Introvertendo 57 – Dia do Orgulho Autista na UFRGS

Ocorreu, no Centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o evento Dia do Orgulho Autista: Narrativas em Primeira Pessoa. Na ocasião, a professora Vivian Missaglia recebeu Willian ChimuraGuilherme MoscovichTiago Abreu para falar de diagnóstico, inclusão e mercado de trabalho.

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Transcrição do episódio

(Nota: por se tratar de um episódio extremamente longo, apenas trechos específicos e mais importantes do episódio foram transcritos)

Guilherme: Bom, eu vou começando então, meu nome é Guilherme Moscovich, eu tenho 26 anos, eu me formei no Colégio Israelita em 2011 e me formei em Jornalismo pra Unisinos em 2016. E hoje eu trabalho no Hospital Moinhos de Vento na parte de arquivo de memória.

Tiago: Meu nome é Tiago, tenho 23 anos, sou formado em Jornalismo pela Universidade Federal de Goiás, fui diplomado recentemente, prazer tá aqui na na UFRGS.

Willian: Meu nome é Willian Chimura, é tenho 26 anos de idade, eu faço mestrado em Informática para Educação no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul atualmente, e sou formado na ULBRA em Canoas, Sistemas para internet, um curso à distância, na verdade. Só que não é o primeiro curso, eu fiz um primeiro curso em Jogos Digitais, mas eu vou deixar isso pra outro bloco. E a minha profissão é como programador. Eu sou desenvolvedor de softwares.

Vivian: Por que a tua família procuraram um profissional pra fazer uma avaliação em relação ao teu desenvolvimento?

Guilherme: Bom, tudo começou quando tinha mais uns 3 anos que me acharam que estavam um pouco tímido em relação a essas crianças, mas aí há 6 anos os meus pais levaram no no médico e aí escreveram que eu talvez tivesse Asperger.

Tiago: Procurei um profissional em 2014 por causa de coisas que eu já lia na internet sobre autismo.

Willian: O meu diagnóstico é tarde também, eu iniciei o processo aos 22 anos de idade, antes disso eu já tinha conhecido outras pessoas, profissionais que trabalhavam com isso e outros estudantes de psicologia que notavam alguns traços no meu comportamento e sempre me citavam sobre Síndrome de Asperger. Eu cheguei a pesquisar uma ou duas vezes na internet ao longo desse período, mas das minhas primeiras buscas pela internet eu pensei que isso não tinha muito a ver comigo, na verdade. E então eu só vou na verdade procurar um profissional não foi pra uma avaliação, mas pedir por ajuda mesmo. Porque eu começava a notar que eu era diferente, as dificuldades eram diferentes e a maneira que eu reagia as coisas e o que era esperado de todo mundo que tava no mesmo ambiente que eu estava, de alguma forma eu queria executar essas coisas de forma diferente. E isso foi principalmente nos meus trabalhos. Enquanto tava no mercado de trabalho, eu delegava esses problemas a ansiedade. E através disso, a partir dessa busca e investigação, que daí vem a hipótese novamente de autismo levantada pela minha psicóloga, que todo mundo já tinha levantado. O processo de investigação na verdade durou mais ou menos um ano, porque contou com tanto também um psiquiatra me acompanhando, quanto neurologista, quanto também um processo de psicoavaliação, no qual foram aplicados cinco instrumentos, incluindo teste de QI e tudo mais, entrevistas com meus familiares, etc. Então, foi um processo bem custoso, na verdade, bem longo, mas que definitivamente me deu uma melhor perspectiva sobre uma melhor explicação sobre quais eram os meus problemas, de quais são as minhas dificuldades. Isso é comum entre pessoas com autismo, mas também na verdade é uma ansiedade atípica, digamos assim. Uma ansiedade relacionada a uma forma diferenciada de ver as coisas, de compreender as coisas, de agir sobre as coisas. E como o Tiago falou também, isso me dá um nome. E eu acho que esse nome é muito poderoso, na verdade. Você não dá valor a grupos quando você se insere facilmente neles. E pessoas dentro do espectro do autismo eventualmente não possuem essa facilidade de pertencer a esses grupos. E uma vez que você finalmente consegue pertencer, você entende que é uma comunidade, você entende que é uma conscientização sobre isso, eu tenho uma explicação do porquê eu faço coisa diferente e minha sensibilidade é diferente, eu tenho uma oportunidade de pelo menos sugerir algo que possa ser feito diferente e o que deve ser esperado de mim em comparação com outras pessoas também. Eu acho que o diagnóstico pra mim foi realmente produtivo nesse sentido.

Guilherme: Sobre dificuldade na escola, eu tive algumas, eu tinha que fazer alguns trabalhos ou provas acompanhado de pessoas pra me ajudar, eu algumas viagens eu também tinha que mas de resto eu pude estudar como qualquer outra criança.

Tiago: Então, a questão do ensino médio foi justamente o que me levou ao diagnóstico, porque eu tive um desempenho acadêmico muito bom, principalmente no período do ensino fundamental, mas tinha os problemas de relacionamento. Então isso criava uma relação quase paradoxal no ambiente escolar. Minha mãe era chamada na escola toda semana e começavam a reclamar: “a nota dele é boa, mas ele é antipático, ele é chato, ele é arrogante”. Então, isso era muito frequente. Chegou um certo momento que minha mãe parou pra pensar assim: as notas dele são boas, vou parar de encher o saco e aí ela saiu de cena. E eu fui continuando a levar o ensino com muita independência, ela sempre me deu muita autonomia nesse sentido escolar, mas na época do ensino médio as notas começaram a cair, vieram problemas relacionados à depressão e foi aí a questão da depressão que me fez ler algumas coisas. A questão escolar sempre esteve muito intricada com a própria questão do diagnóstico.

Willian: Assim como Tiago, eu também tinha uma boa performance no ensino médio, só que o desempenho era excepcionalmente bom em aprender formas criativas de evitar aula (risos). Era o meu único bom desempenho, na verdade, porque realmente era um ambiente muito aversivo pra mim, tinha constante crises. Eu acho na verdade que isso não é só um um problema para autistas, mas também pra, claro, todos os outros transtornos do neurodesenvolvimento. Mas também falando aqui na minha vivência de autista, são questões de hipersensibilidade sensorial, questões de esperar que um adolescente, uma criança, passa tanto tempo em um ambiente formatado da maneira que a escola é hoje. Então, eu vejo que todo mundo aprende na escola, mas não necessariamente a gente tá aprendendo as matérias. E não diferentemente eu também aprendi algo, e é justamente isso que eu aprendi, mínimas interações sociais e maneiras criativas de escapar da aula. Mas falando sério, as minhas notas não eram boas, exceto em matemática e em inglês, eram matérias bem selecionadas, geralmente. Por exemplo, em matemática, eu lembro que trigonometria era algo que eu gostava muito, a parte de genética da biologia era algo que eu gostava muito, mas todo o resto da biologia, por exemplo, não conseguia nem suportar a aula, porque, na verdade, eu começava a imaginar as coisas que a professora estava descrevendo, coisas do livro mesmo. Tive uma certa sensibilidade a isso, passava mal, caía minha pressão e coisas do tipo. E é claro, tem a questão do bullying que é um um grande problema. O bullying sempre foi bem presente e constante durante o ensino. Não tanto no ensino fundamental, mas principalmente no ensino médio foi bem acentuado. E eu tinha essa estratégia pra lidar com o bullying que era simplesmente tentar ignorar ao máximo possível, porque eu gostaria de ter amigos e as pessoas não gostam de estar associadas às pessoas que sofrem bullying. Então, essa foi uma estratégia de sobrevivência ao ensino médio, claramente também não foi a ideal, mas que de alguma forma foi o mínimo possível que eu consegui lidar com uma mínima presença até conseguir me formar no ensino médio. E o meu hiperfoco em programação me fez escolher o curso da graduação, daí, um curso de tecnologia, desenvolvimento de jogos digitais. Eu fiz ele por uns três semestres, e no terceiro semestre eu já estava hiperfocado em todas as matérias que envolvia a programação e faltando em todas as outras que não envolviam meu hiperfoco. Até que, pelo bom desempenho que eu tinha tido no primeiro e no segundo semestre, eu consegui uma bolsa de estudos para o Ciências Sem Fronteiras, o programa do Governo Federal. Nela tive a oportunidade de estudar Computer Sciences na Califórnia, em São Francisco, por um ano. E aí eu voltei pra cá, me formei na ULBRA e agora ingressei no mestrado em Informática para Educação no IF, onde eu justamente pesquiso como a tecnologia pode ajudar na inclusão de crianças com autismo e não somente isso, mas também como jogos digitais, de alguma forma, podem contribuir para psicoterapia e intervenções educacionais pra pessoas com autismo, que são três hiperfocos meus, programação, autismo e educação. Eu passo todos os dias estudando, todos os dias falando algo sobre essa minha vida acadêmica agora. Eu costumo dizer que eu adoro estudar, mas eventualmente as instituições de ensino me atrapalham a estudar. Mais ou menos essa visão que eu tenho (risos). Minha graduação, no caso, como eu fiz a distância, eu tinha muito essa possibilidade de pouca interação social. Então, pra mim foi um ambiente mais tolerável. As dificuldades no mestrado nesse momento com certeza é em relação ao meu hiperfoco em relação ao empenho que eu quero dar na intensidade que eu quero dar e na frequência que eu quero dar as pesquisas que eu estou conduzindo e que requerem interações e burocracias de outras pessoas e que isso me causa uma extrema frustração, eventualmente. No mestrado é requerido que eu tenho uma flexibilidade sobre determinados eventos, então é comum que eventos que eu estou esperando acontecer não aconteçam ou sejam adiados, isso me causa uma grande frustração. E outra dificuldade também estão sempre relacionadas aos aspectos sensoriais do ambiente. Então, por exemplo, às vezes a gente tem salas bem pequenas, pessoas que se exaltam em algumas discussões, eventualmente o barulho fica muito alto e janelas muito grandes de frente com o sol e coisas do tipo. Alguns dias eu termino o dia de aula tão exausto que não consigo fazer outra coisa a não ser chegar em casa e dormir o resto do dia até o outro dia, porque realmente essa sobrecarga sensorial é algo que é muito comum, assim, entre diversos lugares, não somente na academia, mas eu vejo também que em shoppings, por exemplo, são problemas constantes que pessoas com autismo em relação aos ambientes sociais também frequentemente vão enfrentar.

Tiago: O contexto da escolha de curso de graduação foi o seguinte: escolhi o curso de jornalismo primeiro por uma questão de falta de opção. No ensino médio, eu estudei em IF, então, eu fiz o curso técnico integrado na área de TI, nesse período que vinha do ensino médio a minha meta era seguir uma carreira na área de TI, mas eu fui um desastre na área de TI, eu era péssimo em programação, péssimo em todos sentidos, cheguei a trabalhar, não dei certo e eu resolvi voltar o meu interesse anterior que era jornalismo. Ocorre que na época do ensino médio eu tinha umas práticas profissionais na época do jornalismo, conhecendo alguns jornalistas, eu fazia uns freelas, assim, coisas mais amadoras, afinal, não tinha diploma e uma coisa que eu poderia usar muito é que eu tinha um interesse muito grande em música. Então, sabendo um pouco as ferramentas, como era o mercado em jornalismo, eu escolhi jornalismo. No início, eu quis até deixar o curso, é algo muito comum, inclusive, entre pessoas dentro do que entra universidade, essa questão de você mudar de curso, de você desistir, a evasão é muito grande, mas eu consegui permanecer, desenvolvi muitos projetos. Com relação ao processo do vestibular em si eu nem procurei, porque eu não tinha o diagnóstico na época que eu fiz o vestibular e eu só recebi o laudo depois que eu entrei na universidade. Então, nesse aspecto da entrada, foi muito natural pra mim, até porque eu vinha já de contexto de instituição federal, que era onde eu fazia o ensino médio.

Vivian: Tu gostaria de citar alguma alguma barreira que teve durante o curso de graduação?

Guilherme: Nunca tive dificuldade nem nem barreira no curso de redação, foi tudo de acordo, foi tudo muito bem.

Tiago: Essa é a resposta longa, eu vou tentar ser breve. Seguinte, eu obtive o diagnóstico assim que eu entrei na UFG, então a primeira coisa que eu fiz foi procurar a coordenação de curso onde ficava o núcleo de acessibilidade da UFG, caso precisar, questão preventiva. O núcleo não tinha experiência com autistas, só que eles tinham vontade e aí pelo fato deles terem vontade, eles pediam muitas orientações, pediam ajuda. E eu quando entrei na universidade eu tinha muito interesse de encontrar outras pessoas que tinham diagnóstico que estavam no ensino superior. Com relação a mim, eu nunca tive muitas dificuldades em comparação aos meus colegas, eu consegui concluir o curso no prazo específico dos quatro anos porque eu tive assistência da universidade.

Willian: Na graduação, na verdade, por ter feito uma a distância, eu tive uma certa facilidade em evitar as situações que geralmente são complicadas pra mim. Algo que eu posso citar de dificuldade, definitivamente foi em achar os lugares, porque eu sou campeão em ficar perdido, mas nada que realmente tenha comprometido bastante. Meus problemas foram pelo meu hiperfoco novamente. Em iniciação científica e pesquisa e eu gostava muito, mas ao mesmo tempo isso requeria interações sociais e interesses de outras pessoas que não necessariamente estavam tão interessadas quanto eu. E sempre foi os meus problemas nesse sentido, assim, de não conseguir fazer esse esse jogo social pra conseguir cumprir um um projeto até o fim dele, porque envolve interação com outras pessoas.

Vivian: Eu esqueci de um detalhe, na verdade, nós temos duas pessoas importadas aqui. O Guilherme é de Porto Alegre, o Tiago e o Willian não, então por favor.

Tiago: A minha vida é uma epopeia. Meus pais são do interior da Bahia. Eles começaram a namorar mesmo de forma específica quando minha mãe morava em Brasília, minha mãe engravidou em Brasília, meu pai trabalhava em São Paulo e morava em São Paulo, ele falou pra ela se mudar em São Paulo. Em São Paulo, com um ano eu fui pra Contagem na região metropolitana de Minas Gerais, então meus sotaque é mineiro, fiquei lá até 2003, quando fui para Goiânia, moro em Goiânia até hoje, fiz a graduação, o ensino médio em Goiânia e eu presto serviço para uma empresa daqui de Porto Alegre. E aí, de tempo sem tempo eu venho pra cá. Então, eu acho que eu sou o conceito literal de brasileiro.

Willian: É, eu nasci na capital em São Paulo, eu passei minha infância lá. Meu pai nasceu no interior de São Paulo, na verdade, aí depois foi morar na capital, minha mãe também, eles conheceram lá. Aí depois que eu nasci, depois de um tempo na minha infância, a gente se mudou pra cidade natal do meu pai, no interior, uma cidade bem pequena chamada Palmital, que fica perto da divisa com o Paraná e lá eu passei minha adolescência e depois, por conta da bolsa do Sem Fronteiras, eu morei um ano nos Estados Unidos, em São Francisco, na Califórnia e voltei. Quando eu volto, eu volto direto para Porto Alegre. Moro aqui há alguns anos.

Vivian: Queria que cada um falasse um pouco sobre o processo de inserção no mercado de trabalho, em termos de dificuldades ou de facilidades por ter um diagnóstico de Asperger.

Guilherme: Eu nunca tive problemas.

Tiago: Minha vida profissional é um pouco bagunçada. Atividades profissionais mesmo com carteira, a primeira eu durei duas semanas, eu fui demitido. Depois eu acabei recebendo o telegrama dos Correios porque tinha me matriculado pra ser um aprendiz dois anos antes e eu nem me lembrava mais disso, era um contato um contrato temporário de um ano, como eu não tinha entrado na universidade ainda, porque eu queria descansar um ano, decidi entrar. Depois desse contrato temporário, eu fiquei só na universidade, comecei a fazer alguns freelas trabalhando online, à distância, isso funciona muito bem pra mim, porque as pessoas não viam as dificuldades de relacionamento, mas vinham a técnica, o texto. E aí, com base nesse conteúdo que eu já produzi na internet há muitos anos, uma startup aqui de Porto Alegre me procuraram, eles tavam precisando desenvolver um produto especificamente sobre um tema muito restrito e eles achavam textos meus especificamente sobre esse tema específico que era baseado no meu hiperfoco. Então, eles conversaram comigo, a gente trabalhou diretamente e aí eles me contrataram e eu tô até hoje. A maior dificuldade que eu já percebi nesses ambientes de trabalho é uma coisa que o Willian já falou, que é a questão de você identificar uma ação sua como a mais adequada, como a mais ideal, mas você precisa avaliar todo o sistema, toda a organização e também a questão da hierarquia. Eu tenho um pouco dessa dificuldade de adaptação, eu tenho uma tendência muito a fazer as coisas de forma independente, então a atividades em que eu tenho mais autonomia, que eu tenho mais poder de decisão, eu costumo me sair melhor do que aquelas que eu dependo muito de avaliação externa.

Willian: Meu primeiro contato com o mercado de trabalho foi um estágio que eu fiquei pouquíssimo tempo, na verdade, apenas duas semanas ou uma semana e ele foi na Previdência Social, então não sei se eu conto essa experiência, mas foi basicamente porque eu definitivamente não me adaptei ao ambiente. Na época os trabalhos envolviam fazer triagem, entenderam o problema do cliente e gerar senhas, totalmente algo que eu não fazia a mínima ideia. Eu nem sabia o que era previdência social, na época eu precisei pesquisar, definitivamente não foi uma experiência tão legal. E eu também saí decidi por sair porque eu queria continuar o meu curso de programação, que era o meu hiperfoco da época, então na verdade esse estágio foi mais por uma certa pressão familiar, digamos assim, mas que eu ainda não me adapte. No ensino médio não era bom, mas no curso de programação, definitivamente, eu me dei muito bem. Isso chamou atenção de alguns professores que conseguiram me veicular pra uma empresa específica do interior ali de São Paulo também, que me contratou logo quando eu fiz 18 anos e fiquei mais ou menos um ano nessa primeira empresa, que foi o maior período de tempo que eu fiquei trabalhando em uma empresa, na verdade. E eu acho que a diferença foi que como eles me acolheram muito cedo, com 18 anos, eles tinham uma tolerância um pouco maior. Então, todas as questões das minhas dificuldades de interação social e comunicação, eles associavam ao fato de eu não ter experiência profissional, não necessariamente ser alguém com autismo. Naquela época ainda nem sabia que eu era autista, mas eu fazia determinadas coisas, tinha um determinado ritual pra pegar os papéis na mesa da minha responsável e eu precisava do feedback dela. Enquanto ela não podia me dar, eu ficava esperando na frente da mesa dela, mesmo que isso não fosse nada comum de acontecer. Depois que eu voltei dos Estados Unidos e eu venho pra pra Porto Alegre, justamente com interesse de construir uma carreira profissional, como programador, eu passo por diversas empresas em curto período de tempo, porque o meu currículo é até bom. Eu consigo passar da entrevista, mas me manter no emprego é um real desafio. Então, a interação social, de almoçar com as pessoas, pra focar muito em uma tarefa, só que o dinamismo da empresa e a maneira que as coisas funcionam geralmente fazem eu mudar de foco e isso me deixa num nível de depressão horrível às vezes de forma com que eu precisava me livrar daquele ambiente de alguma maneira. Então, eu passei por n empresas, mas pouquíssimas assinaram a minha carteira, na verdade, porque não dava tempo. Eu já pedia demissão e queria me livrar daquele ambiente aversivo o mais rápido possível. E eu sempre tentava encontrar alguma desculpa no sentido social para outras pessoas, mas eu nunca, eu nunca realmente fui honesto comigo mesmo nessas minhas desculpas.

Vivian: Então, você, que cada um de vocês comentassem um pouco sobre o trabalho atual. O local, a função de vocês, sei que algumas pessoas aqui já falaram, mas será que vocês repetissem por favor e destacar também alguns aspectos positivos ou negativos desse ambiente?

Willian: Atualmente eu desisti de trabalhar a CLT normal, na verdade eu comecei pela internet, isso foi dando tão certo, na verdade, que há dois anos atrás eu acabei abrindo o meu CNPJ próprio, aí junto com um outro colega também de infância também que cursou esse curso de de programação comigo lá de São Paulo. A gente pega projetos de programação e os aspectos positivos disso certamente é poder explorar o meu hiperfoco de uma maneira mais produtiva pra mim. De aspectos negativos, a incerteza na negociação típica, na negociação neurotípica. Porque eu descobri muito rápido que pessoas que falam que vão te pagar não necessariamente vão te pagar. Então, essa definitivamente esse inicialmente é o aspecto mais negativo do meu trabalho atualmente, porque eu sou responsável por isso, é uma incerteza constante. Mas eu não posso reclamar tanto. Por mais que as minhas contas estão atrasando, ainda assim considero que eu aprendo bastante socialização com isso.

Vivian: Então pra terminar esse bloco, eu queria que vocês compartilhassem um pouco das expectativas profissionais que vocês tem, objetivos pessoais pro futuro.

Guilherme: Minha expectativas pro futuro é continuar com o sucesso do trabalho bem feito no Hospital Moinhos de Vento.

Willian: Meu ponto é simples na verdade, é só ter sustentabilidade financeira o suficiente pra conseguir focar cem por cento em pesquisa científica. Então, de alguma forma eu prefiro, eu tendo a responder financeiramente com isso.

Vivian: Tiago e Willian, como vocês entendem a inclusão por políticas de cotas?

Tiago: Sobre a questão das cotas, eu penso o seguinte: isso envolve a própria temática do Dia do Orgulho Autista. Tem gente que que que é contra, enfim, tem uma série de questões que envolvem isso. Numa sociedade ideal, se a gente pensasse numa sociedade que aceita a diferença de uma forma muito tranquila, a gente não precisaria de orgulho, dia de orgulho nenhum. Mas por que que existe essa ferramenta do orgulho? Por que que existe a ferramenta das cotas? É uma compensação, é claro tem suas imperfeições, tem suas críticas, mas uma ferramenta de compensação pra corrigir algum erro que existe dentro da sociedade. Com relação ao Dia do Orgulho Autista é de você ver não necessariamente como uma doença, e muito mais uma questão de identidade, por exemplo. Então, essas ferramentas existem porque existe preconceito, porque existem certas limitações e é isso de forma geral.

Vivian: E hoje, pensam na programação na vida conjugal?

Tiago: Eu não gosto muito de responder sobre relacionamento, principalmente agora que eu falo publicamente sobre autismo, porque pra você falar de relacionamento, você envolve uma pessoa que nem sempre te autoriza a falar sobre ela publicamente por aí. Então, eu posso falar que comparado com os meus amigos, eu não vejo que eu tenho mais dificuldade que eles. No início sim, mas eu fui desenvolvendo o traquejo, a medida que eu fui interagindo. No momento eu não penso na questão dos relacionamentos porque eu acho que eu preciso primeiro estabelecer algumas metas acadêmicas, como por exemplo o mestrado que é uma prioridade muito maior pra mim. Administrar relacionamentos custa tempo, custa dinheiro e é complicado.

Plateia: (Risos)

Willian: Estou saindo agora de um relacionamento de longa data, na verdade. Eu namorei com uma garota por 6 anos e meio, eu posso falar sobre ela tranquilamente. A gente tinha uma união estável, a gente até chegou a morar junto por um tempo, tinha vários planos e coisas do tipo. Em algum certo momento especialmente também, ironicamente pelas questões de hiperfoco, questões de ter esse enorme rigor sobre as coisas que eu produzo na questão da ciência e pesquisa e como isso foi me distanciando, digamos assim, cada vez mais dos interesses em comum, que uma vez uniu a gente, e os objetivos foram ficando mais distantes até o momento que a gente decidiu, de uma maneira bem elegante, na verdade, de uma maneira bem madura, adulta, que seria melhor a gente não ter mais esse relacionamento e que faria mais sentido a gente estar com outras pessoas que possam trilhar caminhos mais semelhantes entre a gente. Então, nesse momento, definitivamente, não me imagino com outra pessoa, nesse momento, apesar de que assim, eu sempre estou pensando em companheiras. E há definitivamente uma atipicidade sobre as coisas que eu gosto, sobre a maneira que eu gosto de falar sobre as coisas, assim, esse hipercritério eu acho que eventualmente me afasta das pessoas, principalmente em relações mais íntimas. Acredito que sim um dia definitivamente estarei casado e sustentável com alguém, eu pretendo, só que eu, nesse momento, não consigo pensar nisso, viavelmente.

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Equipe Introvertendo Escrito por: