autismo “severo”, ou até mesmo para o grau 1 que é autismo “leve”.

Paulo: Mas uma coisa importante também nesse sentido é principalmente a forma como a falada a verdade. E é nesse ponto que, às vezes, falar mentiras parece mais fácil para a maioria das pessoas do que simplesmente falar a verdade, porque não precisa pensar também como vai ser o discurso para contar a sua opinião ou o que de fato aconteceu. Esse é um exercício que eu tenho tentado fazer, de achar a melhor forma de contar a verdade.

Tiago: E, para trazer um exemplo de sincericidio aqui para vocês, eu trago um artigo que tá na lista de links do episódio. É um artigo que fala sobre autismo no mercado de trabalho e lá tem uma situação que eu acho muito interessante, um relato, e eu vou lê-lo aqui para vocês. É o seguinte: 

“A Maria tem dado bastante problema lá no hospital. Volta e meia me chamam pra conversar com ela e com as colegas. Ela senta no chão dos corredores quando tá cansada; entra na sala da diretora pra conversar e fica lá de papo, come os iogurtes das refeições dos pacientes… E também as colegas de trabalho não conseguem lidar muito com ela. Quem gosta de escutar, assim na lata, as verdades da vida, né? Porque ela chega e diz: ‘Olha, tu tá mais gorda. Dá pra ver a barriga’ ou ‘Eu não gosto de ti. Tu é bem chata’.”

Então a gente percebe, de uma forma muito clara, que existem autistas na vida social, no mercado de trabalho, em relacionamentos e interações até com a própria família que estão constantemente se prejudicando ou sendo odiados pelas outras pessoas por causa de comportamentos que talvez eles nem pensaram que iam atingir esse nível de problema. Sincericídio está entre eles.

Paulo: Particularmente, no mercado de trabalho, existem momentos em que é cobrado mentir; existem momentos em que vai ser cobrado dizer a verdade e principalmente a questão de como dizer a verdade também. Na maior parte das vezes, na minha experiência de trabalho, a questão era exibir informação ou omitir informação.

Tiago: Sim, Paulo. A omissão, inclusive, é um dos recursos que pessoas podem utilizar para não necessariamente mentir mas também não necessariamente fugir da verdade. Isso me faz lembrar que há uma discussão dentro da academia de que autistas de graus mais leves possuem certa habilidade para mentir, porque a gente sabe que essa habilidade é limitada, mas essa limitação varia conforme a cada indivíduo. Tem gente que tem mais facilidade para mentir, tem gente mais restrita nesse sentido.

Willian: Inclusive tem um artigo bem interessante que a gente pode citar. Foi publicado no Journal of Applied Behavior Analysis, então é uma abordagem baseada em Análise do Comportamento Aplicada. E o título dele é bem interessante e bem chamativo: Ensinando crianças com autismo a contar mentiras socialmente apropriadas.

Tiago: Polêmico, minimamente, eu diria.

Willian: É, eu diria que é um pouco polêmico de fato. Mas, quando você analisar a intervenção, eu acho que a maioria das pessoas ou quase todo mundo vai concordar que são mentiras produtivas. Duas mentiras que foram ensinadas: uma a contarem em uma situação que ela recebe um presente, só que esse presente não é algo legal, não é algo que a criança gostou e mesmo assim foi ensinado essa criança a ter uma reação positiva sobre isso. Afinal de contas, se você é presenteado, quer dizer que houve uma intenção de agradar você. Mas, ao mesmo tempo, pode ser que o presente não seja realmente agradável. Então imagine só uma pessoa com autismo reagindo negativamente um presente. Isso pode acabar magoando alguém que tinha as melhores das intenções contigo. E a outra mentira ensinada nessa intervenção é falar justamente sobre a aparência de alguém. Então se alguém cortou o cabelo, se alguém comprou uma roupa legal, ao pedir opinião para criança com autismo, a criança foi ensinada que é desejável que ela pelo menos fale de alguma forma mais adequada e agradável para essa pessoa que teve essa mudança de aparência porque pode ser que ela acaba magoando também. Imagine que a mãe acaba de voltar do salão de beleza, por exemplo, com o novo corte de cabelo. Aí o próprio filho dela com autismo, ao chegar em casa, fala assim: “nossa mãe, eu odiei seu novo cabelo”… isso pode ser um pouco um pouco chato para a própria mãe. E, na verdade, a gente sabe que situações de fato acontecem não somente entre crianças e não somente as crianças com autismo. As crianças podem ter uma tendência a falar um pouco mais a verdade porque estão ainda desenvolvendo essa habilidade de se entender que nem sempre é desejável falar o que você pensa e que às vezes você pode magoar outras pessoas se você não tiver nenhum tipo de filtro. Mas pessoas com autismo, principalmente crianças, podem ter um atraso no desenvolvimento dessa habilidade.

Tiago: E agora ele vai contar algumas histórias curiosas ou constrangedoras que envolveram a gente com relação ao sincericídio. E eu queria começar contando uma que veio lá de 2002, quando ainda era criança, que envolveu um amigo de infância que eu tinha chamado Fábio. O Fábio era uma pessoa muito sociável e, ao mesmo tempo, muito mentiroso. E aí envolve duas coisas, primeiro: Eu não conseguia identificar com facilidade quando ele tava mentindo, que é uma característica também comum em algumas pessoas do espectro, e eu não sabia também fazer uma leitura social consistente acerca das mentiras dele. Ou seja, se ele contasse alguma mentira para mim, se ele falasse alguma coisa muito bizarra e absurda, eu reproduziria para outras pessoas. Um dia eu estava na casa dele e eu gostava muito de fitas cassete. Ele tinha uma dessas em cima de uma mesa. Eu perguntei para ele o que estava gravado naquela fita e ele me respondeu algo completamente absurdo, com vários palavrões e coisas do tipo. Até aí tudo bem. Até que, mais tarde, os pais deles estavam nessa mesma sala e eu estava perto. Eles estavam conversando entre si em dúvida do porquê aquela fita tava aleatoriamente jogada ali naquela mesa. E aí eles fizeram a seguinte pergunta entre eles: “o que está gravado nesta fita?”. Eu entrei no meio e falei exatamente os mesmos palavrões que o meu amigo tinha falado, porque eu achei que era o que realmente estava gravado. Foi um clima meio constrangedor, eu lembro. O segundo caso foi em 2007, já na pré-adolescência, quando eu fazia um curso de informática daqueles de digitação numa loja perto daqui de casa. Um casal tinha essa loja e eu lembro que ele tinha uma filha que tinha uma idade parecida com a minha. Um dia eu estava lá fazendo minhas aulas digitação, normalmente, mexendo no Windows XP. Eu lembro que a dona desse lugar que era a instrutora, inclusive, chegou para mim e falou assim: “Vou te mostrar aqui umas fotos da minha filha”. Ela mostrou algumas fotos para mim e disse: “Ela é bonita, né?”. Eu olhei e falei: “Preciso ir no banheiro”. Voltei, bebi uma água e continuei fazendo a aula. E ela: “Você não me respondeu se ela era bonita”. E aí, para eu não falar algo necessariamente negativo, fiz uma omissão de verdade nesse caso, fiquei calado o tempo todo. E em 2014, isso já no início da vida adulta, alguns meses antes do diagnóstico, eu trabalhava numa loja de TI fazendo montagem e manutenção de computadores. E eu lembro que o meu chefe era uma pessoa que estava com vários problemas. A esposa dele tinha acabado de ter um filho, esse filho estava na UTI, o trabalho estava todo atrasado, eu tinha acabado de entrar na empresa. Eu lembro que alguém ligou com muita raiva perguntando onde que tava o serviço que tava atrasado. Ele, de longe, fez mímicas para eu falar que ele não estava lá. Só que eu não consegui dizer que ele não estava lá. Eu peguei o telefone e entreguei na mão dele. Duas semanas depois eu fui demitido desse lugar.

Paulo: O primeiro aconteceu já há alguns uns anos. Minha esposa, a Isabela, gosta de cozinhar e quis fazer um cupcake. Só que ela fez algum erro na hora de fazer a massa e os cupcakes não ficaram bonitos. Eu disse que, embora tenha ficado gostoso, tava parecendo um pedaço de cocô. Ela ficou brava comigo, mas hoje a gente lembra da história e dá risada com os shitcakes. A segunda história aconteceu há cerca de duas semanas. Se eu não me engano, ela e eu fomos almoçar na casa dos pais dela. O pai dela tinha feito a comida, não gostei, mas eu comi toda a comida porque não haveria outra coisa. Eventualmente o pai dela questionou todo mundo se tinha achado da comida eu fiquei calado. Na minha dificuldade em mentir, na maior parte das vezes eu prefiro ficar calado do que contar mentira. E ele percebeu que eu fiquei quieto.

Willian: Antes de você contar essa história aqui no podcast, você considerou a probabilidade deles escutarem isso e acabaram descobrindo que você não gostou do porco deles?

Paulo: então pelo que percebi ele sabe que eu não gostei, e eles não ouvem podcast.

Willian: Eu acho que tanto você quanto o Tiago estão precisando daquela intervenção baseada em ABA ali do artigo (risos).

Paulo: (risos)

Willian: Mas eu também não escapo disso. Na verdade, eu tenho algumas lembranças de situações que, para falar a verdade mesmo, me complicou diversas vezes. Na escola, principalmente. Mas eu acho que as que tiveram mais prejuízos certamente foram em empresas, em ambiente de trabalho, especialmente entrevistas. Inclusive, ironicamente em uma entrevista de emprego em uma empresa que eu gostei bastante aqui em Porto Alegre, durante a entrevista de emprego meu possível chefe ali estava me entrevistando e a gente entrou em um certo conflito sobre opiniões de determinadas soluções para alguns problemas. Como eu estava avaliando a minha capacidade técnica e eu cheguei em um momento que, rigidamente né, autisticamente rígido, eu queria defender uma solução que a seria supostamente a melhor solução para um problema, enquanto o meu chefe dizia que não. E eu não notei que aquela solução que ele estava propondo ali no momento da entrevista era uma solução dele. Então, por isso, ele tinha um interesse em defender que aquela era a melhor solução. E com certeza, como eu tinha o interesse de ser contratado, deveria, naquela situação, concordar com ele. Mas não, eu continuei rigidamente criticando inclusive a solução dele para aquele problema e certamente ele não ficou com uma boa impressão de mim logo na primeira entrevista.

Paulo: E aí, você conseguiu o trabalho?

Willian: Sim, ironicamente eu consegui. É claro, isso é só uma lembrança que foi bem impactante. Porque eu estava tão focado em defender o meu ponto de vista ali rigidamente que eu nem consegui notar. Só depois da entrevista, que eu pensando e relembrando a situação, passei me questionar: “Poxa, será que ele estava me questionando tanto porque era algo que ele fazia questão de defender a posição dele como chefe?”. E só daí eu fui entender isso. Mas outra coisa também que eu me lembro foi quando eu entendi o conceito de guardar segredo. Quando você é adolescente, você acaba tendo seus amigos e os seus amigos eventualmente contam algo que é segredo. Ou seja, é uma informação sigilosa que você não deve contar para outras pessoas. Eu me lembro muito bem que eu tinha um bom amigo da época e ele me contou um segredo. E eu não entendi esse conceito de que segredos era mensagens que não poderiam ser divididas para outras pessoas.Então, na minha inocência e no meu déficit autístico, acabei espalhando essa mensagem que ele me disse como um segredo, ele ficou muito bravo comigo e eu realmente não conseguia entender o porquê. Já tinha uns 16 anos, na época. Na verdade, eu entendia que segredos de alguma forma tinham relação com eventualmente você não poder contar para outras pessoas, era uma informação de alguma forma valiosa, mas eu não entendia que o conceito de segredo é que ele deveria ser apenas entre você e a pessoa que te contou. Isso nunca me fez tanto sentido, porque muitas vezes o segredo envolve uma terceira pessoa que não tem nenhuma relação comigo e contar para mim não vai alterar nada, digamos assim, na solução de algum possível problema ou desenrolar da história. Eu sempre tive muita dificuldade em entender por que pessoas contam segredos. Depois entendi que tem relação com essa sensação boa de desabafar.

Tiago: E você? Tem alguma história para contar pra gente? Envie um e-mail para ouvinte@introvertendo.com.br para a gente aqui do Introvertendo, que leremos no quadro de leitura de e-mails. Até a próxima semana e um abraço para você.

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