Introvertendo 79 – Namoro Entre Autistas

Yara Delgado, além de autista, mãe de 5 filhos e podcaster do Introvertendo, também tem um noivado com outra pessoa diagnosticada com autismo. Neste episódio, Yara e seu noivo Felipe Zarco contam a história de amor, os desafios e vantagens do relacionamento enquanto, durante a gravação, o primeiro filho do casal é amamentado. O episódio ainda conta com apresentação do host Tiago Abreu.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, e talvez esteja esperando para viver uma história de amor. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, host desse podcast, e estamos com um casal atípico, porque hoje vamos falar sobre relacionamento entre autistas.

Yara: Meu nome é Yara Delgado.

Felipe: Eu sou o Felipe, vou estar acompanhando vocês no episódio de hoje.

Tiago: Nós já fizemos aqui alguns episódios falando sobre relacionamentos, alguns focados em aplicativos como o Tinder, nós fizemos uma série sobre sexualidade, mas hoje a temática é essa, e vocês vão ouvir muitas histórias. 

Bloco geral de discussão

Tiago: É interessante falar sobre relacionamento entre autistas, porque no Introvertendo nós somos um podcast de oito pessoas, e dessas oito nós temos duas pessoas que namoram, que tem um relacionamento com outra pessoa que também é autista. O primeiro caso é do nosso podcaster Luca Nolasco, que namora a Mariana Sousa. A Mariana já apareceu aqui no episódio 48, que é um episódio só com ela, mas a Mariana só recebeu o diagnóstico depois da gravação do episódio. E também, temos o caso da Yara. A Yara inclusive já contou um pouco sobre a história do relacionamento dela no episódio, se não foi no 39, que é sobre Mulheres, foi no 49, que é sobre mães. Mas agora que vocês estão juntos aqui, eu gostaria de ouvir um resumo de como vocês se conheceram e de como vocês ficaram juntos. 

Yara: A gente se conheceu em um grupo de whatsapp, eu entrei nesse grupo por causa da suspeita de um diagnóstico já de autismo leve que começou com o meu filho, e a partir do que eu comecei a estudar, também comecei a suspeitar que era, e entrei no grupo pra procurar entender melhor o significado das perguntas, porque eu fiz aquele Aspie Quiz, e queria saber se estava coerente aquele resultado ou não. E também pra ter uma noção melhor do que significa ser autista, pra tirar minhas dúvidas se era mesmo ou se não era. 

Felipe: Eu já estava no grupo há mais tempo, então não fui no grupo tirar dúvida, eu fui mais pra ter gente com quem conversar, eu já tinha alguns grupos de WhatsApp mas ainda não tinha visto um grupo específico de autistas. No grupo em si, a gente falava, mas não diretamente um com o outro, tinha muita gente e só nos conhecíamos pela conversa que acontecia dentro do grupo, eu não era tão ativo quanto ela, mas a gente conversava assim. Teve um dia específico que eu mandei uma mensagem de cunho um pouco mais filosófico, sempre chamava as pessoas por “bom dia seres humanos”, e aí seguido de uma frase diferente que mostrava alguma característica do ser humano, então nesse caso eu tinha escolhido um poema que começa com “seres feitos de carbono e amoníaco”. Aí eu coloquei esse “bom dia” diferente e ela perguntou, ou melhor, achou engraçado.

Yara: Eu coloquei risos, e falei: “Você é um sarro, nunca vi ninguém cumprimentar os outros chamando dessa forma”.

Felipe: Acho que só tinha falado bom dia seres humanos, mas lembrei que o autor é Augusto dos Anjos, é um poema meio mórbido inclusive, mas eu só falei isso e ela comentou.

Yara: É que você já tinha falado outras vezes, e eu tinha notado que você tinha um jeito diferente de falar com os outros, de dar um bom dia.

Felipe: E aí nisso eu me justifiquei, acho que eu falei algo sobre a finitude dos seres humanos, a efemeridade da vida, e coisas desse gênero, e ela me respondeu. 

Yara: Aí eu respondi em cima do que ele falou, sobre a questão de como a vida é efêmera, a gente está vivo hoje mas não sabe quanto tempo isso vai durar e a conversa começou em cima disso, e tomou um rumo inesperado, porque eu respondi pra ele de uma forma poética e eu fiquei surpresa que ele me respondeu de volta de uma forma poética também e é um pouco atípico você receber uma resposta também de forma poética, pelo menos entre neurodiversos eu nunca recebi. 

Felipe: E na verdade isso deu um diálogo né, até parou os outros diálogos que estavam acontecendo no grupo, eu respondia e ela respondia, e a gente meio que estava ao mesmo tempo comentando sobre como é ser um ser humano, ou seja, uma questão bem grande, e fazendo isso em forma de poesia, de uma maneira bem bonita. E, eventualmente durante esse poema, essa troca, a gente foi adicionando coisas cada vez mais como um cenário imaginário, de certa forma já até flertando no meio da poesia. 

Yara: Pra mim não foi um flerte não! Foi só essa cena da poesia que foi até engraçado, porque como ele continuou poeticamente, eu comecei a responder de volta poeticamente também, e na hora a minha referência foram aqueles repentes nordestinos que um fala uma coisa e o outro tem que falar em seguida, e aí você tem que ter uma resposta rápida. Então para mim virou uma brincadeira, virou um jogo: “Ai, eu tenho que dar uma resposta poética rápida bem escrita”.

Felipe: E à altura!

Yara: Sim, à altura! Então eu estava brincando muito, porque pra mim estava mega divertido e um exercício de inteligência que me deixa bastante assim instigada, né? Eu gosto para caramba, quando tem uma conversa boa com alguém. Não é tão fácil pra nós que somos aspies ter uma conversa que a pense possa dizer: “Nossa, essa conversa comigo foi uma conversa legal”.

Tiago: Mas só uma pergunta, quem era o Caju e quem era o Castanha?

Yara: Sei lá!

Tiago: Mas é interessante assim, mais ou menos quanto tempo que vocês estão juntos?

Yara: A gente se conheceu em maio do ano passado né, 2018. A gente se conheceu na verdade assim pessoalmente foi em maio, mas em abril quando eu entrei no grupo, ele já estava, só que a gente praticamente não se falava porque ali era o grupo conversando então, tipo, você responde todo mundo mas não de uma forma direta, entendeu? A gente nunca tinha conversado assim uma conversa direta fora um artigo que você tinha me mandado sobre o sensorial dos aspies e tal, sobre ver o mundo colorido quando na verdade o mundo é muito mais limitado, como se a gente enxergasse além.

Felipe: No artigo a analogia que eles usaram era de que os neurotípicos estão em um mundo preto e branco os aspies se sobressaem ficam em cor eles vêem cor. 

Yara: E aí era interessante porque o artigo falava sobre a frustração de você ser um aspie e enxergar as coisas além em um mundo tão limitado que é esse, ele falou metaforicamente que esse era um mundo preto e branco. E aí a gente tinha comentado rapidinho sobre esse artigo, e a gente nunca mais se falou diretamente, foi uma coisa muito muito rápida. Aí nesse fatídico dia, esse cumprimento maluco dele chamou a atenção de novo, porque sempre chamava atenção, eu sempre achava engraçado a forma que ele cumprimentava as pessoas e isso foi virando uma conversa assim e foi engraçado porque daquele vamos dizer assim Repente né poético que estava acontecendo que durou mais ou menos umas quatro horas, eu escrevia um parágrafo e ele escrevia outro parágrafo.

Felipe: O pessoal foi todo dormir e a gente ficou lá escrevendo.

Yara: Sem combinar absolutamente nada, e no outro dia virou o maior bafafá, por conta disso assim, tivemos que suportar algumas fúrias dentro do grupo e por conta disso eu acabei ficando muito tímida com a situação, né? Que eu falei poxa vida, foi tão legal, uma coisa assim literária, entendeu? 

Felipe: É porque a gente estava como se fosse um homem e uma mulher literalmente falando sobre a imensidão do universo, né? E a gente colocando isso em versos. Versos poéticos e fazendo disso uma narrativa. Bem no começo assim mais ou menos como se eu estivesse contemplando essa essa ideia, mas aí no grupo tiveram algumas controvérsias em relação ao que estava sendo dito, né? Se era proibido ou não aquilo no grupo alguma coisa desse gênero. E aí ficaram falando muito sobre isso. 

Yara: Com isso eu acabei saindo do grupo, não via mais motivo pra ficar lá.

Felipe: E eu acabei saindo junto com ela nisso, se eles não deixaram uma expressão de criatividade dessa forma e dimensão ocorrer acho que não é um grupo legal pra se estar.

Yara: No privado, eu mandei uma mensagem para ele pedindo desculpas, eu não tinha noção de que ia acontecer isso para mim foi um exercício de imaginação, foi legal, tá? Não imaginei que fosse dar problema com o grupo. Eu fiquei muito envergonhada. Foi muito chato para falar a verdade nesse sentido, só que aí a gente perguntou um para o outro, mas e aí, a gente não vai mais escrever? Tipo, foi tão legal, e a gente não vai mais escrever? E aí não tinha jeito, decidimos continuar escrevendo; a ideia que a gente tinha era de inclusive colocar outras pessoas para escrever junto com a gente. Então a gente criou um grupo de WhatsApp adicionando as pessoas que apoiaram que elogiaram a poesia que a gente tinha feito e fomos né? Tipo, vamos lá, vocês vão acompanhando, a gente vai escrevendo e aí vocês podem ir entrando na história, mas foi engraçado porque o pessoal só lia e não participava, aí acabou ficando só entre a gente mesmo. Só que aí através da história a gente começou a se conhecer.

Tiago: É curioso que a história de vocês acaba tendo a mesma idade do Introvertendo, surgiu na mesma época. Eu queria perguntar pra vocês o seguinte: As dificuldades individuais que talvez vocês tenham em relação ao autismo fizeram alguma diferença dinâmica no relacionamento de vocês? 

Yara: Eu acho que foram mais vantagens do autismo no nosso caso!

Felipe: Acho que pra começo de conversa, uma pessoa neurotípica dificilmente entraria num relacionamento a partir de uma situação dessa, uma narrativa poética que conseguimos hiperfocar. A gente ficou nessa vários dias, e nesse meio tempo íamos nos conhecendo. 

Tiago: E aí nesse momento vocês descobriram que moravam próximos, distantes, como é que foi até vocês se encontrarem pessoalmente?

Felipe: Bom, a gente morava bem longe, ela em Sorocaba e eu em São Paulo. Curiosamente, num capítulo do livro em que os personagens se encontravam, foi quando a gente se encontrou. A gente escrevia e aconteciam coisas na nossa vida que batiam com o que tínhamos escrito. Inclusive, no dia que a gente se conheceu, ficamos hospedados na casa de uma amiga aspie que também era do grupo, na casa dela, aconteceu da gente encontrar um livro e atrás desse livro estava escrito: nós somos os personagens da história que escrevemos. 

Yara: Em um livro que estava no meio de um monte de livros de direito, porque essa amiga tinha um sebo literário, então a gente foi ajudar ela a organizar a casa. Ele foi arrumar os livros e eu fui lavar a louça. No que ele foi organizar os livros, alguns acabaram caindo no chão e esse livro caiu na frente dele, abrindo em cima dessa frase. 

Felipe: E o nome o livro era Teatro Cósmico, um livro de poesias.

Yara: Um livro de poesias que também trata do cosmo, sendo que a poesia que estávamos escrevendo também se tratava disso. Foi uma coincidência que achamos muito louca. A nossa história é muito engraçada na verdade, que a gente começou desse jeito, e eu não vou dizer que foi romântico, pra gente, foi uma história que estávamos escrevendo, não teve romantismo, era uma história que foi se tornando divertida e acabou envolvendo a gente.

Felipe: Chegou uma hora que os atributos dos nossos personagens começaram a se confundir com os nossos.

Yara: Sim! Mas vou falar por mim. Como aspie, eu tenho muita dificuldade em entender os meus próprios sentimentos. Eu demoro a perceber que estou desconfortável, essa compreensão pra mim sobre sentimentos é lenta. Aí a gente estava escrevendo, e eu passava o dia todo muito feliz, nossa, a história estava ficando muito legal, eu ficava contando as horas, que a gente escrevia todos os dias às 23. Aí, a gente hiperfocava e ficávamos escrevendo muitas vezes até 3, 4 da madrugada. A gente dava umas pausas e enquanto isso conversávamos sobre coisas mais pessoais. Aí chegou um momento em que eu não sabia mais se eu estava escrevendo o que eu estava sentindo, ou se ainda estava fazendo uma história, e comecei a ficar confusa. Chegou o momento em que eu tive que perguntar pra ele, porque não entendia mais o que estava acontecendo, e queria saber se ele estava sentindo isso também. Depois disso, decidimos que seria melhor que a gente se visse pessoalmente. Foi muito legal porque eu queria muito conhecer essa amiga que mora em São Paulo, daí a gente combinou: então vamos nos encontrar os três em São Paulo, legal. E aí tipo assim, né? Ficou aquela coisa, eu vou encontrar ele e aí eu vou ver se é uma pessoa legal mesmo. Enfim, vamos dizer assim, eu estava mais devagar do que emocionalmente. Uma coisa louca que aconteceu, tipo, eu fui para São Paulo, peguei o ônibus, e quando eu cheguei na rodoviária lá em Barra Funda a minha amiga me ligou dizendo que não podia me encontrar, porque tinha comido um lanche com gergelim, e ela era alérgica, estava indo agora para o hospital tomar uma injeção, e quando ela tomava essa injeção dormia por horas, eu falei como assim, e agora o que que eu faço? Eu estou na Barra Funda sem ter para onde ir! Aí ela não, eu liguei para o Felipe, ele vai encontrar você, espera aí que ele tá indo te encontrar; e eu só pensava, meu deus, essa não. Eu fiquei muito sem jeito, não lembro se liguei pra ele ou ele me ligou pra ver como que a gente ia se encontrar porque senão não ia achar ele nunca ainda mais com meu senso de direção absurdamente ruim. Aí a gente se falou e combinamos: vamos no parque da Água Branca. Aí cheguei lá no parque da Água Branca, eu nunca tinha ido lá, cheguei 2 horas adiantada porque eu não tava esperando que eu fosse encontrar ele, eu estava esperando encontrar uma amiga nossa, a Ramona. Cheguei lá umas 2 horas adiantado, eu fiquei esperando e olhando aquele parque, gente que lugar esquisito, tem um monte de galinha aqui! 

Tiago: Tem outra coincidência aí porque galinhas é quase uma piada interna dentro do introvertendo, né? O primeiro episódio que a gente gravou que nunca foi lançado foi sobre galinhas!

Yara: Eu fiquei lá e eu tenho uma mania assim, se eu tô esperando alguém eu não tenho paciência,  então eu fiquei tipo subindo e descendo assim na guia da calçada, né? Eu fiquei lá. Acho que eu devo ter ficado sei lá umas 2 horas por aí esperando, aí quando ele chegou eu vi primeiro. Eu eu fiquei quieta, não fiz nada. Fiquei parada só observando, aí a hora que ele me viu, ele deu um sorriso e veio ao meu encontro, mas na hora que ele se aproximou eu não conseguia mais olhar pra ele, então foi muito cômico porque eu só olhava para baixo e ria, eu não conseguia levantar a cabeça e olhar para ele, né? Aí eu fiquei totalmente assim sem saber o que fazer. 

Felipe: Aí eu falei pra gente dar uma caminhada,  para que a gente conseguisse ir conversando, né? Sem precisar daquela tensão inicial.

Yara: Daí andando e conversando eu podia olhar para baixo, aí a gente ia conversando e desviando dos galos, né? E aí a gente brinca hoje quando a gente vê um lugar com muita gente fica o código de galos aqui, tipo significando que tá muito cheio de gente, está me incomodando. Vamos para algum lugar que tem menos gente passando. A gente só foi conseguir encontrar nossa amiga acho que era meia-noite, uma hora da manhã, a gente quase dormiu na rua! Ela dormiu para caramba, depois ela ficou para caramba no banho e a gente ficou perdido esperando e ela me deu outro bolo. 

Tiago: Mas é curioso que o relacionamento de vocês evoluiu bastante rápido, né? Porque aí vocês já tiveram o primeiro filho assim. Como que surgiu essa decisão, ou foi algo que surgiu apenas?

Yara: Um filho foi uma decisão assim, a gente saiu acho que umas três vezes aí ele me pediu em namoro, eu aceitei, daí um mês por alguns acontecimentos pessoais, eu estava já em São Paulo morando em uma república. E aí a gente acabou se vendo muito mais e ele acabou ficando na república comigo e a gente percebeu que a gente se dava muito bem, então quando eu fui sair dali já para alugar uma casa, eu já perguntei se ele queria ir junto. Daí ele veio conhecer quando eu aluguei a casa, acabou conhecendo Sorocaba, conhecendo a casa, e meus filhos né, ele tem 23 anos como é que vai dar certo essa história? Mas no fim ele acabou assim, 15 dias a princípio ele ia vir para cá né, só que a gente ficava com muita saudade e aí não conseguiu fazer esse lance dos 15 dias, a gente queria estar junto mesmo né. E aí acabou sendo uma coisa muito rápida, em poucos meses a gente já tava morando junto e ele tinha muita vontade de ter um filho e aí eu pensei, falei poxa, é uma decisão que tem que tomar então eu pensei tá! E a gente decidiu ter um filho, né? 

Tiago: E vocês pretendem ter mais?

Felipe: Não, a gente entende que já está bom como está.

Tiago: Eu queria que vocês contassem, fora essa história que vocês tiveram antes de fato iniciar um relacionamento digamos assim, formalmente, uma história legal que vocês viveram aí de 2018/2019, aquela que é mais marcante para vocês.

Yara: Tudo foi muito marcante entre a gente, a gente conseguiu viver essa fase assim de se conhecer que foi muito maluca e cheia de altas emoções, a gente já foi morar junto então já era uma outra outra vivência, outra descoberta né. E era muito engraçado, eu fui tentando fazer aos poucos né, ele foi pra casa, é meu amigo e tal, ele vai dormir aqui porque ele mora longe, tentando explicar os poucos para as crianças, aí na outra semana já foi ficando um pouquinho mais aqui, indo aos poucos, aí um dia meu filho mais velho, o Pedro, estava aqui na mesa com a gente ele virou e disse: a mamãe tá apaixonada. Eu olhei pra ele morrendo de vergonha e perguntei: por que você tá falando isso? Porque você fez 5 ovos pra ele comer! E foi muito cômico, né? Eu pensei assim, eu tô tentando aos poucos, mas a galerinha já está sacando. Aí depois de umas duas semanas a gente assumiu. A gente colocou as crianças, olha, a gente tá aqui, a gente vai comemorar porque resolveu namorar. Foi muito legal, a gente estourou champanhe, fez uma festa. E aí depois tudo aquilo de tem que apresentar os seus pais também e tudo mais. Passamos fases difíceis também, né? Tive problemas de saúde, ele me acompanhou o tempo todo. 

Tiago: Inclusive você ficou um tempo sem participar do podcast, e agora tá voltando com força total também.

Yara: Fiquei 22 dias internada, né? E aí ele passou todos os dias lá comigo, ia trabalhar, do trabalho ia lá ficar comigo.

Tiago: Vocês já falaram um pouco mas eu queria perguntar mais objetivamente para vocês: Quais são as principais vantagens de autistas terem namoros com autistas?

Felipe: Primeira coisa assim é que a sinceridade  é 100%, então acho que a gente tem uma segurança muito muito boa um com o outro, 100%. É totalmente aberto, não tem aquelas coisas de falar eu te amo primeiro, ah você não pode dar bandeira, nunca rolou isso entre a gente. Ela acabou gostando do meu gosto musical, trabalhamos nas mesmas áreas lógicas, temos muita coisa em comum, chega a ser engraçado. A gente gosta de coisas simples, a gente gosta de rotina. 

Yara: A gente gosta de comer bem, né? 

Felipe: Agora ela experimenta mais as coisas, antes ficava sempre no mesmo, e embora eu também goste de repetir as coisas, tenho mais iniciativa pra tentar coisas novas.

Yara: Antes eu era muito de se gosto de uma marca, só vou comprar sempre da mesma marca. Gosto desse queijo, então vou comprar só esse queijo. Eu gostei, é legal, então não precisa experimentar mais nada. Vou ficar só naquilo. 

Tiago: Se vocês pudessem dar um conselho para alguém que ouve nosso podcast, quais são as dicas que vocês dariam para ter um relacionamento assim também? 

Felipe: Acho que uma das coisas é sempre mostrar que você é assim, eu conheço ela 100% e ela me conhece 100%, então eu acho que um conselho bom é abertura, estar aberto.

Yara: Não precisa esconder, mostra o que você é e vai. A sensação de liberdade quando a gente pode ser exatamente que a gente é é muito boa. Fazer uma rotina e ficar dentro dela também, eu vou lavar a louça, tipo, eu já deixo logo no local específico todos os copos que ele gosta de usar, os talheres que ele gosta de usar e também o prato que ele gosta de usar sempre do jeito que eu sei que ele vai bater o olho ele não precisa procurar já tá lá, então, eu acho que a gente dá valor a essas pequenas coisas, a gente é muito detalhista gosta que cada um tem o seu lugar de sentar, tipo, eu fui comprar um guarda-roupa e eu fui antes falar com o vendedor. Por exemplo, eu já dei todos os detalhes,  não pode ser assim porque ele gosta de dormir encostado na parede, então não pode ser esse modelo e tem que ser assim porque ele gosta desse jeito, porque as roupas ficam assim, porque senão ele vai abrir a porta com muita força. Também é engraçado porque agora por exemplo, eu não sofro para abrir mais nada. Nunca mais vou sofrer, ele é super forte para abrir qualquer coisa para mim. A gente tem essa coisa, eu sou muito mais instável com questões sensoriais do que ele, eu tenho muito mais crises, e a estabilidade dele me ajuda muito.

Felipe: O humor dela oscila que é uma beleza, em um momento ela está de um jeito, passa um dia ela já está de outro. Fiz até um poema pra ela, que divide as fases da lua em estrofes por causa disso. 

Yara: E o nosso filho de chama Luan porque significa filho da lua. Eu vou de super divertida e extrovertida para altamente introvertida.

Felipe: As coisas comigo já são mais práticas, meu humor quase nunca muda, não fico muito tempo com raiva de nada. Na gestação foi ainda mais difícil, mas com um na relação sendo mais estável, as coisas já conseguem funcionar. Acho que também no começo ela tinha muito medo de eu cair fora, mas sempre tentei deixar muito claro que eu já tinha decidido que amava ela, e acho que com o tempo ela percebeu isso e conseguiu ficar mais confiante.

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Equipe Introvertendo Escrito por: