Introvertendo 63 – O Autismo no Censo

Um dos temas mais polêmicos em torno do Governo Federal nos últimos meses, o autismo entrou no Censo 2020 mesmo com as reduções e cortes ocorridos no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este episódio faz um percurso nestas tensões, que envolvem organizações de direitos dos autistas, personalidades midiáticas como Marcos Mion e figuras políticas como Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro.

Participam desse episódio Luca Nolasco, Otavio Crosara, Paulo Alarcón, Tiago Abreu e nosso colaborador ilustre Willian Chimura.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você que acompanha o podcast Introvertendo, que é o maior podcast brasileiro sobre autismo, e o primeiro a ser formado exclusivamente por autistas. Meu nome é Tiago Abreu, sou host deste podcast, que todas às sextas-feiras traz episódios para vocês, e hoje nós vamos falar sobre um tema muito quente, muito polêmico, e muito complexo, que é sobre o autismo no Censo.

Otávio: Meu nome é Otavio eu sou co-fundador do Introvertendo, e estou aqui para dar uma outra perspectiva ao episódio.

Paulo: Oi pessoal, aqui é o Paulo Alarcón, e eu não represento o senso comum.

Luca: Oi gente eu sou o Luca, e eu não tenho nenhum trocadilho desta vez.

Willian: Eu sou Willian Chimura, eu tenho um canal no YouTube chamado Um Canal Sobre Autismo, eu faço mestrado em  informática para educação, então sempre tento trazer alguma perspectiva científica de alguma forma para os episódios aqui do Introvertendo. E também já tô gravando uma boa quantidade de episódios junto com vocês aqui, é sempre um prazer estar aqui.

Tiago: É, tem aquele conceito do “Quinto Beatle“, quando se fala dos Beatles, e eu acho que o nono integrante do podcast é você e o Pedro Henrique Quiste, né, vocês já são membros honorários do Introvertendo.

Willian: É, faz sentido, faz sentido. 

Bloco geral de discussão

Tiago: Eu acho que a gente pode dizer com muita tranquilidade que a temática do Censo e o autismo é um dos pontos altos em termos de polêmicas relacionadas a atual gestão do governo federal presidido pelo Presidente da República Jair Bolsonaro e, diante dessas tensões, antes de a gente falar propriamente da questão do autismo no Censo, é importante fazer um plano de fundo com relação ao Censo Demográfico do Brasil, que atualmente é promovido pelo IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O primeiro Censo que a gente teve no Brasil foi de 1872, mas o IBGE como instituição só foi fundado em 1936. Antes do IBGE ser criado em 1936 nós tivemos 4 Censos. O primeiro foi de 1872, que foi o único Censo durante o período do Império Brasileiro, e também o único durante o regime de escravidão. Então esse Censo ele é o exclusivo que traz informações por exemplo de quantas pessoas escravizadas haviam no Brasil. E aí, tiveram outros levantamentos, em 1890,1900, e 1920. Assim que o IBGE entrou em cena, digamos que o processo foi profissionalizado. Apesar das tensões de governo, que se formos lembrar bem,  tivemos duas ditaduras; a ditadura do ex-presidente Getúlio Vargas, e a ditadura dos cinco governos militares, mas apesar desses regimes um pouco complexos e complicados, o Censo avançou em todas as categorias, especialmente durante a década de 80, em que o processo começou a ser informatizado. Com exceção do censo de 1991, que atrasou em um ano por uma série de questões, e que também coincidiu com a nova capital do Brasil, que era a cidade de Palmas, que virou capital do Estado do Tocantins, e que foi criado também durante aquele período. O censo de 2010, se não me falha a memória foi o primeiro totalmente digital.

Paulo: Eu trabalhei nesse Censo.

Tiago: E de lá para cá, além de melhorar a estrutura e a quantidade de profissionais envolvidos, também aumentou a quantidade de perguntas, até nós chegarmos a esse cenário do Censo 2020, o polêmico Censo 2020 que tem menos perguntas do que o que era previamente preparado desde 2015, que é o ano que eles começam a trabalhar no Censo.

Luca: Paulo, foi você que disse que participou do Censo?

Paulo: Sim, eu participei do Censo 2010 como um recenseador.

Tiago: Como foi a sua experiência? Conta aí.

Paulo: Bom, foi uma terapia de choque para mim, mas que fez eu criar um script de como me portar nas residências, então sempre abordava as pessoas da mesma maneira, com o mesmo script do que falar. E teve coisas curiosas, tipo o dia que eu fui entrevistar dois caras que estavam fumando maconha e ficaram tirando sarro da minha cara. Mas a receptividade no geral das foi boa, só que as pessoas achavam que eu tinha algum poder dentro das instituições públicas, então teve muita casa de gente denunciando lugar com foco de dengue, esse tipo de coisa.

Otávio: Ninguém sabe como é que funciona o poder público, meu Deus do céu.

Paulo: Eu estava lá só para fazer as perguntas, mas as pessoas achavam que eu podia chamar a polícia. O Censo de 2010, ele foi o primeiro Censo  totalmente informatizado, então aquele ano a gente recebeu, não era nem smartphone, era uma espécie de computador de mão, era o Palmtop né, da LG. A gente ficava anotando as perguntas e respostas com a canetinha. Aí basicamente ele vinha liberado só com um aplicativo né, que era o aplicativo do Censo. Ele rodava o Windows Mobile, por incrível que pareça, e basicamente a pergunta já vinha no aplicativo e ele também já havia sorteado as casas que caíram com aquele caso da pesquisa do PNAD, pesquisa por amostragem, etc. Também acontecia que o computador de mão tinha GPS e ele mostrava exatamente qual que é a rua. E aí no processo de preparação para o Censo, ele começa aproximadamente 1 ano antes dele. Os primeiros concursos acontecem nessa fase que é para contratar o pessoal que vai fazer a parte mais gerencial do Censo de cada região. Aí a segunda fase eles contratam o pessoal que vai ficar mais de suporte aos recenseadores, que é a galera que vai fazer as perguntas, que deve acontecer eu acho uns oito meses antes do Censo, e aí de seis a quatro meses antes, vem o concurso para recenseador, que no caso é o último. E aí por volta de um mês e meio antes do Censo que vem a fase de treinamento para ser recenseador, aí caíram algumas perguntas de conhecimentos gerais e tal, e eu passei por um treinamento de qual a forma como como o recenseador tem que se portar, né? Então, o processo de treinamento é basicamente como responder as perguntas, como também se localizar no aplicativo, acessar e operar o aplicativo no geral; como orientar as pessoas para responderem as perguntas… Uma coisa que é muito importante frisar, é que o recenseador não pode de jeito nenhum afetar a resposta da pessoa. Uma coisa que acontecia, por exemplo, uma questão que dava muita discussão, era a questão de cor de pele. É uma questão simples, mas o que mais tinha era a gente que falava, ‘ah, não sei qual que é a minha cor de pele, responde aí você!’, sabe? Pode apresentar as opções pras pessoas, mas a resposta sempre a cargo do indivíduo que está sendo pesquisado. E o treinamento não é muito profundo não, sinceramente, são duas semanas de treinamento e a gente já tá pronto pra ir pra rua. 

Willian: Você saberia dizer alguma diferença entre o treinamento que os recenseadores do Censo recebem em comparação ao PNAD? Quais são as diferenças do treinamento que os especialistas do PNAD recebem? Como a presidente do IBGE escolhe especialistas, aliás, pesquisadores, né? Perdão. Sabia que a diferenciaria ou você não chegou a saber?

Paulo: Não, não cheguei a ter contato com PNAD, na verdade, tinha parte da pesquisa que entravam nessa questão do PNAD, que é a pesquisa estendida, mas a minha não foi essa pesquisa, foi o treinamento padrão, né? Na verdade todo recenseador podia cair nessa pesquisa algumas vezes. É coisa de tipo dez por cento dos domicílios passam pela pesquisa estendida.

Tiago: Pra gente falar sobre autismo, é importante também falar sobre os avanços na legislação que teve com relação ao autismo. Nós vivenciamos uma década que passaram quatro presidentes, são períodos bastante diferentes, tanto da forma de gestão, quanto também das discussões que foram tomadas. Do governo Lula até que a gente não teve tanta, pelo menos, de 2010 pra cá, que foi o final do governo deles, não teve muita discussão, mas durante o governo Dilma foi sancionada a lei Berenice Piana, que eu acho o grande marco com relação às legislações e discussões públicas com relação ao autismo. E foi a partir da lei Berenice Piana que a gente tem também um pouco do argumento da importância de se ter o autismo no Censo, porque foi a partir da lei que o autismo foi classificado como uma deficiência, considerando que todas as deficiências de forma geral estão abarcadas, então havia essa necessidade do autismo. E o que aconteceu? Em 2018, no dia 18 de junho, foi comemorado o Dia Mundial do Orgulho Autista, né? Que é comemorado todo ano, e ocorreu uma audiência pública em Brasília, presidida pelo senador Paulo Paim, que é do Partido dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul, e nessa época ele tinha um projeto de lei que fazia uma alteração nessa lei, que tinha a intenção de se tornar obrigatória a criação de centros de saúde, referência do SUS com relação a autistas, que é uma luta que organizações estão promovendo há um bom tempo. Além disso, em 2016 tinha um projeto de lei de número 6575 da Deputada Federal Carmen Zanotto, do PPS de Santa Catarina, que ela usava esse argumento da lei Berenice Piana, classificar o autismo para poder incluir nas coletas de dados no Censo. Os principais pontos de tensão com relação aos movimentos foi com os governos de direita com o discurso de que era muito em cima da hora pra incluir o autismo no Censo.

Luca: É, vale lembrar que pelo fato de ter sido proposto em 2016, haveria sim bastante tempo para discussão, inclusive para ser adotar ao censo de 2020, né? 

Otávio: A ideia era que para o Censo de 2020 houvessem 112 questões, mas por questões monetárias, eles estão querendo baixar pra 77. Isso é uma diminuição de quase um terço. Vocês saberiam dizer se essa diminuição, ela teria uma redução significativa de custo?

Paulo: O maior custo dos Censos é a contratação de recenseadores e equipamentos. Como o Censo agora é automatizado, informatizado, todo recenseador tem que ter um computador de mão, provavelmente no próximo, vai ser um smartphone já. Com a redução de recursos, a redução de perguntas no Censo vai reduzir também o tempo em que cada recenseador passa em uma casa. Então, eles vão poder associar regiões maiores a cada recenseador. E também o pagamento é feito por produtividade. Então, quanto mais casas se entrevista, melhor. 

Tiago: Pra gente começar a realmente adentrar na treta, digamos assim, a gente precisa falar do Ministro da Economia Paulo Guedes, que durante uma entrevista na Globo News manifestou claramente ser defensor de cortes no Censo. E ele fez uma crítica ao tamanho da pesquisa,. Ele diz que eram muitas perguntas, e que algumas não provocavam interesse do governo brasileiro, né? Com relação a intenção da pergunta, eu vou falar aqui um pouco das citações que ele falou durante essa entrevista. Ele disse o seguinte, “o Brasil é um país pobre, e tem muita coisa que do nosso ponto de vista, do Governo Federal, que não é tão importante.” Aí quem estava ali entrevistando ele era a Miriam Leitão, né? Que já tem uma relação com o Governo um pouco tempestuosa. Ela perguntou se seria uma forma de intervir na ação do IBGE, e ele respondeu, que “não é intervenção, nós não estamos dizendo nada”, aí ele cita ‘a moça’, né? Que é a Suzana Guerra, que gravou aquele vídeo, mais tarde, disse que precisava de 2,7 bilhões pra fazer o Censo que sempre foi feito. Continua ele, “Eu disse, não tenho esse dinheiro, não vou dar. ‘Ah, mas não vamos ficar sem Censo?’ Não, faz o que quiser pra baixar esse custo. Engraçado é que se a empresa fosse privada como Ibope e estivesse com dificuldade, a pesquisa correria e ninguém falaria em intervenção.” Então, foi essa a resposta que o Ministro da Economia Paulo Guedes deu.

Luca: Pra uma pessoa comum que as vezes não tem tanto conhecimento sobre essa questão. Vocês  acreditam que quais seriam as consequências diretas de um encolhimento do Censo?

Otávio: Levaria a uma diminuição de informações colhidas. E posturas políticas que poderiam se beneficiar do Censo? Caso tivessem as perguntas inerentes a elas cortadas? Isso atrapalha bastante, sabe?

Tiago: É, eu acho que a coisa que mais preocupa com relação a fala do Paulo Guedes, é porque ele fala assim, que muita coisa do nosso ponto de vista que não é importante, ou seja, do ponto de vista de um governo que vai ficar durante quatro anos numa gestão, né. Tem gente que pensa que que a política é apenas feita por algumas pessoas, ela é feita por muitos humanos. Então, eu acho que é uma forma muito personalista de você pensar, sobre uma pesquisa que é de mais de um século, que é o próprio Censo.

Luca: Sim.

Otávio: Na minha opinião, parece que o Paulo Guedes, ele está julgando o Censo do mesmo jeito que julga qualquer outra política pública. Ele tá jogando de uma perspectiva puramente ideológica. Pra ele o Censo é facultativo, ou exagerado porque é público, sabe? Tanto que ele mencionou o Ibope.

Paulo: O ideal era ter bastante pergunta no Censo, até porque ele mostra o retrato, é o único tecido que tem o dados absolutos, uma questão que eu acho só é a parte de gastos mesmo que eu tinha, é que o Governo brasileiro, o Estado brasileiro está quebrado, né?

Otávio: É, isso é verdade. Talvez assim  a visão que ele é cortar os gastos por isso, é cortar o Censo por isso, mas eu não vejo que esse é o raciocínio dele, parece que o ranking dele é puramente ideológico, sabe? E mesmo que seja necessário vai ser um retrocesso considerável.

Paulo: Mas eu acho que é outra coisa também. O Censo dessa vez, ele poderia ser de onde os dados seriam extraídos mais rápido e com menor custo, por causa de toda a evolução tecnológica que a gente já teve em Data Science que é a chave pra isso. Então, o que a gente poderia ter de rede neural processando dados a um custo baixíssimo…

Willian: É, meu entender dessa fala do Paulo Guedes, na verdade, pelo menos na minha interpretação, é que eu vejo que ele chuta aqui. Fala que, “ah, tem mais de 300 perguntas no Censo”, mas na verdade você só tem 150 aqui. Segundo a matéria do Globo. Então, eu vejo que na perspectiva do Guedes é mais sobre a questão da Suzana, né? Que é a presidente do IBGE disse a ele “Eu preciso de 2,7 bilhões pra fazer o Censo”. E aí o Paulo Guedes frente a isso fala, “Eu não tenho, não vou te dar esse dinheiro e te vira, tira pergunta aí dos questionários enfim, de alguma forma”. Talvez reduza o custo, mas eu vejo que nessa situação específica, isso é a opinião leiga do próprio Paulo Guedes sobre isso. Por mais que está sugerindo pra ela cortar perguntas do questionário para diminuir o custo, talvez isso não seria uma redução expressiva, tanto é que ele fala ali, “Sei lá, vende prédio, faz qualquer coisa aí, mas de alguma forma você tem que ter esse dinheiro, e a gente não vai te dar”. 

Paulo: Tem várias formas na verdade a gente reduzir custos, né? Que poderiam ser, por exemplo, comprar equipamentos mais baratos, então, sei lá, ao invés de comprar um smartphone LG, igual foi da outra vez, comprar um Xiaomi. Outra coisa que poderia ser feita, talvez contratar menos pessoas e aumentar o período do Censo.

(inserção de entrevista com o Ministro da Economia) 

Repórter: Ministro, vai ter intervenção no Censo e no IBGE?

Ministro Paulo Guedes: Não, intervenção, de jeito nenhum. A moça que tá lá é extraordinária, bem formada, Suzana, veio desde fora, a pessoa assim…

Repórter: O Censo será diminuído? 

Ministro: O Censo será diminuído por uma questão econômica, né? Porque o que que aconteceu com o Censo dos países mais avançados do mundo tem dez perguntas, doze perguntas.

Tiago: Mas gente, só pra gente não divagar muito sobre essa questão do Paulo Guedes, é importante a gente falar que no mesmo momento em que o próprio governo Jair Bolsonaro, mesmo antes de tomar posse, já pensava em reduzir gastos, diminuir a máquina do Estado. Você tinha essa essa esse projeto da deputada Carmem, que passou na comissão e que foi pro Senado. Qual que é a questão quando chegou no Senado? Lá você já tinha uma série de tensões relacionadas ao próprio Ministro da Economia, que indicava que os Senadores não iam ser favoráveis à inclusão do autismo no Censo. Esse projeto não ia ser aprovado. O IBGE alegava naquele momento, se não me engano, em fevereiro ou março, ou seja relativamente recente, que não tinha como incluir o autismo no Censo. No dia 2 de julho, considerando esse cenário que já era bastante desfavorável, várias entidades, organizações formadas por pais de autistas começaram a ir em Brasília para pressioná-los para aprovar esse projeto. E aí esse movimento, essa manifestação em específica foi encabeçada pelo movimento Orgulho Autista Brasil, que eu acho que hoje é a organização de pais mais influente a nível nacional, também com a participação de outras organizações, outras entidades que tiveram a participação menor, que são ligadas ao MOAB e que não tiveram os seus nomes assim divulgados também entre a imprensa. É importante falar que essas organizações, inclusive teve uma de Goiânia que esteve lá, que foi a FAG e aí eles conversaram, senadores apresentaram a pauta, alguns foram até com autistas junto, e aí eles fizeram muita pressão, o projeto foi aprovado ainda em julho e passou pra pra ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. É importante falar que o MOAB teve uma participação muito considerável nisso, porque a gente tem muitas associações, muitas organizações de autismo, sejam formada por pais, algumas formadas por autistas e etc, mas a organização que de certa forma puxou muito esse tema por causa de abrangência nacional, pela estrutura, foi MOAB, e eles lançaram uma nota bem mais recente, mas que também acabou entrando bastante nessa discussão, que é o Capricha na Inclusão. Acho que o Willian consegue falar melhor sobre isso.

Willian: É, o Capricha na Inclusão realmente é um movimento mais recente, e ele surge com esse principal objetivo de trazer essas pautas pro governo de um compromisso com o MEC especificamente para se compilar uma lista de práticas baseadas em evidências que podem ser tomadas ali em contextos escolares e na própria inclusão mesmo escolar, como o próprio nome do movimento diz. E também um outro ponto importante que a gente pede para que sempre seja mencionada é uma questão sobre tratamentos, ou seja lá qual for a intervenção. Frente a um tratamento A, que tem evidências versus um tratamento B que não tenha evidência científicas. Que aí você poderia consultar na própria lista do MEC e também do movimento. Essa reivindicação é de preferência para os tratamentos sempre que tem evidências, então o movimento Capricha na Inclusão surge por conta disso. Mas é claro, também é um movimento que consiste pais, pesquisadores, enfim, autistas também como eu. Eu me considero também parte desse movimento, apesar de não estar presente em Brasília, nessa situação específica. O Censo, querendo ou não, é um dado extremamente importante pra você conseguir articular e ter argumentos pra você conseguir esse tipo de reivindicação. Então, por isso, juntamente com o objetivo do original do Capricha na Inclusão, essa questão do Censo é importantíssima também ao meu entender. 

Tiago: No início de julho, antes dessa manifestação propriamente dita que ocorreu lá em Brasília, se não me engano foi um dia antes, eu publiquei um texto nas redes Introvertendo, falando que a gente não tem dados atualizados de quantos autistas há no Brasil. A gente geralmente fala da estimativa dos 2 milhões baseadas no nos dados do CDC que falam que provavelmente existe um autista a cada 110 pessoas no mundo. A gente só teve um estudo de prevalência no Brasil, em 2011, que foi feito por pesquisadores em um bairro no município de Atibaia, em São Paulo, e pesquisa é extremamente limitada, mas é a única que a gente teve de em termos de estudo de prevalência foi atestado a quantidade de um autista para cada 367 crianças. Então, a legislação avançou. A gente teve a lei Berenice Piana, a gente teve aí esses projetos de lei que que tem estendido os direitos, tanto das pessoas que são diagnosticadas, quanto das famílias. E aí a principal intenção com relação a incluir autismo no Censo é porque a pesquisa do Censo é uma quantitativa, ela não é qualitativa. Também com base a falta desses dados, a gente trabalha sempre com essa estimativa dos 2 milhões, mas que é um número que provavelmente tá fora da realidade, tanto para mais ou para menos isso, dependendo da gente levar encontro sub-diagnósticos ou não. Mas ao mesmo tempo, diante desse cenário, a gente também teve pessoas dentro da comunidade que estavam receosas com a inclusão do autismo no Censo. E aí, eu falo tanto de pais, quanto de alguns autistas ativistas, que usaram, principalmente o argumento do diagnóstico pra poder falar de que os números podem ser muito menores do que a realidade. E aí, eu vou falar minha opinião pessoal, tá? Com relação a isso a gente pode entrar aqui e discutir com relação às pessoas que se manifestaram publicamente a isso, mas eu penso que pra gente falar de sub-diagnóstico, a gente precisa de dados comparativos. Então, vamos supor que em 2030 os critérios de diagnóstico estejam mais eficientes, né, eu falo do ponto de vista prático e que no futuro a gente tenha uma população com condições para ter um diagnóstico, porque gente sabe que diagnóstico aqui no Brasil é caro. A gente precisa dos dados de 2020 pra gente fazer o comparativo a 2030, sabe? Então, eu acho que até pra falar sobre diagnóstico é importante. Qual que é a preocupação, então, dessas pessoas eu acho, é que com o número do Censo menor do que os 2  milhões  que geralmente são estimados, o autismo saia da prioridade das políticas públicas.

Willian: O modelo mais científico de se fazer essa pesquisa certamente seria desejável. Uma pesquisa sobre os moldes epidemiológicos mesmo. Mas o ponto é que também muito que se defende sobre a vitória do do autismo do Censo, é que é uma maneira que os movimentos encontraram através de força democrática. Porque, fora o censo, por exemplo, vamos supor que digam: “Não vamos, o Censo não serve pra gente, vamos aceitar apenas alguma pesquisa de rigor e tudo mais” ou algo do tipo. Então, isso poderia já ter sido feito também. Mas ao mesmo tempo não foi da mesma forma, o Censo também já poderia ter incluído autismo antes, né?

Paulo: Eu acho até um pouco que tá sendo superestimado é de quão bem fará a inclusão do autismo porque no Censo, porque a gente não sabe nem quais perguntas serão feitas ainda. E quão profundas elas serão, e por ser uma coisa que até a instituição não tava querendo, é bem provável que façam perguntas às coxas que não é realmente muita informação sobre autismo.

Luca: Eu vou ter que discordar do Paulo, mas não completamente. De uma perspectiva histórica, e talvez até jornalística, talvez seja de fato de grande interesse que tenham sim perguntas sobre autismo no Censo, porque ao analisar o Censo quando você já tem dados de quatro ou de cinco, você consegue perceber que uma estabilização do número de autistas ou um crescimento fora do comum. E não quer dizer que nesse caso o número de pessoas atiças cresceu, mas talvez o número de diagnósticos. Então, isso é um grande sinalizador de que os métodos usados para os diagnósticos estão melhorando ou até que o atendimento psiquiátrico ou acesso psiquiátrico que tem no Brasil talvez seja melhor. Então, de uma perspectiva histórica, é de grande interesse que tenha, mas de uma perspectiva imediata talvez nem tanto. E por isso que eu acho que é necessário ter o autismo intenso o quanto antes pra manter esse padrão de sempre se ter exatamente pra gente ter ao que se comparar isso.

Willian: É que também tem uma, existe comparação que a gente já pode fazer agora, que é a estimativa do que a gente tem hoje, versus o que a gente vai ter no Censo 2020, mesmo sendo um único Censo, né? Que o que que a gente tem hoje? A gente não tem nada.

Otávio: Isso já é uma curiosidade, nós estamos falando sobre superestimar, subestimar números. Alguém que tem uma ideia se em 2010 teve perguntas sobre transgêneros?

Luca: Não, 2010 tiveram perguntas sobre casais homossexuais, esse foi o máximo que abrange o tema LGBT até onde eu vi.

Otávio: Eles tem uma presença midiática maior que a nossa.

Luca: Talvez, só que ele também tem uma estigmatização muito presente. Então, infelizmente acaba que institucionalmente, é muito difícil que sejam aceitos.

Tiago: A pauta do autismo, de certa forma, ela agrada muito mais políticos de diferentes  partes do espectro, porque ela é uma temática que envolve certo assistencialismo, sabe?

Otávio: Sim, com certeza.

(trecho de entrevista com Suzana Cordeiro Guerra, Presidente do IBGE)

Suzana: Nós do IBGE gostaríamos de explicar que o Censo não é a pesquisa adequada para se levantar o número de autistas do Brasil.

Willian: Então, também frente à sinalização, né, sinalizações através do Twitter do Bolsonaro, também conhecido pelo próprio Bolsonaro como Diário Oficial. Esses conflitos levantaram algumas tensões, especialmente por parte do dos movimentos, que fizeram tanta pressão ali no congresso sobre essa sinalizações de veto, de um possível veto do presidente e frente a isso. O IBGE, através do twitter deles comunica que a presidente do órgão, Suzana Cordeiro Guerra, fala em um vídeo que: “O autismo merece uma atenção especial, né? Essa questão da autismo merece uma um pouco mais profunda”, e por conta disso, não deveria ser feita através do Censo, mas sim que deveria ser feito através do PNAD, que é um outro tipo de pesquisa que o IBGE também faz, mas nem de perto com a abrangência tão grande, né? Na verdade, PNAD ele só atinge capitais, né? Então, ele tem uma amostragem muito menor do que Censo, e segundo a própria presidente, o motivo para isso seria que se caso “o autismo fosse feito através do Censo, o número seria subestimado por conta que do fato de que os recenseadores são treinados em pouquíssimos dias, então eles não teriam essa capacidade de adequadamente identificar essa questão do autismo”, como as próprias palavras dela dizem aqui, em alguns trechos frente a isso, né? Claro, surgem essas questões pela comunidade do autismo. A gente sabe quão é difícil às vezes de você ser diagnosticado, né? E eu, por exemplo, passei minha vida inteira, anos sem ser diagnosticado, mas eu sou uma pessoa com autismo desde que eu nasci, então eu me pergunto. Qual seria a capacidade? Qual seria a necessidade de um treino especializado que supostamente as pessoas do PNAD teriam pra conseguir obter um número mais preciso, versus a capacitação dos recenseadores, porque a gente sabe que nem o PNAD nem o Censo são pesquisa científicas, na verdade, né? É claro, são pesquisas que cumprem, sim, com determinado rigor e tudo mais, mas pela própria natureza dessa pesquisa, ela não foi feita pra, enfim, contar com uma equipe multidisciplinar juntamente com ela pra sair por aí diagnosticando ou não, né? Como já foi sugerido anteriormente aqui, idealmente a gente teria que ter dados hospitalares envolvidos nisso, uma metodologia muito mais rigorosa pra se ter um número preciso nessa perspectiva científica, né? Porém, também como a gente já falou, também tem a utilidade desse número pra uma perspectiva política né? A gente sabe que obviamente há receio sobre o número de ser inferior à realidade e a a presidente Suzana, justamente fala sobre isso, né? Fala que por experiência anterior do próprio IBGE sobre questões que de perguntas que eles já haviam colocado num passado, no censo e que os resultados dessas perguntas foram muito inferiores, né? Ele não cita quais foram essas perguntas, mas que os resultados de alguma forma eles identificaram que foram muito inferiores ao esperado, por conta dos recenseadores não serem capacitados pra isso. Mas imagino que talvez alguma pergunta eu não tenho certeza, não consigo imaginar nenhuma agora, mas posso imaginar que talvez alguma pergunta existe realmente que alguém tenha que ter um pouco mais de especialidade em fazer ela, eu não tenho certeza, mas sobre autismo é um pouco complicado já imaginar que a pessoa tem que ter uma capacitação, né? E que isso funcionaria de alguma forma de de forma melhor pra trazer um número mais preciso, né? Então, a gente já tem um certo senso de que o governo não vai dar nada tão fácil, né? E frente a isso, essa alternativa, muita gente mesmo sem pensar muito sobre, começou a assumir que isso seria uma medida paliativa ali do governo de baixar custo de alguma forma que seria conveniente. Mas seria uma alternativa de de baixa qualidade, baixo retorno para a população. E aí, frente a isso, muitas pessoas começaram a pressionar mais e é claro, pessoas de destaque comunidade também se posicionaram, né? Aí aqui a gente pode citar três pessoas. O primeiro, a primeira delas que eu acho que é relevante a opinião é a Anita Brito, que é a mãe do do Nicolas Brito, né? E ela fez através do seu Facebook justamente esse questionamento, né? Que qual é a dificuldade de alguém entrar na minha casa e me perguntar, tem pessoas com autismo na sua família? Sim, não, quantas? Dez, vinte, trinta? Qual é né? Ela levanta esse questionamento, de qual é o treinamento especial precisa ter pra fazer esse tipo de coisa? ‘Alguém vai chegar na minha casa, vai olhar pro Nicolas e vai ver se ele é autista ou não é, sem avaliar qual como ele era na infância, como ele era na adolescência e tudo mais, sem ver os laudos dele?’. Então, ela levanta esse tipo de questionamento claramente discordando de que pelo fato que alguns dos pesquisadores serem mais especializados, traria um número mais preciso do que o Censo. Outra pessoa notável é o Luciano Lacerda, né? Também associado ao movimento Capricha na Inclusão e também através do seu canal no YouTube, ele fala bastante sobre quais são as diferenças do Censo e do PNAD, especialmente falando sobre essa diferença de que no PNAD você teria uma amostragem, né? Você teria capitais, regiões que não necessariamente que você pode ter números precisos através de amostragem, desde que seja uma pesquisa bem delineada, está estatisticamente, mas também que  em comparação ao Censo que literalmente você teria tudo, né? Você teria o número inevitavelmente mais preciso e também o Luciano diz que há bastante essa questão de que a gente não tem nada, né? Que a gente, hoje em dia não tem nenhum número. Isso falando por questões de formulação de políticas públicas mesmo, né? Sou uma pessoa bem próxima do Luciano, me considero assim, e acompanho bastante o trabalho dele, e eu vejo que a preocupação dele. Ele é de fato um cientista muito rigoroso, um pesquisador bem rigoroso, mas ao mesmo tempo ele também é uma pessoa muito ativa politicamente, né? Então, eu vejo que na visão dele, ele defende essa ideia de que é desejável termos o Censo, mesmo que seja um número que a gente sabe que não é preciso, porque isso dá uma base pra gente conseguir pressionar o governo e conseguir políticas públicas eficientes de alguma forma, né? Isso é um primeiro passo. E outra pessoa, a terceira pessoa notável também, o Paulo Liberalesso, que administra páginas no Facebook sobre mais essa questão neurocientífica, né? Ele atende também pessoas com autismo, ele é doutor e claramente uma pessoa muito especializada sobre isso, produz bastante conteúdo, acompanho bastante o trabalho dele também e a opinião dele é um pouco divergente, né? Ele cita que idealmente não é porque é de amostragem e não é porque não tem toda a população que significa que necessariamente o seu resultado não vai ser confiável. Há diversas maneiras, né? Ele deixa ali bem explícito no texto dele através da página do Facebook que você pode sim ter resultados confiáveis examinando amostragem, não necessariamente você precisa do todo pra examinar isso. Ele também fala uma questão de custo, ele levanta ali alguma questão de custo do Censo e também fala que nem o Censo nem o PNAD trariam números interessantes, e que seria um pecado, nas próprias palavras dele, de se colocar isso na mão de uma pesquisa dessa natureza. Então, o Paulo, ele tem mais essa perspectiva de que realmente o desejável seria, a gente ter o maior rigor né, sobre isso, ele também deixa claro que não é porque o Censo não serviria nem o PNAD serviria para autismo, que significa que o são pesquisas ruins. É apenas que não são pesquisas adequadas, para ter esse tipo de de informação.

(Trecho de entrevista com o Presidente Jair Bolsonaro)

Jair Bolsonaro: Tem mais ou menos quantos autistas no Brasil, você tem ideia?

Militante de movimento autista: A ideia é que é de 1 para 100, segundo o mais conservador. É de 2 milhões de autistas. 

(barulho)

Jair Bolsonaro: Se são 2 milhões no BPC, então são 2 bilhões de (inaudível)

Pessoa ao Fundo: Não deixe isso acontecer Presidente.

Tiago: Quando o Senado aprovou, né? O projeto de lei da Carmen e partiu para a sanção do Presidente Jair Bolsonaro. A primeira coisa que ocorreu a partir do Governo Federal foi uma tentativa de adiar esse processo  com relação ao autismo no Censo porque sabia que é uma corrida contra o tempo, já que é no ano que vem. E aí ocorreu uma reunião no Palácio do Planalto, com vários integrantes do governo, principalmente membros do Ministério da Mulher, né? Que é o ministério da Damares, da família e etcétera, e juntaram lideranças desses movimentos de direitos de autistas, né? Chefiados por pais para reforçar da ideia do autismo no Censo e aí o governo claro que tinha aquele posicionamento com relação às pergunta sobre o autismo. Lembrando que nessa reunião estavam representantes do Capricha e principalmente do MOAB, né? Em posicionamentos do MOAB, do Capricha lançados em nota, foi de ser totalmente contra a esse adiamento aos dados do autismo no Censo. E aí, nós tivemos dois pontos muito importantes nessa sinalização negativa do governo. Primeiro, foi o vídeo da Suzana Guerra, que o Chimura já mencionou e o outro foi o Twitter Bolsonaro, defendendo o adiamento né? Fazendo reforço do que a Suzana já tinha dito. E a partir desse momento, depois de uma vitória expressiva, que os movimentos de direitos dos autistas teve com relação ao Senado, e já vendo essa negativa do Jair Bolsonaro, eles já começaram a se organizar pra pressionar o presidente da república. E o principal ponto que eles viram estratégico pra isso, foi a Primeira Dama, Michelle Bolsonaro, que na posse do presidente fez um discurso com relação às pessoas com deficiência. Eles sabiam que a Michele seria um ponto muito estratégico pra conseguir algo. E aí que vem o ponto mais polêmico e mais confuso de toda essa discussão com relação ao Censo, que é quando apresentador da Rede Record, Marcos Mion entra em pauta. Ele recebeu um convite do governo pra uma reunião,onde inclusive ele conversou com a própria Suzana Guerra e ele diz em um vídeo que a Suzana Guerra convenceu a ele de que o PNAD era muito mais seguro do que o Censo. E aí é muito interessante porque ele gravou um vídeo que foi recebido de forma relativamente negativa em parte da comunidade do autismo, porque ele se dizia “enviado por Deus pra ser o embaixador da causa do autismo”, e isso passando de certa forma por cima de um movimento de pessoas que estão lutando há cerca de dez anos com relação a esses dados. Isso causou um certo furor e o Marcos Mion estava bastante inseguro nesse vídeo, não sei a opinião de vocês, mas a minha impressão era que o Marcos Mion estava com muito medo, porque ele falou que ele não sabia muito bem, que ele queria a opinião das pessoas e ele realmente concordavam com a Suzana. E aí ele disse que tinha uma reunião a ser feita com relação a, se não me engano, alguns membros do governo e aí essa reunião seria um ponto muito fundamental então a comunidade do autismo entrou em desespero, né? Porque entra um cara midiático como o Marcos Mion nos 45 do segundo tempo, quando toda discussão tá sendo levantada e etcétera, e o cara é chamado pra reunião sozinho, aí você pensa, vai dar um desastre. Agora cês continuam.

Luca: Eu vejo que o vídeo dele pareceu muito mais algo de, não necessariamente medo, ele pareceu mais estar testando o solo, sabe? Ele lançou vídeo pra pra ver qual seria a recepção do público. Se o povo iria fazer muito barulho sobre isso ou não. Eu acredito que a percepção final dele, é de que sim o povo fez muito barulho sobre isso, porque foi patético.  Mas acredito pra uma pessoa tão midiática, pareceu muito mais realmente testar o ambiente mesmo, queria ver animosidade das pessoas quanto ao que ele ia fazer. E o que ele já tinha feito também.

Otávio: Olha, eu acho que o comprometimento dele com a causa é real sabe? Mas ele é uma pessoa pública, mesmo que ele tenha as melhores intenções com a causa, ele vai fazer o uso dos meio e vai falar dos meios que ele conhece. Agora, independente disso, ele está promovendo a nossa causa também.

Tiago: Eu penso a partir da seguinte questão assim, de uma forma bem crua, bem autística. Não importa o como quem esteja falando, que a pessoa tem conhecimento que a pessoa tem experiência pra falar sobre aquele tema. Qual que é o problema pra mim? Não é ser um apresentador, não é ser um cara midiático, é porque ele não tem estrada, entendeu? E aí esse eu acho que era o medo das pessoas, não era uma disputa por protagonismo, ou quem na frente. Era pra saber quem tinha experiência que a gente tinha cacife pra poder chegar na decisão e debater isso frente à frente com o governo, sem sair em desvantagem, entendeu? Porque eles tinham um risco muito grande a correr ali naquela discussão. 

Luca: Eu tenho uma percepção sobre isso que quase que junta o que cada um disse. Porque apesar de eu não ter exatamente problemas pelo fato de ser apresentador ou qualquer coisa desse tipo, eu vejo que é um pouco problemática a postura dele, porque ele apresenta muito, pelo menos parecer assim, de tentar chegar no último segundo pra colher o que outros tiveram que batalhar por muitos meses, ou até alguns anos já. Por diversas pessoas que tão integralmente trabalhando por isso, ele chega no último momento, falando “e aí, galera, eu tentei, tô lutando aqui por vocês” e tudo mais. Às vezes ninguém sabe o que ele iria discutir ali, então poderia chegar no último momento colhendo os louros sobre tudo, e ainda mudar a discussão pra uma coisa completamente diferente do que todas as pessoas que estavam batalhando o tempo inteiro sobre aquilo de fato queriam. Então acho que problemática é essa postura dele.

Otávio: Entendi, ah nesse ponto eu vou concordar sabe? É, mas assim, OK, ele entrou na briga agora, só como você falou, entrou agora. 

Tiago: Então, me atento somente a questão técnica, né, do que ele diz. Pra mim, um exemplo muito grande, que mostra que o não estava realmente preparado a princípio, foi quando ele falou o nome de organizações de direitos do autismo que não estavam na discussão do Censo, mas citou porque eles lançaram em algum momento uma nota ou outra falando sobre o tema, mas que não participaram dessa discussão. Então assim, ele aparentemente, pelo meu ponto de vista, não sabia nem quem tava participando dessa discussão anteriormente.

Willian: Eu acho que todos os pontos são pertinentes, porém, né, um ponto positivo disso tudo, é que ao meu entender, ele estava mais propenso a entender, a corroborar ali com a opinião da própria presidente do IBGE, e ceder essa questão do Censo. Chegar e falar assim, “não, tudo bem, se você tá me dizendo que o PNAD vai ser melhor pra comunidade do autismo, eu aceito isso e vamos no que você tá dizendo, você é presidente do IBGE, você deve saber mais do que eu”. Ao meu entender, nos primeiros das primeiras manifestações do Marcos Mion, logo após a entrevista com ela, até mesmo no vídeo da entrevista com ela, eu fico com essa impressão de que ele realmente foi convertido, mas um ponto positivo é que logo em seguida ele gravou um outro vídeo, colocou ali na comunidade dele, no Facebook e falou, “olha pessoal, quero ouvir vocês”, né? Eu acho que ele realmente ouviu.

Tiago: É, eu acho que isso faz todo o sentido, principalmente porque em em um vídeo específico, eu não vou lembrar agora, ele basicamente, diz que a princípio, não estava fazendo algo relacionado à vontade dele. Eu tenho impressão que às vezes a vontade dele era ir pelo PNAD mesmo, mas ele viu que os grupos, eles tinham toda uma linha narrativa com todos esses anos com relação a vocês porque ele falou, ‘OK, então, já que eu fui chamado pra isso, eu vou levar a opinião de vocês’. Ele não colocou o dedo dele no final e falou assim, ah, o meu ponto de vista é o que vai valer.

Luca: Ele tem mais um mérito que tem que ser realmente ressaltado, é que por ser uma pessoa pública em só um dia tratando sobre esse assunto, ele já trouxe muito mais notoriedade que toda a batalha diz todos os meses que os grupos trouxeram, não por falta de mérito dos grupos, é só que ele naturalmente chamou mais a atenção, pelo menos essa foi a impressão nas redes sociais. Porque todas as pessoas fora do meio autista passaram a falar sobre, pelo menos aplicado ao autismo no Censo de 2020, que não era tão falado quanto passou a ser depois da participação dele. Para o bem ou mal pelo menos falaram disso, isso é um mérito que ele de fato tem que ter. 

Paulo: É. Na verdade eu vejo Marcos Mion meio que como uma uma ligação um movimento autista e as demais pessoas, porque ele traz essa e leva essa discussão pra fora do meio autista.

WIllian: É, eu acho que um ponto o outro ponto importante é se citar, não diretamente relacionado ao Marcos Mion também, a argumentação que a que a presidente do IBGE traz ali no no vídeo com o Marcos, é que primeiro de tudo também ela se demonstra extremamente nervosa, né? No vídeo então ela gagueja muito, erra muitas palavras, ela não tem uma argumentação profunda. Então ela pegou um avião pra ir atrás da casa do Marcos Mion, diretamente gravar o vídeo com ele, mas dava pra ver que ela não tinha conforto ou conhecimento, ela sempre no superficial, do “ah, porque o pessoal do PNAD vai ser mais especializado pra essa questão do autismo”. Nunca fala do porque, nunca fala do como, não se aprofunda de quais são as razões pra isso, sempre se mantém muito no superficial. Mas foi interessante isso ser trazido agora, porque agora a gente conseguiu colocar isso de uma maneira mais forte em pauta. Então, também dava pra ver ali na fala da da presidente, ao meu entender o autismo não ia ser colocado em pauta caso, né? Vetado no Censo, não haveria garantia realmente. Na fala da presidente da IBGE, ‘essa é a medida que o IBGE encontrou’. OK, mas isso não significa que isso vai ser feita a vontade. Talvez o IBGE não tenha o orçamento pra incluir o autismo nas pesquisas seguintes, por exemplo, e daí você não teria nem força política. Então, tem esse ponto e também tem um outro ponto que ela fala que não é uma questão de custo, mas ao mesmo tempo é um pouco difícil de acreditar pela própria opinião dela. Muito provavelmente a gente já tem o formulário pronto. As coisas do Censo já estão prontas. Então,na minha interpretação, é muito mais plausível acreditar de que isso traria um trabalho de processo ali pro IBGE, né? E que seria a resistência deles quanto a incluir o autismo no Censo agora e que talvez trariam um trabalhão pra eles. Realmente talvez isso comprometeria as contas de alguma forma, coisas do tipo e não fizeram as coisas podem até ser, sim, uma questão de custo. Então, logo em seguida, alguns dias depois, ali frente das câmeras, um ativista do MOAB fez a argumentação dele. O Bolsonaro pergunta “quantos autistas tem no brasil?”  Ele fala, “ah, mais ou menos dois milhões”, não sei o que, e aí o Bolsonaro começa a falar “imagina começa a fazer contas lá, imagina tanto de benefício pra essas pessoas”, etcétera e tal, né? Então, dá pra ver que ali na narrativa do Bolsonaro tem uma preocupação sim, não necessariamente com o Censo em si, mas necessariamente com o custo da pesquisa. Enfim, isso é preocupação realmente do IBGE, imagino eu. Mas, na perspectiva do Presidente isso deve ter motivado ele pra sinalizar o veto, é que se um número inflado surgisse dessa pesquisa do Censo, então haveria mais argumentos para  os movimentos pressionarem o governo para se dar mais benefício para essa população. Ao meu entender, o Bolsonaro estava com essa convicção, mesmo porque, você também vê claramente no dia, no vídeo dele assinando a lei junto com o Marcos Mion, você vê claramente que ele fala, “pois é, novas pesquisas vão precisar, a gente tem algumas divergências, a gente vai ter que fazer algumas outras pesquisas pra ver certinho aí essa questão do autismo e tal, mas beleza, vamos isso aqui já é um primeiro passo.“ Então, claramente o Bolsonaro ainda tá mesmo com essa perspectiva resistente e um receio. Ele demonstra esse receio todo na sala dele e eu acho que isso tá muito claro de que surgirá um número supostamente maior ou inflado disso, e que isso e vai resultar em mais custo pro governo, que é uma preocupação bem grande desse desse novo Governo agora, como a gente sabe. Então ao entender na perspectiva do Bolsonaro, essa é a preocupação dele. Nesse episódio específico depois que os sancionado a lei, né? O Marcos Mion ali postou no no Facebook dele um pouco sobre os bastidores, né? E na verdade a reunião era pra ter sido apenas com a Michelle, né? Não era pra ter envolvido Bolsonaro, mas aí o Bolsonaro ficou sabendo que tava que tinha essa reunião e tudo mais e pediu para que essa reunião fosse no próprio gabinete dele, e ali no mesmo dia ele sanciona daí, então dá pra dá pra te dizer que foi uma questão uma coisa do momento assim, não sabe.

Tiago: O que eu acho mais interessante é a expressão facial do Bolsonaro e a da Michelle, né? Porque a minha impressão quando eu assisto o vídeo é que a Michele olha pra ele falando assim, “você vai fazer o que eu mandar”. E o Bolsonaro obedece nesse vídeo. 

(Trecho de entrevista com Marcos Mion)

Marcos Mion: O meu partido é o autismo, eu luto pelo autismo e vou sempre lutar 

Otávio: Olha, a única coisa que eu acho que a gente pode fazer daqui pra frente é esperar a decisão. A lei já foi sancionada. Agora, é esperar questionamento ou não, e é a única coisa que a gente pode fazer depois disso. Eu acho que não é prudente nós analisarmos o número que vai sair em 2020. 

Paulo: Eu acho que realmente só em 2030 que a gente vai ter um número bom de verdade.

Otávio: É verdade, eu acho que vale a pena a gente comentar, se sair números muito fora da curva, tipo 20 milhões, ou apenas 20 mil, sabe? Ali a gente vai saber se aparecer número da coleta assim, provavelmente todo mundo vai atribuir eles a problemas na coleta de dados, não ao número existente absolutamente pequeno de diagnósticos. 

Paulo: Acho que é muito alto risco de aparecerem números aberrantes por conta de pessoas que não tem e não sabe o que é autismo, e ao na hora que o recenseador for explicar o que que é…

Otávio:  Quantas pessoas que tem fobia social, TOC, esquizofrenia, transtorno bipolar que não é conhecido pelos pais e os pais vão falar que é autismo? Pode  ser muito grande. 

Paulo: Outra coisa também, é são as pessoas que não reconhecem autismo como deficiência. Então se a pergunta do autismo vier, for aberta, somente depois da pessoa disser que disser que tem deficiência, aí pode também sub-notificar o número de autistas.

Tiago: É, isso é um fator bastante complicado. Isso me faz lembrar, inclusive, que eu vejo frequentemente muitos da autistas falando assim, “ah, eu não sou uma pessoa com deficiência”. E aí, isso contaria toda toda a lógica, né, que cê tem estabelecida no Brasil, na legislação, com relação a essa faixa da população. A questão de toda essa discussão do autismo no Censo, pra mim mostrou bastante o quanto que a política tá intrincada nesses temas, principalmente também pela relação com o poder, com as políticas públicas e o quanto que a gente vive num momento complicado da política nacional em você ser a favor do autismo no Censo, dependendo da linguagem que você utilizava, te faz ser visto como um simpático ou como um um opositor da presidência da república. Porque assim, nessas manifestações pro pro Jair Bolsonaro sancionar o Censo, eu via muita gente falando assim, “ah, ele vai vetar porque ele não interessa por ninguém”, aí tinha gente falando assim, “não, mas o Jair Bolsonaro é maravilhoso, ele vai funcionar porque ele é o melhor presidente do Brasil”. Então, você tinha muito esse discurso inflamado, eu vi muitas mães brigando, eu vi muitos autistas brigando, eu vi gente assim, se atracando por causa disso. Eu acho que esse é um episódio bastante relevante pra gente pensar como é que a comunidade tá interagindo entre si. 

Paulo: Tudo relacionado ao Bolsonaro gera discurso inflamado, né? 

Tiago: Mas assim, uma coisa que eu penso, e isso é uma opinião pessoal minha, não opinião do Introvertendo,é que quando você faz parte de uma organização ativista, precisa tomar muito cuidado com a linguagem que você usa quando você se relaciona ao poder, porque a sua organização, ela dura mais que uma gestão, ela dura mais que um governo. Então, você tem que adotar um discurso, uma narrativa que você não fique preso a uma gestão, a um gestor, ou uma pessoa específica. Eu realmente, do ponto de vista pessoal, fiquei um pouco preocupado com algumas palavras que algumas organizações e algumas pessoas específicas usaram porque elas pareciam que ultrapassam a visão institucional que elas têm sobre a própria organização e mostrava um ponto de vista pessoal delas, em quem ela votou para Presidente da República, e eu acho que isso é um pouco problemático quando se faz ativismo, né? Quando faz ativismo do ponto de vista institucional. Quando o ponto de vista é pessoal eu acho extremamente transparente você mostrar em que posição lá político você está. Mas quando você trata de uma organização que representa múltiplos interesses, isso causa racha. Então, isso é bastante preocupante. 

Otávio: Acho a única forma de botar contra o esse viés, é ter paciência, é ouvir, é falar com paciência ouvir com paciência. Isso vai além de posição política e essa questão cognitiva, eu acho.

Tiago: É, eu acho que, o que eu espero pelo menos pra toda comunidade, tanto para nós quanto pra todas as pessoas é essa capacidade, né? De dialogar, de ouvir e de lidar com contraditório e eu espero que o autismo no Censo seja um sucesso.

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Equipe Introvertendo Escrito por: