Introvertendo 72 – Os Autistas da UFPA

As ações de acessibilidade para pessoas com deficiência ainda engatinham na maioria das universidades brasileiras, mas na Universidade Federal do Pará (UFPA) há equipe especializada até em autismo. Neste episódio, o host Tiago Abreu faz uma conexão à Belém e conversa com a psicopedagoga Rosilene Prado, o monitor Kaio Ferreira e os autistas Alkir Viana (Farmácia) e Pierre Reis (Biotecnologia) sobre a importância de se ter uma universidade acessível e a amizade entre autistas, professores e monitores.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, que é o primeiro podcast do Brasil a trazer autistas em sua equipe de conteúdo pra poder falar sobre autismo. Meu nome é Tiago Abreu, sou host deste podcast e hoje a gente faz uma conexão com Belém do Pará pra poder falar sobre os autistas da Universidade Federal do Pará.

Rosi: Eu sou a professora Rosi Prado, coordeno o setor que acompanha os alunos com autismo na coordenadoria de acessibilidade da Superintendência de Assistência Estudantil da UFPA e sou psicopedagoga.

Kaio: Eu sou o Kaio, curso Matemática e eu sou monitor do nosso projeto da CoAcess.

Pierre: Eu sou o Pierre, faço o curso de Biotecnologia.

Alkir: Eu sou o Alkir, eu faço curso de Farmácia na Federal.

Bloco geral de discussão

Tiago: Primeiro pra fazer um contexto. Quando a gente fala sobre os autistas da UFPA vem de uma viagem relacionada ao Introvertendo que eu fiz, a Belém no mês de setembro, ou seja, há um mês atrás, em que eu pude conhecer o projeto que é relacionado a CoAcess, que é a coordenadoria acessibilidade da Universidade Federal do Pará, que presta assistência a pessoas com deficiência. Dentro da UFPA, você tem a equipe de transtorno do espectro autista e deficiência intelectual, que é gerenciado pela professora Rosilene Prado. E eu queria perguntar pra professora, primeiro, um resumo geral sobre a história dessa equipe. 

Rosi: Esse setor, na realidade, a CoAcess, ela inicia em 2012 como núcleo de inclusão social da UFPA. Naquele momento para atender as políticas para pessoas com deficiência a partir da incrementação da cota na universidade que surgiu em 2011. Em 2012, então, entra o primeiro aluno, cego, na instituição e a universidade precisaria responder a essa demanda. Então, foi aí que surgiu o início.

Em 2016, nesse momento, ele atendia pessoas com deficiência e também alunos indígenas e quilombolas. Após um ano de trabalho, em 2015, nós então elaboramos um documento orientando ao novo reitor, pra que criasse um setor específico para atender as políticas públicas, pra atender as pessoas com deficiência, haja visto que existia também uma outra política, diferenciada pra atender indígenas e quilombolas. 

Pra atender o público com deficiência, ele se tornou Coordenadoria de Acessibilidade, e esse setor precisou ser ligado diretamente ao gabinete da reitoria pra promover, de fato, acessibilidade para essas pessoas no âmbito da UFPA. 

Então hoje a Coordenadoria de Acessibilidade, ela tem o objetivo de implementar ações que garantam inclusão e acessibilidade para todos os alunos com deficiência no âmbito da UFPA.

Dentro da coordenadoria de acessibilidade que é coordenado pela professora Arlete Marinho, existem quatro setores, cada um de acordo com o tipo de deficiência, então tem um setor de deficiência física, setor de deficiência auditiva, setor de deficiência visual e o setor que atende alunos com Transtorno de Espectro Autista e com Deficiência Intelectual.

E esse setor dentro da CoAcess, nós atuamos da seguinte forma: acolhendo, fazendo o primeiro acolhimento desses alunos que podem entrar na instituição pela política de cotas, para pessoas com deficiência, pelas outras cotas (cota cor, cota renda) e também pela ampla concorrência. Sendo que, a única cota que, de fato, eles precisam se identificar e comprovar que fazem jus a essa vaga, é na cota PCD. Então, nas outras formas de acesso de ingresso na instituição, eles podem se identificar ou não. 

A medida que eles são identificados, a equipe, então, passa a fazer o acolhimento, desde o momento que eles vêm, fazer a entrega de documentos na instituição, fazendo orientação para a perícia. E a partir daí, então comprovando que ele faz jus a cota, nós passamos já a fazer o atendimento do aluno e da família, e nesse momento a escuta se dá com o objetivo de conhecer quais são, a história de vida desse aluno, a história de vida escolar, como é que ele chega dentro da universidade, quais são suas habilidades, quais são as suas dificuldades, a partir daí pra nós pensarmos todo um planejamento de atendimento específico pra esse aluno. 

E esse atendimento se dá da seguinte forma: Então primeiro, esse acolhimento do aluno e da família, e é constante até ele sair da universidade, em seguida nós fazemos orientações aos professores e aos colegas de turma. E aqui tem uma observação: nós só podemos entrar na turma pra falar desse aluno com a permissão dele, porque tem alunos que se sentem constrangidos, então a gente só entra… tem o critério, ele precisa estar de acordo pra que nós possamos fazer orientações acerca do autismo e como garantir a eliminação de barreiras. 

A partir daí ele é inserido em vários programas existentes na Superintendência de Assistência Estudantil, como auxílio PCD, que é um valor que ele recebe de R$ 400,00 até o final do curso. Outra bolsa de auxílio é o kit PCD, que ele tem um valor de até R$3.000,00 pra comprar qualquer equipamento que ele necessite pra permanecer no curso. 

Ele é também inserido num programa de monitorias específicas, de acordo com as disciplinas que ele vai tendo dificuldade, nós então contamos com uma rede de monitores das mais diversas áreas, como a matemática, física, química, biologia e de acordo com o curso que ele está, são os alunos em semestres mais avançados que possam ajudar fazendo adaptações junto com a equipe pra que ele possa garantir essa apropriação desse conhecimento. 

Nós também temos um outro tipo de atendimento que é a monitoria psicopedagógica, onde nós contamos com psicólogos e hoje com uma terapeuta ocupacional na equipe, que passa a fazer treinamentos com eles para garantir a eliminação de barreiras, pra treinos de habilidades sociais, treinos de habilidades acadêmicas, que é uma grande dificuldade que nós percebemos entre os nossos alunos autistas. 

E também ele é inserido numa rede de programas dentro da instituição que se ele precisar, isso tem um critério né, pra ser inserido nessa rede que nós chamamos de programa estudante saudável, que é ter acesso a um clínico, a um ginecologista, a um neurologista, um psiquiatra, a um atendimento de psicologia já falando em psicoterapia, que a equipe não faz, mas é encaminhado pra clínica. Então, são aqueles alunos que vêm de famílias de vulnerabilidade, que não têm condições de pagar, né, um profissional particular. Então, esses alunos que caem nesse critério de vulnerabilidade, eles passam a ser inseridos nessa rede. 

Ele também pode ser inserido no programa de línguas estrangeiras. Que ele vai fazer o curso que ele quiser de várias línguas. Ele é inserido num programa para ter acesso à alimentação dentro do RU, sem pagar, que a gente chama de programa taxa zero e ele se alimenta todo dia, almoça e janta, sem pagar nenhum centavo por essa alimentação. Ele tem direito a uma carteirinha PCD dentro da instituição, onde ele não entra em fila pra pegar o alimento dele, ele passa direto e tem acesso nas redes e outros serviços também que nós oferecemos. 

Tiago: Uma coisa que eu preciso também fazer um contexto é que eu conheci vocês por conta de uma reportagem que eu estava produzindo pra Revista Autismo, que vai ao ar em dezembro, então, daqui a dois meses, vocês verão o resultado, que é sobre a questão da quantidade de autistas dentro do ensino superior a partir dos dados que o senso da educação superior do Inep divulga. 

Porque o que acontece? Uma coisa que eu percebia de uma forma muito frequente é que a universidade muitas vezes tinha um número e o Inep divulgava outro. 

Então, por exemplo, no caso do estado do Pará inteiro, quando eu pego, por exemplo, os dados mais recentes do Inep, diz que só tem dois autistas em todo o estado. E aí, eu queria te perguntar, professora, quantos autistas atualmente vocês atendem só na equipe?

Rosi: Só pra contextualizar também, eu fiz uma pesquisa no Inep e o Inep diz que o número de alunos com autismo no ensino superior, hoje são mil e quinhentos, uma coisa assim. Então, na universidade, hoje, a gente precisa fazer uma observação, né, entre alunos que têm laudo e alunos que não têm laudo. Então, esse total hoje, já se configuram vinte e seis alunos autistas sendo atendidos pela nossa equipe. 

Como a cada dia nós fazemos intensas campanhas de esclarecimento sobre o autismo,  tanto dentro da UFPA, como externa a UFPA, esse número vem aumentando, porque as pessoas acabam ouvindo informações acerca do autismo. Eles acabam ouvindo que existe uma equipe e um suporte dentro da instituição e aí eles passam a nos procurar, familiares, alunos, professores ou alunos que conhecem o aluno que acha que é estranho e aí já direciona para o nosso atendimento. 

E a partir desse momento, nós então, fazemos todo o acolhimento e encaminhamos pra rede pra garantir esse laudo e ele passar a ser atendido legalmente pra ter direitos, de acordo com a legislação aos programas existentes dentro da instituição. 

Tiago: Uma coisa que sempre me chamou muito a atenção na época em que eu era estudante da universidade era a questão da evasão, porque sem números específicos, muitas vezes que as universidades não têm, de quantos autistas têm ativos, é muito difícil também saber quantos desistem, quantos deixam. Também tem uma questão de que muitos não procuram os serviços de atendimento. E aí eu queria te perguntar, professora, é isso, se você consegue responder nesse sentido, na sua avaliação, quais são as principais causas de evasão de autistas na universidade? 

Rosi: De acordo com a nossa experiência, dos vinte e seis alunos que nós atendemos, na realidade nós tivemos evasão nesse semestre de três alunos. 

Um porque ele não conseguia avançar, e ele vivia aqui no estado, ele não é do estado do Pará, ele é de um outro estado, e ele vivia sem a família. Então, é muito difícil para uma pessoa autista, que apesar de ser considerado um asperger, mas ainda assim ele sem ter alguém que lhe dê suporte, para além do espaço da UFPA, é muito difícil. 

Então, a família, a gente sempre olhou como sendo um ponto fundamental pra que nos ajudasse nessa tarefa de fazer com que o aluno obtivesse sucesso acadêmico. Um caso foi esse. Então, necessitou voltar pro estado pra que a família acompanhasse, inclusive pra que ele recebesse atendimentos de ordem da saúde. 

O outro caso é de um aluno que estava num curso e foi orientado pela família, também não era daqui de Belém, era do estado do Pará, mas de um outro município, portanto, morava, não sozinho, mas na casa de um outro parente que não tinha tanto contato. E aí, por conta dessa dificuldade, né, de não estar junto da família, ele voltou pro município e lá orientaram pra ele fazer um outro curso que ele tivesse um retorno financeiro melhor. E aí, por conta disso, ele preferiu voltar pro cursinho, se preparar pra tentar essa outra formação. 

E o terceiro caso é porque a aluna teve um laudo já no final do curso e já tava com alguns semestres de muita reprovação, porque não sabia o que ela tinha e quando recebeu o laudo, ela já estava desmotivada e mesmo a equipe fazendo várias adaptações, reunindo com professores, promovendo a dilação de tempo, de formação, de tempo, de curso, de disciplinas, mas a desmotivação dela já era muita, né. E ela preferiu trancar o curso e ainda não retornou. E a gente só pode fazer algo por ela à medida que ela passe de novamente a ser aluna da instituição pra que possamos garantir maiores suportes pra ela. 

Tiago: Certo, agora eu quero perguntar aos dois autistas que estão participando do podcast hoje, uma pergunta assim, bem, bem introdutória. Queria perguntar pra vocês assim, como autistas, quais são os principais pontos positivos de ter um espaço especializado em autismo dentro do contexto da universidade pra vocês? 

Pierre: Olha, no momento, porque eu também não… eu não pago passagem né, e também eu gosto também, digo assim, de fazer amigos, e aí eu me sinto como se eu não fosse conseguir, mas no final, tudo de bom, eu consigo. 

Alkir: Por enquanto, só um ar-condicionado no local pra eu me deitar, porque como não tenho laudo, ainda não tenho isso, mas quando eu tiver, as outras coisas eu te conto como é. 

Rosi: Só pra pra esclarecer a situação do Alkir, né. Então, a partir do momento que ele conheceu a equipe e a família teve conhecimento do serviço, encaminhou pro nosso atendimento, então é um dos casos que tá sendo fechado o laudo. Eu queria estar dizendo, diante das muitas dificuldades dele né, que pra alguns autistas, a questão do local, o ambiente tem muitos ruídos e um ambiente mais frio, porque eles têm muita sensibilidade a ruídos, a calor, isso é fundamental. Então, essas pequenas ações é que fazem com que se dê garantias de direitos, fazendo adaptações pra que eles possam se sentir confortáveis e, de fato, continuar participando das atividades dentro da academia. Então, são coisas que pra algumas pessoas parecem bobas, mas que pra eles é o fundamental.

Eu tenho uma frase de um aluno que eu atendo, que também tá fechando o laudo, e aí, quando eu perguntei pra ele, como é que eu posso lhe ajudar? Essa fala dele me marcou muito, quando ele disse assim: “Me dêem um local com ar condicionado e sem ruído. É tudo que eu quero dentro da universidade”. E isso pra mim foi significativo: o quanto a gente precisa fazer essa escuta. 

Acho que a partir daí sim, ao conviver, conhecer essas pessoas, nas suas singularidades pra promover, de fato, inclusão e acessibilidades pra eles, e em qualquer espaço, não é só dentro da UFPA. 

Tiago: Uma coisa que eu acho bastante interessante é que o projeto, de uma forma geral, abrange o olhar especializado do professor, também envolve o próprio estudante autista e também envolve o pessoal da monitoria, que tá aprendendo, que tá aí entrando nessa, nesse novo universo. E eu queria perguntar pro Kaio. Primeiro, qual era o seu contato com o autismo antes de participar da equipe? 

Kaio: Bom, antes de entrar na equipe eu, eu já ouvi falar sobre autismo antes, mas eu nunca tive um contato em si com o espectro. E logo quando eu entrei, a minha primeira monitoria foi com o Pierre. E foi, tipo assim, eu me senti meio estranho, porque eu nunca tinha dado teoria e foi uma monitora bem diferente com o PR. E eu aprendi aos poucos a ver algumas coisas. Que é, no caso, se eu tô jogando muito conteúdo, assim, em cima deles, e eles não estão entendendo, eles externam isso, e fica bem mais claro. Mas é… eu nunca tive contato antes com o autismo, é uma experiência bacana que eu tô tendo e a maioria dos meus alunos eu crio uma amizade muito boa, tipo o Alkir, né Alkir? O Alkir é um aluno recente meu. 

Tiago: Como é a relação de vocês com os monitores? 

Alkir: Muito boa! Então eu, apesar de tudo, eu quero fazer amigos mas o pessoal não vai muito com a minha cara, então lá, apesar da gente ter aula a gente pode ter alguém pra conversar e eles tão sempre dispostos a nos ajudar, seja como matéria, como num trabalho, então eu gosto muito deles e eu me sinto aceito, me sinto agradável. E a matéria, eles fazem, mesmo as vezes estando difícil, eles dão um jeito pra te entender. 

Pierre: Olha, a minha relação com os monitores é super boa, hein? Principalmente com o Kaio, hein… Gosto muito, a minha relação com eles é muito boa, até a adaptação também!

Tiago: Professora, alguma coisa que eu achei bastante interessante quando eu conheci o projeto de vocês, é que na mesma época vocês estavam organizando o evento, que era o primeiro encontro relacionado à empregabilidade, né, de pessoas com deficiência, com foco em autismo e deficiência intelectual. E autismo e mercado de trabalho é algo bastante complicado né? Como é que foi um pouco esse evento? Faz um resumo pra gente aí de como foi promover essa atividade.

Rosi: Coisa importante dentro do setor é que o setor de Transtorno do Espectro do Autismo e de Deficiência Intelectual, dentro da coordenadoria é o único setor que tem uma relação muito próxima com os familiares e com as ONGs no Estado do Pará. Então a gente, eu participo na realidade de ONGs também, porque eu tenho três pessoas na minha família que são autistas: meu neto e mais dois sobrinhos, inclusive um estuda na universidade. E essa relação com as ONGs é que faz com que a gente escute as necessidades dos alunos e das famílias, e isso é muito importante, porque a gente não fica só com o nosso olhar focado interno na instituição.

Então, o olhar, a escuta, a demanda externa, ela é fundamental. Então, esse setor sempre a coordenadora geral, ela faz essa, essa marca que se diferencia dos outros setores. E essa nossa relação com os familiares é muito pontual, muito próxima com as ONGs. E com outros setores também, dentro da instituição, que hoje tem pesquisadores e professores que têm pensado projetos nesse sentido. 

Então esse evento, ele surge de uma necessidade que primeiro sempre me inquietou enquanto coordenadora de um setor, vendo os meninos ingressarem na instituição e eles sempre me inquietam assim: “Mas pera aí, nós estamos trabalhando pra que eles concluam seus cursos com sucesso, e nós já temos nesses vinte e seis alunos, na realidade no total seriam vinte e sete, porque já teve um aluno formado autista do curso de multimídia e naquele momento que ele tinha muita dificuldade de formar, pra ele finalizar eu precisei pensar uma ajuda pra ele finalizar o curso, e ele queria muito uma área que não tava na graduação, estava na pós. E aí eu fui mediando essa relação e ele concluiu o curso e naquele momento nós demos todo o suporte pra ele se inscrever e cursar essa pós-graduação, inclusive fora da UFPA. 

Pois bem, outros alunos estão se formando esse ano. E aí eu sempre me inquietei… pera aí,  eu conhecendo as habilidades deles, eu sempre me perguntei: “mas quando sair da universidade, o que vai acontecer? O que é preciso fazer pra que de fato o mercado absorva essas pessoas que estão saindo com habilidades específicas daqui dentro das suas áreas de formação?” E durante uma conversa com alguns pais, nós nos reunimos e os pais estavam também preocupados com essa questão. E foi quando nós pensamos no evento, vamos reunir então empresários, as instituições dentro do estado, principalmente os cinco S (SENAI, SENAC, SEBRAE, SEST SENAT), e ver que propostas eles têm pra absorver esse público no Estado do Pará. 

E nós soubemos de uma experiência de um pai que criou uma instituição fora do país e que existia um escritório no Brasil, precisamente em São Paulo, que era a Specialisterne. E uma das representantes de uma das ONGs, entrou em contato e trouxe a ideia: “Olha eu tô fazendo contato, ele topa vir pra cá, pro Pará, e vir discutir com a gente essas questões!” Pois bem, então nós organizamos o evento, fizemos contato com algumas instituições, algumas empresas e os cinco S que era o nosso objetivo e mais o Governo do Estado, pra que eles se comprometessem tanto com a formação, porque alguns deles tem cursos de formação pra pessoas, e a gente queria saber e pras pessoas autistas, como é que tá essa formação? Que propostas vocês tem para esse público? 

Porque nós já sabíamos que as empresas por ter aquela cota que eles necessitam atender, pra ingressar, incluir pessoas com deficiência, nós já sabíamos que assim, não por algo pesquisado, mas assim, por alto entre os familiares, nós já sabíamos que quem mais ingressa, são alunos, pessoas com deficiência física, surdo, cegos, e que é uma fala assim, “ah, mas manda o menos problemático”. E aí, nós percebemos, peraí, mas não tem autista então, entrando no mercado de trabalho, não tem pessoa com deficiência intelectual! 

Então, nós reunimos e vamos fazer o evento pra cobrar políticas públicas do estado e das empresas se comprometendo em garantir a inclusão, né, e a contratação dessas pessoas e também uma outra coisa que nos preocupava era a formação. 

Quando eles oferecem, né, esses cursos de formação para essas empresas, quem é que está fazendo essa formação? Esses professores, eles estão preparados pra ter nesse grupo de alunos, pessoas com autismo? E ao formar, eles têm um uma rede de empresas, de setores que absorvam essas pessoas e nós então descobrimos que em relação aos autistas e as pessoas com deficiência intelectual, não existia ainda todo esse profissional capacitado e essa rede já pensada pra receber essas pessoas. 

E esse foi o grande objetivo do evento. Então, trazer essa pauta pra discussão e mais do que discussão, que nós pudéssemos refletir em conjuntos familiares, os diretores das organizações, e as instituições formadoras, pra que se pensasse em políticas que garantissem essa inclusão e acessibilidade. E o que é legal, é que saiu um documento que vai ser entregue pro governo do estado e saiu algumas instituições se comprometendo. 

E na realidade, Tiago, essa mini-inquietação, ela me levou a pensar na realidade, um tema que eu pretendo desenvolver no meu doutorado. Porque quando nós conversamos com um dos diretores, ele apresentava as propostas de acesso pra os alunos autistas e com deficiência intelectual no mercado de trabalho, eles sempre pensa os trabalhos lá básicos. Ah, pra ser padeiro, pra ser confeiteiro. E eu dizia, gente, mas nós temos alunos pessoas autistas na universidade, que vão sair com uma formação na área da engenharia, da matemática, da psicologia, da farmácia, da biotecnologia. São vinte seis diferente. E aí eu queria saber onde eles vão ser  acolhidos, recebidos e por qual empresa. E quando chegar nesses espaços as pessoas que vão trabalhar com eles estão preparadas pra fazer adaptações na relação e no ambiente de trabalho? Então, essa é a grande discussão que a gente tá travando, querendo que saiam ações práticas. Que saiam compromissos, que esses meninos ao saírem da UFPA, eles saiam sendo contratados, mas para lugares que realmente vá fazer com que eles sejam incluídos. 

Tiago: Certo, pra fechar eu acho muito interessante que algumas dessas relações, dentro de todo o projeto extrapolaram a questão institucional e viraram relações de amizade. E eu queria que vocês contassem uma história divertida ou engraçada envolvendo vocês. 

Alkir: Ah, uma vez, veio um amigo de Goiás aqui, aí falaram pra gente conhecer o ponto turístico. Na verdade, pra ele conhecer, porque eu, eu, apesar de estar aqui, eu não conheço todos. Aí falaram que tinha o mangal das gatas e a basílica. Acabou que foi uma grande mentira. 

E foi comigo o Lucas, o Kaio, a pessoa X aí de Goiás que eu não vou falar quem é, mas começa com T e termina com A.

E fomos, e primeiramente, o senso de direção do Kaio é horrível e ele fez a gente se perder, porque era pra gente ir pro centro e a gente foi parar lá no Tribunal de Contas que era o caminho inverso. E tava muito quente. A gente fez umas entregas, acabou que a gente foi vará no Shopping. E tava todo mundo junto, todo mundo com fome, e a maioria é liso. Só o rapaz lá de Goiás tava com uma graninha lá, subiu aí pra lanchar, subiu pra dar uma lanchada lá. Aí, aí o senhor, o senhor Kaio foi lá fazer o pano dele ostentando as gigas de memória dele. 

Aí, a gente ficou conversando, aí na hora bateu uma sede, a gente pediu o copo do indivíduo lá e foi tomar um pouco de refri. Aí, conversando lá, o Lucas tava meio tímido, aí eu comi uma esfiha, aí ele ficou pensando se comia ou não comia.

Aí a gente ficou lá esperando o Kaio voltar, e o Kaio voltou. Aí a gente sentou lá e tocou um bregão, a gente quis que tocasse Calcinha Preta. Tipo… o nível de amizade já… acabou… e o Kaio sentou. Aí eu pedi pra tomar uma Pepsi limão e o Lucas entendeu que era pra botar Pepsi e Soda dentro do negócio. Aí ele foi, meio desconfiado, e quando ele voltou, abriu e o rapaz de Goiás derramou o refrigerante no Kaio. Ele voltou todo molhadinho… esses momentos que são impagáveis na vida da gente. Depois de vinte copos de refrigerante, o gerente tava quase pra dar um socão na gente, mas a melhor parte foi depois que o Kaio comprou as esfirras, a gente foi comer no terminal depois de tomar um banho de refrigerante.

Depois de tomar um banho, aí a gente foi lá pra praça pra começar a falar sobre coisas aleatórias. E naquela época, o contato foi um uma semana, pra tu ver que as monitorias, elas vão muito além do que só aqui. É uma, é uma amizade sincera, a pessoa está lá porque gosta. 

E eu acho que a gente aprende a conversar e fazer contato, eles aprendem também a vencer alguns preconceitos e também mostrar pra sociedade que a gente é como qualquer pessoa, só temos nossas particularidades. 

Alkir: Esse aqui é meu amigo Pierre, eu vou contar por ele: O aniversário dele foi, acho que foi dia trinta, não foi? 

Pierre: Foi, dia trinta. Aliás, comeram o meu bolo de maracujá inteirinho!

Alkir: Xí, tu já deu o Spoiler aí, da história. Pois é, aí foi dia 30… Aí teve uma semana que a UFPA  não estava funcionando. Aí voltamos, a professora Rosi teve a ideia de fazer uma festinha pra ele ontem, que foi dia oito, aí tava todo mundo esperando o Pierre, acabou que ele não veio nesse dia. Aí ele não veio nesse dia, aí tava o bolo lá, aí eu tava fazendo um trabalho, aí quando eu cheguei, eu vejo o senhor Kaio e o Gabriel, que é outro autista lá, se empapando no bolo, eu falei, “bonito né, esqueceram de mim”! 

E acabou que comemos o bolo. Aí o Pierre chega hoje, aí conto essa notícia fatídica pra ele e a conclusão é que comeram o bolo dele todinho.

Pierre: Mas não tinha problema não porque também tinha o de abacate lá em casa. 

Alkir: Viu? Esquece do amigo e não traz!

Tiago: Pessoal, muito obrigado pela participação nesse episódio. Queria informar que agora vai ter alguns episódios de vez em quando com o pessoal da UFPA, então, se você quiser acompanhar o projeto deles e também todas as novidades, acompanhe o Introvertendo e a professora Rosi também vai, vai dar aí todos os detalhes. 

Rosi: Para acompanhar os nossos trabalhos, vocês podem entrar na página da UFPA. Na realidade, principalmente, na página da coordenadoria de acessibilidade, que é CoAcess. E aí, passa a ter todas as informações do que nós fazemos, né, dentro do setor. E é isso.

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