Introvertendo 77 – Histórias de Assalto

Se você sente medo ao ver dois homens numa moto, este episódio é para você! E se você sente saudade dos episódios antigos do podcast, com certeza vai poder matar (não literalmente) a falta com uma temática inusitada. Neste episódio, nossos podcasters discutem a violência urbana e, claro, falam sobre histórias de furtos e roubos que viveram.

Participam desse episódio Luca Nolasco, Michael Ulian e Tiago Abreu.

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Transcrição do episódio

(Som do plantão da Globo)

Willian: Atenção, este episódio contém ruídos desagradáveis. Não são tiros, facadas, nem gritos. É apenas um episódio gravado há quase um ano, e lançado agora. Vinheta de abertura em cinco, quatro, três, dois, um.

(Abertura do podcast)

Tiago: Olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, esta plataforma que traz neurotípicos, neurodiversos e que trazem em comum também muitas experiências tanto positivas quanto negativas. Meu nome é Tiago, sigo com a sua companhia toda semana aqui no podcast juntamente agora, dessa vez, com Luca Nolasco e Michael Ulian.

Luca: Oi, eu sou o Luca e acho que dá pro Michael falar um oi.

Michael: Meu nome é Gaivota e vocês acabaram de perder suas batatas fritas.

Tiago: E hoje nós vamos falar sobre de assalto, vocês vão ouvir um pouco sobre as nossas experiências e também como lidar com essas situações.

Bloco geral de discussão

Tiago: Uma coisa muito importante a falar quando se trata de assalto é sobre o conceito de violência, porque a gente tem uma ideia muito caricata e que eu acho que também é grande parte é de culpa da imprensa de que violência é simplesmente o crime do que a pessoa mata outra a facadas, a tiros, a questão mesmo de você acabar com vidas. Violência é todo tipo de ato agressivo que ofende alguém. Então se você responde de forma a machucar outra pessoa, você está praticando um ato violento. Eu acho que isso mostra que todos nós não estamos inertes a certos níveis de violência e nós somos agentes de violência em certo ponto.

Luca: Acho que agora a gente ahm tentar definir pelo menos alguns exemplos de questões de violência do dia a dia para depois trazer o que que caracterizaria um assalto, porque no meu caso tem gente que consideraria que foi um assalto e tem gente que não consideraria e coisas assim, então o Michael pode começar definindo sobre o que ele acha que seria violência e coisas assim.

Michael: Cara, cara, cara. Cês querem uma definição de violência no sentido criminal ou no sentido mais geral?

Luca: O que você achar, tanto faz.

Michael: Cara, tô tão acostumado com violência física que tô desacostumado a reconhecer outras formas de agressão.

Tiago: O bullying, por exemplo, é uma forma de violência.

Michael: Sim!

Tiago: E muitas vezes ele não é físico.

Michael: E dica pros amiguinhos de como você escapa do bullying, com uma panela de pressão e muitos pregos. Além de um pouquinho de fertilizante. Ótimo, espero que nenhuma criança ouça isso.

Luca: Acho que, pelo menos, no meu imaginário mais inocente, de violência, quando a violência social é exacerbada, ela proporciona que crimes violentos sejam mais comuns e mais predominantes. Então isso tende a ser um ciclo que é exponencial, quanto mais socialmente as pessoas forem violentas, mais serão tratadas violentas durante um crime e assim vai eternamente. Cê acha que é mais ou menos isso, Tiago?

Tiago: Sim, se você analisar certas famílias em que crianças desde pequena são acostumadas a lidar, por exemplo, com a fome, a fome é um tipo de violência, violência praticada muitas vezes pelo Estado ou pela própria infraestrutura do ambiente que a pessoa vive ali e tudo mais. Então, uma criança que convive com a fome, ela não vai ter, assim, ao longo da vida, um tipo de pudor pra matar alguém, se for pra matar a fome dela, entende? Então, é por isso que também, quando a gente fala de violência, tem criminosos que não têm recuperação.

Michael: Nessa questão, você começa a entrar nos fatores que geram a violência. Aí dá pra separar esses fatores em duas seções principais, assim, um seria as dos motivadores e a outra dos facilitadores. Então, cê tem motivos que a pessoa vem a ter comportamentos agressivos, ou seja, geralmente está numa condição onde se sofre agressões constantes, te faz ter essa necessidade de se adaptar àquele meio e você tem os facilitadores, são as coisas que coagem ou incentivam a agir de forma violenta dentro desse contexto, porque uma coisa é você sofrer agressão, outra coisa é você fazer. E pra você fazer geralmente por a gente estar dentro de um contexto social, você não faz logo de cara, você precisa ter alguma coisa que te incentive a fazer isso.

Luca: Mas, você acredita que a causa disso vem de onde, mais ou menos?

Michael: Cara, numa causa única é complicado, porque a situação muda. Nesse caso, não querendo dar uma de darwinista social, mas já dando, do mesmo jeito que grupos de animais tem alterações conforme as gerações, a sociedade segue um padrão mais ou menos parecido, tem uma maleabilidade. Nem sempre o que veio atrás da influenciando agora, as vezes a situação muda tanto que você vai perdendo essas conexões, vai criando novas fontes. Então, traçar exatamente uma causa única é complicado, mas então acho que daria pra dizer que no estado nosso atual vem, em algum momento, aqui no Brasil, específico, pós-Getúlio Vargas, provavelmente melhor jeito seria dizer que em algum momento o regime militar seria o melhor ponto pra dizer que aí é o ponto de origem da violência atual aqui no país, é aí que as coisas desandam do jeito que desandam. Você pode até traçar outros fatores, literalmente, na origem do país. Só que pra traçar os fatores, o conjunto de fatores que moldou a situação atual, acho que dá pra dizer que é algo um pouco mais recente, mais voltado a esse contexto que a gente passou na época dos anos 1960, 1970, isso deu forma, crise de violência que começou nos anos 1990, começo dos anos 2000, a endemia mesmo.

Luca: Um professor meu já comentou, não sei até onde isso, de fato, é verdade, mas ele comentou que o processo de violência no Brasil, ele era grande em comparação com outros países, mas não era endêmico e explosivo como era hoje em dia. Isso começou no início dos anos 1990, com a dissolução da União Soviética, onde muitas armas de fogo foram contrabandeadas pelo Brasil e isso intensificou o tráfico, potencializou o crescimento de grupos como o Comando Vermelho.

Michael: Sim, porque agora esses grupos têm uma fonte de suprimentos que eles não tinham, eles podem começar a crescer, eles podem expandir, porque vale lembrar mesmo bem antes no começo dos anos 2000, o Brasil já sempre foi um país extremamente restritivo com armas de fogo. Então sempre foi difícil ter acesso a esse tipo de material aqui no Brasil. Então, esse é um bom ponto que o seu professor trouxe porque realmente quando você começa a ter esse material dando entrada para qualquer grupo, é um bom ponto.

Tiago: E, além de tudo, a forma como o estado brasileiro combate violência, é sempre de uma forma muito pontual.

Luca: E tende a intensificar a violência, né?

Tiago: Sim, sim. Porque, de certa forma, coloca policiais na linha de frente dessa forma do combate, então, por exemplo, acontece uma morte que choca a população local. Vamos pegar, por exemplo, o caso de Goiânia, que uma certa época, uma estudante veio de outro estado pra fazer cursinho e ela foi assassinada a mais ou menos nove e quarenta da noite, se não me engano. E quando ela foi assaltada, ela não passou o celular e tudo mais. E isso causou uma comoção nacional, imediatamente o governo do estado de Goiás liberou muitos carros e tudo mais. E essa coisa de você fazer o combate ostensivo, que é uma forma importante, não pode acabar, mas sempre foi uma medida muito pontual, que ele, de certa forma, não acaba com a violência, ela só inibe, ela continua a acontecer e coloca policiais, muitas vezes, em situação muito vulnerável pra situações extremas. E o crime no Brasil está cada vez mais profissional e o estado, claro, obviamente não vai admitir isso, mas ele não dá conta do crime do Brasil mais. Se a gente pegar o caso de Goiânia, que era uma cidade bastante tranquila, até uns certos quinze, dezessete anos atrás, hoje já é uma cidade cheia de facções. E isso se replica na experiência nacional.

Michael: O que acontece nesse sentido? Você pega, no Brasil, praticamente não existe lei. Então, a lei, no Brasil, é tão branda que quando a pessoa que tá nessa situação extremamente crítica, vai considerar os riscos que envolvem cometer o ato criminoso, ela não corre risco de sofrer, de sofrer retaliação pela vítima. A chance de uma vítima reagir é mínima. Ela tem uma chance de menos de 1% de ser identificada. A chance, se não me engano, é 1,86% de quem cometer um assalto ser identificado. Resumindo só aqui pra assaltos. Se ela tiver nessa 1,86% que foram identificadas, ela ainda tem uma chance pequena de que ela vai ser presa. Se ela for presa, ela tem uma chance ainda menor de que ela vai ficar mais de seis meses na cadeia. Isso considerar ela como maior, se ela for menor as chances são ainda menores que ela vai sofrer algum tipo de punição desse tipo, que vai privar ela de alguma coisa.

Tiago: Mas, de certa forma, às vezes parece que o problema não é 100% a legislação e muito mais uma questão do sistema prisional brasileiro não ter a questão da sua legislação cumprida, porque existem várias formas de punição, que não são somente a questão da prisão. Só que no Brasil é muito bagunçado, semiaberto não funciona direito, o regime fechado é bagunçado, tem preso provisório que fica mais tempo do que deveria ficar.

Michael: Daí entra de novo no que eu disse. Se ele for e for ficar preso, entre o que você falou, na prática, vamos falar da parte que funciona. Às vezes, pra pessoa que tá cometendo esse crime, estar lá dentro, tá melhor do que lá fora. E sim, mesmo que boa parte das prisões, você tenha problemas críticos, tem algumas pessoas que a situação delas é tão ferrada que ainda vai estar melhor lá dentro do que lá fora. Isso aqui na minha cidade natal, Arapongas, acontece demais, a pessoa comete crimes para ser presa, porque ou tá melhor dentro da cadeia do que lá fora.

Luca: Ocorre também em diversos casos muitas vezes pessoas que muitas vezes pessoas que são encarceradas por crimes não violentos e que teoricamente tem um impacto razoavelmente pequeno, elas são presas por determinado tempo e ao chegar na prisão que já não necessariamente tem qualidades mínimas para ser considerado uma prisão, ela precisa se virar ali, porque o sistema é muito displicente, ele abandona qualquer pessoa que esteja ali. Então, a pessoa chega, mesmo cometendo um um crime pequeno, ela é obrigada a se filiar a alguma facção lá dentro, porque senão ela simplesmente não sobrevive, porque a questão da sobrevivência na prisão é algo bem difícil e que você precisa se comprometer para ter.

Michael: E a gente entra de novo naquela questão de que o meio influencia a pessoa. Então, ela tem que se adaptar.

Luca: Agora que já foi definido mais ou menos a origem e o que é considerado crime, o que é a violência, acho que cabe a gente ir pro pro núcleo do episódio que são histórias de assalto, que é um tema muito pesado, porque, obviamente, trata-se de uma questão de risco, mas a gente vai tentar trazer coisas mais leves que já ocorreram conosco pra não deixar um episódio fúnebre.

Tiago: Eu quero começar porque a primeira vez que eu vi realmente a violência, assim, de uma forma mais escancarada, visualmente nesse aspecto foi em setembro de 2004, que eu tinha acabado de me mudar pra Goiânia, tinha um ano e um mês, mais ou menos, e aí entraram assaltantes dentro de casa, porque o meu tio tava conversando com outra pessoa do lado de fora, chegaram dois caras, renderam, entraram dentro de casa, minha mãe tem um sangue frio impressionante, eles chegaram pra minha mãe, falaram pra ela falar lá comigo, que eu tava assistindo Roda Roda nessa hora. Atrapalharam o meu Roda Roda que eu amava assistir aquilo, porque ainda era da Chevrolet, que foi a primeira temporada. E aí, eles foram fazer um limpa lá em casa, porque assim, eles olharam a casa por fora, pensaram: “nossa, eles devem ter muito dinheiro”, só que a gente tinha acabado de se mudar, a gente não tinha móvel, não tinha nada. Então, eles saíram com trinta reais, a aliança da minha mãe, o celular dela era um Nokia 5120 eles tacaram no chão e quebraram, porque eles não queriam levar aquele tijolão, sabe? Era aqueles celulares que tinham até antena, assim, e foi a primeira vez mesmo que eu vi alguma coisa mais explícita. E é uma coisa engraçada nisso, porque eles chegaram em mim, os assaltantes e, como eu era criança, tinha 8 anos, eles me colocaram uma hora num quarto separado, porque eles iam amarrar todo mundo. Só minha mãe que eles não amarraram muito forte, porque minha mãe tava super calma e tava quase ajudando eles a roubarem sem ter atos de violência, porque eles estavam muito nervosos, dava pra ver que era a primeira vez que eles assaltavam uma casa e tudo mais. Aí quando eles estavam me levando pro outro quarto, eles perguntaram assim pra mim: “e você não tem celular, não?” Aí eu falei: “não, minha mãe disse que celular não é coisa de criança”. E aí, eles me falaram mais nada depois disso. E aí ocorreu de que depois disso eu fiquei um bom tempo sem conviver com essa coisa mais explícita do meu bairro, não tinha muitas histórias, teve uma vez que tentaram roubar a bolsa de uma ex-namorada do meu tio e ela não deixou, sabe? Eram coisas bem rasteiras, até que um dia em 2007 eu estava voltando da rua, que eu fui comprar um CD virgem, na e aí eu tava voltando com o CD virgem, tudo feliz que eu amava comprar discos virgens, gravar CD e tal. E aí chegou o menino com uma faca e ele falou pra poder passar tudo que eu tinha. Aí eu falei: “tá, eu tenho dois reais”. Aí, falou: “agora você sai correndo, senão eu vou meter a faca na sua barriga”. Eu tinha 11 anos mais ou menos nessa época. E eu cheguei em casa tremendo nesse dia e esse dia foi dos mais tensos mesmo, porque o menino tinha mais ou menos a minha idade e ele tava muito, muito bravo, muito estressado. E aí, nessa época, era época de queimadas, em Goiânia, então, você imagina aquela rua extremamente deserta, cheia de fogo, fumaça, o clima tava muito tenso.

Luca: O meu primeiro contato com com assaltos foi com meu irmão sendo assaltado, na verdade eu fui furtado, nunca tivemos experiência de ficar tão próximos assim como rolou na sua casa, por exemplo, mas a minha primeira foi com 16 anos, eu tava indo em direção a um hospital, eu tava com uma crise de asma, então, não tava nem um pouco bem. Eu andava basicamente com um celular, fones de ouvido e uma carteira no bolso. Um garoto me parou, deu voz de assalto e eu não recomendo que ninguém faça isso, absolutamente ninguém. Na hora eu tive muito sangue frio e quis conversar com ele, eu quis entender melhor e conversei com ele alguns minutos. Perguntei porque, ele me respondeu de maneira muito rígida, aí eu tentei acalmar ele, porque geralmente as pessoas que tão nesse processo, tão muito nervosas. Ele me ameaçou dizendo que tinha uma uma arma, eu conversei com ele, até eu ver que ele não tinha de fato. Aí, ele chegou até perguntar, qual era o meu celular? Eu falei que era um um pequeno da Samsung, minúsculo, assim. E ele, OK, tudo bem, passa todo o seu dinheiro. Eu abri a carteira na frente dele, tinha basicamente a nota de um dólar que eu andava com ela na carteira, eu não sei a razão. Ele conversou comigo sobre minha vida, pra onde que eu estava indo, eu falei que estava com crise de asma. E aí, pareceu bastante preocupado, inclusive. No final, ele pegou a nota de um dólar e saiu e me desejou muita boa sorte na minha vida e que eu me desse bem. Foi, foi até educado.

Tiago: É, eu acho bizarro porque eu fico imaginando você com toda a sua voz discutindo com o cara e convencendo ele de coisas assim, porque eu realmente sou aquele tipo de pessoa que se precisar passar minhas roupas e sair pelado, em seguida, eu faço, entendeu? Faço qualquer coisa pra me manter vivo, assim, basicamente.

Luca: Esse tipo de coisa eu eu vejo, isso é cabível na hora, porque se a pessoa tiver visivelmente alterada visivelmente sob efeito de entorpecentes, eu sei que não adianta eu conversar ou tentar entender melhor porque não vai dar em nada e se der em alguma coisa possível, isso não vai ser boa pra mim. Então, naquela situação eu vi que era um garoto, ele devia ter 13 anos e eu tentei entender melhor, acalmar ele pra evitar o pior pra nós dois.

Tiago: Eu, além de que ocorreu mais ou menos em 2007, meu segundo caso de assalto foi em 2010, eu tava indo pra pra escola que eu estudava, eu estudava no IFG, que fica no centro de Goiânia, o Instituto Federal. E entre o IFG, até chegar lá, tem o Mutirama. Eu estava andando na Avenida do Contorno, que fica ali nas imediações e quando eu tava quase chegando na escola, um cara falando pra eu poder passar o dinheiro. Aí, eu cheguei pra ele e mostrei que eu tinha cinquenta centavos. Aí ele ficou tão bravo que falou “vai embora”. E eu passei direto. Ele quase me deu dois reais. Mas aí, depois eu ainda tive outros. Cê teve mais algo marcante?

Luca: Eu tive mais dois. O primeiro foi em 2017, que eu estava bêbado no Parque Vaca Brava, e depois que começa a escurecer, ele é muito perigoso. Tava com uma amiga minha, nós dois bêbados, eu tinha num bolso o celular, no outro bolso, bombinha de asma. A minha amiga estava sentada do meu lado, com a perna sobre a minha, então a perna dela tampava a minha do celular. Enfim, chegou um grupo de cinco pessoas e uma estava com um facão e nos ameaçando, pedindo tudo. Bom, a minha amiga, que estava bêbada, no momento a reação dela foi partir pra cima do cara pra tentar pegar o facão. Surtei com ela e tentei manter a calma dela, tentando manter a minha calma, conversei com eles, mas eles estavam muito alterados. Então, eu tirei a minha bombinha de asma do bolso, que eu acho que ninguém nunca espera que a pessoa tire isso, falei que só tinha ela, foi um blefe, porque tinha o celular no outro bolso. Eles pareceram acreditar e, decepcionados, inclusive, só mandaram a gente sair, saímos. Novamente, eu não aconselho que nenhuma pessoa reaja, primeiro eu tava bêbado na hora e segundo esse tipo de atitude geralmente não dá certo e pode deixar a pessoa que te assalta mais nervosa, não é algo que se deve fazer.

Tiago: Sabe o que eu acho engraçado em cada história sua? Você conta como você reagiu e depois você fala “não reaja”.

Luca: Mas é porque às vezes a pessoa pode achar interessante, mas não é legal, porque se a pessoa perceber que você está mentindo, ou até ficar nervosa por você não ter nada, pode dar alguma coisa de muito errado, então não é um tipo de coisa pra se fazer. A minha última história foi em que eu tava num evento que tem todas as sextas-feiras em Goiânia, que é no Centro, o Centro é um bairro bastante perigoso durante a noite. O evento toca músicas ao vivo, é muito legal, mas assim que ele acaba todas as pessoas dissipam, ele é no meio da rua. Assim que acabou ele, eu ia chamar meu Uber, uma amiga minha não conseguiu chamar o dela, então ela pediu pra eu chamar no meu celular. Eu mandei o Uber pra casa dela e quando você tá com um Uber na viagem, você não pode chamar outro ao mesmo tempo. Então, eu fiquei esperando 20 minutos até terminar a viagem da minha amiga para poder chamar a minha. Enquanto isso, a rua ficou absolutamente deserta e um cara se aproximou de mim. Um cara muito esquisito, inclusive. Ele se aproximou de mim, eu não me recordo muito do que ele tava falando porque normalmente eu estava um pouco bêbado, mas ele basicamente chegou com algum papo simplesmente para conseguir se aproximar de mim, que eu tinha boa pinta, qualquer coisa assim. E aí, foi conversando comigo e eu fui dando corda para simplesmente conseguir a simpatia dele. E aí, ele foi me me direcionando para um grupo de outras pessoas, outras três, quatro pessoas me cercaram e começaram a conversar comigo e enquanto eles conversavam simplesmente, chamei o meu Uber e começando, tentando manter o mais alto astral possível, mesmo que por dentro eu estivesse morrendo. E aconteceu que eu não sei direito exatamente o que aconteceu, mas eles, aparentemente, foram com a minha cara, o suficiente pra não fazer nada, eu simplesmente suspeitei demais deles, mas a abordagem que eles tiveram comigo de me cercar e me conduzir para algum lugar mais afastado, foi algo que me assustou, levando em conta que o papo deles não tinha absolutamente nada a ver comigo, era simplesmente alguma coisa paralela pra conseguir me me conduzir para outro lugar, mas eu consegui escapar.

Tiago: Não foi esse caso que eles começaram a brigar pra ver quem assaltava você, não?

Luca: Não foi exatamente quem assaltava, eles não usaram esse esse termo. chegou num momento em que os outros, aparentemente, dois deles não eram exatamente amigos do que chegou antes, começaram a discutir pra ver quem é que que ficaria perto de mim, até que um até usou o termo “mas eu já abordei ele antes!”. E foi um negócio esquisito pra caramba, mas no final deu super certo e eu peguei o Uber, passei a viagem inteira tremendo.

Michael: A única história que eu tenho é um dia que eu passei a maior parte da minha adolescência ajudando meu avô na loja dele e um tempo ele saía pra fazer o almoço da minha avó, eu ficava com a loja aberta por mais uma hora e foi assim por mais de um ano, tranquilo, até que um dia tá assim do nada, não tinha ninguém na rua eu tava de boa lá e quando entrou seis moleques, na época eu tinha uns 16 nenhum deles tinha a minha idade, tudo mais novo assim. E o que entrou na frente tava apontando uma arma que era de brinquedo apontada pra mim e eu fiquei meio sem reação. Com certeza era fisicamente mais forte do que ele. Mas atrás dele tinha outros cinco, então. Eu, literalmente, fiquei sem saber como reagia. Até que daí ele deu a voz de assalto e bem, realmente, seis contra um, não ia dar certo, eu tive que aceitar, mas o que foi mais bizarro é que quando eles foram pra parte de trás foram me revistar, o cara que tava me revistando tava tremendo mais do que eu. Você dava pra perceber que era um dos primeiros assaltos que ele tava fazendo e eles não tinham muita experiência e eles estavam morrendo de medo, eles não conseguiram nem amarrar direito, sendo que era uma loja de eletrônico, tinha cabo lá pra caralho. Eles não conseguiram nem me amarrar, eles simplesmente me colocaram dentro do banheiro lá e revistaram a loja o mais rápido que eles conseguiram, saíram de lá em menos de 5 minutos e eu fiquei muito puto depois disso.

Tiago: O prejuízo foi muito alto?

Michael: Não tanto, acho que foi na época uns 4 mil reais em um celular e dinheiro. Eu fiquei puto por ter que ter deixado ele fazerem o assalto, porque se fosse uns três ainda naquela época eu tava de enxotar ele de lá, só que realmente seis guris de 15 anos, com o físico não muito longe do meu, todos eles estavam mais bem vestidos do que eu, dava pra ver que esse cara tava com a intenção de fazer assalto em lugares de mais alto padrão do que eles estavam fazendo ali na hora. E realmente isso ficou muito na cara. E eu fiquei muito puto porque ele seis contra um e não pude fazer nada.

Tiago: A minha terceira história é a mais negativa de todas, porque quando eu tava terminando o ensino médio, eu comecei a fazer estágio lá no próprio IF, eu era técnico de informática do Laboratório de Matemática lá, eu trabalhei dois meses pra comprar o celular à vista, que foi o Nokia Lumia 520 na época e era um celular que eu gostava bastante. Foi a primeira vez que usei um smartphone que tinha o WhatsApp e por aí vai. Em maio de 2014 estava ocorrendo um uma greve de motoristas de ônibus em Goiânia na sexta-feira, até mesmo se não me engano, e tinha uma semana que eu estava começando a trabalhar, tava trabalhando dessa vez nos Correios. E aí, eu resolvi não ir porque não tinha ônibus pra ir. Só que à noite eu resolvi sair, feito um idiota. E eu fui pro ponto de ônibus, não tinha ônibus, eu fiquei mais de uma hora lá parado esperando o ônibus passar. O ônibus não passou, o que que eu fiz? Fui voltar para casa. Quando eu entrei na rua, eu vi uma galera de bicicleta meio estranha. E eu sabia que aquilo ia dar ruim e eu não fiz porcaria nenhuma. Então estava bem perto de casa, mas eu acreditando que meus passos eram rápidos, tava ouvi Echoes, na versão ao vivo do David Gilmor. E aí, ocorreu que, no meio da Echoes, quase chegando em casa, eles me pararam, falando pra eu passar o celular, um tava com uma faca, que tava anunciando voz de  assalto e tinha outro logo atrás dele, falando: “calma, calma”. E aí, eu fui passar o celular, mantive o fone de ouvido, óbvio, que eu não vou passar o fone de ouvido também, né? Já tão levando meu cartão de memória, já tão levando chip e tudo mais.

Luca: É muita avareza mesmo (risos)

Tiago: E aí eu entreguei e eles falaram pra eu passar dinheiro da carteira, tinha 10 reais. Eles pegaram e saíram rindo e zombando de mim. Meu pai ficou muito puto. Na semana seguinte eu comprei o mesmo celular com o cartão do meu pai, e aí eu fiquei com esse Nokia Lumia 520, até hoje eu tenho ele guardado no meio das minhas coisas. E a minha última história ocorreu no final do ano de 2015. Depois que eu fui assaltado dessa vez, eu cheguei à conclusão de que quando você anda muito por aí, você tem que ter dois celulares, um é o celular do bandido. E o celular do bandido, no meu caso, é no celular que um tio meu me deu, que era um Nokia C2-08. Era um celular simples, tinha câmera, tinha a função do fone de ouvido e tudo mais, mas não era um celular com Android, Windows Phone e tudo mais, mas eu continuei usando. Um dia choveu em Goiânia, eu tava voltando das aulas de direção teórica e aí choveu na cidade, tava aquela água, eu consegui escapar da chuva porque eu peguei os ônibus na hora certa, quando eu cheguei no meu ponto tinha acabado de parar de chover, as ruas estavam tranquilas, tava mil maravilhas. Quando eu tô quase chegando em casa, no mesmo ponto que eu fui assaltado outra vez, apareceu dois caras numa moto e só pediu pra passar tudo, carteira e celular, entreguei o celular do bandido e segui meu caminho. O problema é: minha carteira estava cheia de documentos. E eu não tinha dinheiro na carteira, então eles saíram meio que no prejuízo. Logo após isso, uma hora depois que eu já tinha feito o boletim de ocorrência, minha mãe recebe uma ligação no celular dela, uma mulher lá do bairro mesmo que eu moro, que achou um cartão meu da universidade, achou um monte de documentos meus jogados num canto da avenida e ela ligou pra pra universidade pra saber o meu número pessoal, o meu endereço, falou com a minha mãe e me entregou todos os documentos. E isso foi muito legal.

Michael: Só comentando nessa questão de dois celulares. Cara, é incrível como a solução para problemas que não existiam antes, acontece, cara. Literalmente, evolução adaptativa acontecendo direto na sua cara, e você simplesmente vê as pessoas começando a criar uma solução pros problemas. É absurdo, porque a gente tá sendo assaltado e nada convencional resolve. O que que a gente vai fazer? Simples, a gente vai carregar um celular que geralmente não funciona pra dar pro assaltante não roubar o nosso e a gente não perde.

Tiago: É quase um um ato daquela palavra que tá tão em moda que é empatia, sabe? Você sabe que o bandido precisa de um celular, toma aí o seu celular, bandido, é pra você viver (risos).

Michael: Cara, é é uma adaptação à situação que é impressionante, você simplesmente criou uma solução para esse problema. E, realmente, agora é uma questão, isso vai continuar, o que vai fazer quando os bandidos começarem a pedir dois celulares? Não seja idiota de achar que você pode reagir assaltos.

Luca: É exatamente isso.

Michael: Ao menos que você possa reagir ao assalto. Nesse caso, acredite no seu potencial, se você se fuder a gente vai rir. Mas se você não se foder, a gente vai rir de quem te fodeu.

Luca: Não, ainda acho que é melhor simplesmente não reagir e é isso.

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Equipe Introvertendo Escrito por: