Introvertendo 48 – Morando sozinho

A autonomia é um tema muito importante quando se trata de autismo e outras deficiências e, por isso, a equipe do Introvertendo se juntou para discutir a importância de morar sozinho. Neste episódio, falamos os desafios em torno disso, quais são as principais práticas para garantir independência e, especialmente, histórias que vivemos em busca da emancipação dos pais.

Participam desse episódio Marcos Carnielo Neto, Michael Ulian, Otavio Crosara e Tiago Abreu

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que escuta o podcast Introvertendo com seus fones de ouvido ou no alto falante. Meu nome é Tiago Abreu, sou organizador dessa plataforma que reúne somente pessoas que estão dentro do espectro do autismo. E hoje estou com uma galera aqui pra falar sobre morar sozinho.

Marcos: Eu sou o Marcos e atualmente eu moro sozinho.

Otávio: Eu sou Otávio, eu morei sozinho por dois anos e meio.

Michael: Eu sou o Michael e eu morei sozinho por cerca de dois anos e meio também.

Tiago: Então, nesse episódio, você vai ouvir muitos relatos de tristeza, solidão, quebra de estereótipos e muitas histórias interessantes. Então, venha com a gente.

Bloco geral de discussão

Marcos: Morar sozinho é algo que está na mente todo jovem adulto, eu diria, que tá pensando em se emancipar dos pais, sejam eles autistas ou não, e é um assunto que assusta a maioria das pessoas. Morar sozinho: como eu vou fazer pra me virar nessa forma, depois de ter vivido anos nas casas dos pais, dependendo deles pra maioria das coisas? Eu sei que tem gente mais independente, mas a maioria das pessoas é extremamente dependente dos pais e sempre surge essa questão. E pro autista eu acho que isso é ainda mais relevante, porque pra gente socializar é algo mais difícil. É algo meio que contraditório, mas é porque quando você tá sozinho, você vai só por si próprio. Então, você vai ter que fazer tudo pra você mesmo, você vai ter que se virar sozinho. E isso vai acabar levando a gente ter que socializar mais. E eu acho que isso gera um pouquinho de ansiedade na gente. Porque morar sozinho, na verdade, ironicamente, implica socializar mais. Essas ansiedades iniciais são comuns, eu diria que elas são comuns até na maioria das pessoas neurotípicas, não é uma questão só do autismo e eu queria mostrar hoje que morar sozinho não é um bicho de sete cabeças, não é tão difícil quanto parece e tem seus pontos positivos, tem seus pontos negativos e a ideia hoje é discutir sobre eles e falar da minha experiência.

Tiago: E falar sobre morar sozinho também é muito importante, porque quando a gente fala de universo de deficiências, a gente fala muito em garantir autonomia das pessoas e morar só é um sinal de autonomia que muitas vezes é negado para alguns autistas, tanto pela própria condição que eles têm, ou pelo contexto social que eles vivem.

Otávio: Eu vou contar da minha experiência quando eu morei sozinho. Eu fui morar sozinho na mesma circunstância que muitas pessoas foram morar sozinho, quando eu passei pela primeira vez no vestibular. Eu fui pra outra região do país, mamãe foi comigo, me ajudou a achar um local e foi muito legal, eu morei por um ano com um satanista e com o cara da minha sala, na época não tinha sido diagnosticado e era na época que já tinha superado grande parte da minha timidez, pelo menos para atividades funcionais básicas da vida, conversar, comprar dinheiro do aluguel, falar que tem que pagar, e Deus do céu era muito legal, sabe? Não pelos caras, a gente mal conversava, mas assim, eu ficava o dia inteiro na internet. Então assim, aí o que aconteceu? E aí, eu comecei as aulas, eu não enturmei, eu não sabia estudar, eu não tinha disciplina para estudar na época. Então, eu não estava indo bem nas aulas. Então, eu comecei a faltar, comecei a distanciar da minha turma e eu ficava cada vez mais em casa e eu ficava na internet lendo sobre várias coisas, sabe? Mas, assim, esse foi o único problema, eu acho um problema, assim, morar sozinho só ajudou, sabe? Eu inclusive, quando eu cheguei lá em São Carlos, eu queria morar numa república que era mais barato e tinha veteranos, eu acho que essa convivência ajuda bastante, certo? Mas acabamos de querer preservar o meu espaço, não foi uma boa ideia, sabe? Se eu tivesse tido uma influência mais tangente dos meus veteranos, sabe? Uma coisa mais subjetiva, mais humana, um contato melhor, conversas de áreas, eu acho que eu teria me saído melhor. Pelo menos eu poderia ter saído de lá mais cedo. Eu não teria perdido dois anos e meio. Entendeu? Mas aconteceu. Eu estou aqui, vou formar daqui a dois anos. Está está de boa.

Michael: Eu saí de casa foi um processo ou menos parecido com o do Otávio, foi por causa de ter passado na faculdade. Na época, eu moro no estado do Paraná, eu passei em Goiânia e a simplesmente fui com a cara e a coragem pra Goiânia, com a mudança no carro sem nem saber se a gente ia achar ou não algum lugar pra pra se mudar logo quando a gente chegasse lá. A gente achou um lugar logo no dia seguinte que a gente chegou lá e surpreendentemente eu optei por morar sozinho sozinho mesmo. A essa altura eu já sabia que eu tinha autismo e eu simplesmente não me dava bem com pessoas. Mas nos primeiros três meses que eu morei sozinho eu me dei super bem. Eu consigo cuidar de mim e da casa extremamente bem, sem problemas, e no comecinho da faculdade eu tava até conseguindo levar bem, eu tive alguns problemas com a minha falta de disciplina, mas nada que não fosse reversível, o problema que foi que alguns problemas aqui do Paraná me levaram a uma crise de depressão e fez tudo ir buraco abaixo. Primeiro perdi a capacidade de manter a casa em ordem, depois de manter ela limpa. Não foi nem um pouco bonito. E resumindo a minha experiência morando sozinho, foi uma cagada gigantesca por causa de uma crise depressiva. Começou muito bem, depois eu tomei no cu.

Otávio: Agora, além de, além de falar de mim, vou falar dos caras que moraram comigo. Um dos caras eu estudei com ele por dois anos e ele era um cara que necessitava extremamente do próprio espaço, certo? Ele precisava morar sozinho, tanto que ele ficou só seis meses com a gente, sabe?

Marcos: E e ele era neurotípico, aparentemente, né?

Otávio: Ele era totalmente neurotípico, sabe? Ele conversava bem, ele não tinha papas nas ele não tinha papas na língua. Ele era gay, eu acho.

Tiago: Por que?

Otávio: Não sei. Eu acho que isso não tem nada a ver, mas eu não sei. Porque ele era gay. Engraçado, ele era gay, mas ele nunca, assim, ele nunca levou ninguém pra dormir com ele lá, sabe? Ele tinha ele era muito reservado e era neurotípico como você falou.

Marcos: Esse não é só um problema de autistas, né? Às vezes pode acontecer com uma pessoa neurotípica, não é tão diferente da realidade de muita gente.

Otávio: O satanista que morou comigo era de boa com o espaço, não precisava tanto do espaço dele, tanto que eu dividi o quarto com ele. Aí, assim, no decorrer do tempo, ele começou a mudar, ele começou a demorar a pagamento, a ficar arisco, não lavar a louça dele. Então, assim, ele era um cara que ele tinha que morar sozinho, não pelo bem dele, mas pelo meu. Pelo bem dos outros, entendeu? E eu, assim, eu nunca, eu sempre fui nesse ponto, sempre fui muito bem, eu sempre me adaptei e a olha que eu, que eu tô no espectro, sempre paguei as contas no dia, sempre falei, falava com a mamãe todo dia, meia hora que era muito bom. O que mais facilitou foi o fato que eu tinha um restaurante universitário que hoje a refeição custava 1,90 e a carne era self service. A batata frita também era self service. Só só sobremesa não era. Sabe? Então, essa questão da comida facilitava muito. Eu emagreci lá. Mas assim, o fato de eu engordar é porque eu sou muito ansioso, eu como muito fora das refeições.

Tiago: Você falou uma questão muito particular que também é do Marcos, que é você mudar sozinho por uma situação específica que acontece, que é o processo de educação e você tem que mudar sua rotina de forma radical. Mas existe também forma de você exercitar essa autonomia aos poucos, que é mais ou menos o meu caso. Por exemplo, eu comecei a trabalhar via home office, fui ganhando mais dinheiro, ganhando mais dinheiro, até um ponto que mesmo dentro da minha própria casa, eu consegui me sustentar sem precisar da intervenção direta dos dos meus pais, tirando aquelas coisas que, de certa forma, todo mundo compartilha gasto, que é água, energia, comida. Mas, tirando isso, algumas contas a mais, você vai exercendo autonomia, até chega um momento que você fala: “poxa, eu posso agora morar só”. Pra vocês, qual que é o melhor momento? Fazer essa mudança dessa forma progressiva ou uma coisa mais radical?

Marcos: Olha, eu acho que isso vai depender da personalidade de cada um e isso é independente de ser autista ou não, porque eu conheço uma pessoa neurotípica que ainda não mudou da casa dos pais, já tá agora na faculdade, mas é extremamente ansiosa com essa questão de mudança radical. Ele não quer fazer essa mudança repentina e mudar a rotina completamente. E ele é neurotípico, não tem nenhum sinal de autismo. Já eu quis essa mudança mais radical, apesar de eu não ter independência financeira, eu não posso dizer que eu mudei de uma vez só, mas eu quis sair da casa dos meus pais direto pra outra cidade. Meus pais moravam em Inhumas, eu já vim pra Goiânia direto, e pra mim foi bom, porque eu tava afim de uma aventura desligado dos meus pais e saí daquela rotina que tava me estressando bastante, porque meus pais, a gente tava morando numa casa em que eu não tinha muito espaço individual pra mim e eu preciso muito disso. Eu sou do tipo que, igual o Otávio, eu preciso do meu próprio espaço, eu preciso do meu próprio lugar e pra mim morar sozinho numa casa só é a melhor opção e, pra mim, foi melhor. E de uma vez, mudar de rotina me forçou a me adaptar a coisa que se eu tivesse na casa dos meus pais, eu seria preguiçoso demais pra fazer essa essa mudança gradual. O Tiago já é mais disciplinado que eu, então, eu acho que pra ele foi mais fácil fazer isso. Então isso vai depender da personalidade da pessoa.

Michael: Eu senti a mesma coisa que o Marcos. Quando eu me mudei, eu tinha essa pressão de sair de casa por causa que eu realmente não me sentia muito confortável no ambiente familiar. Pelo menos no começo foi uma experiência positiva, porque eu tinha zero, experiência pessoal de como me cuidar, de como cuidar de uma casa e eu consegui pegar na prática de como fazer essas coisas relativamente muito bem até dar merda.

Tiago: E também, no meu caso, foi algo mais natural, porque eu tava dentro da universidade, morando na mesma cidade. Então, a renda foi crescendo, até o momento que eu cheguei a trabalhar numa empresa que é de outro estado. E aí, quando você mora em Goiânia, mas você trabalha para uma empresa que fica em Porto Alegre, aí você começa a ver que talvez não dá pra você ficar mesma cidade a vida inteira nem trabalhando via home office.

Michael: No meu caso eu cheguei a ter ajuda no comecinho da minha família, porque pra me mudar eu tinha um dinheiro guardado mas ele literalmente acabou pra fazer a mudança. Então, ele mal deu pra mudança. Nos primeiros meses eu fui sustentado pela minha família, só que depois eu me virei sozinho com as bolsas da minha faculdade. A maior parte do tempo eu tinha que controlar meu orçamento, porque o que eu ganhava era pra não passar fome se eu fosse bastante restrito com o meu orçamento que geralmente eu não era porque eu tava no meio de uma crise depressiva, então era bem comum que eu acabasse as últimas duas semanas do mês já sem ter o que comer em casa, algo parecido.

Otávio: Como disse o Oberyn Martell de Game of Thrones, a maioria das pessoas nascem e morrem no mesmo lugar.

Marcos: Isso se aplica antes da Revolução Industrial, que no caso do Game of Thrones é uma sociedade medieval.

Otávio: Exato. Mas assim, o que eu quero dizer é que é sempre interessante se você puder morar em outra cidade, você morar. Eu acho de ter conhecido a minha namorada, eu pensava que ia morar com a minha mãe por anos assim, ajudando em casa e tal, mas no ambiente confortável, com pessoas conhecidas, agora que eu estou namorando, pretendo passar o resto da vida com ela. A gente pensa em juntar as trouxas, sabe? Só que é tanto eu quanto ela somos muito dependentes dos pais agora. Então, isso vai demorar e nós pensamos em mudar de cidade, às vezes a gente brinca de mudar de país. E no nosso caso, ela também já morou sozinha. Então, assim, no nosso caso para sairmos de casa, ter independência financeira é cabal, não existe outra forma. Então, eu teria que formar e não só independência financeira, mas estabilidade financeira. São duas coisas diferentes, certo? E para isso, a gente precisa formar e daí a gente vê o que faz.

Marcos: Essa questão ter que mudar, você realmente precisa da independência financeira e depois atingir realmente a estabilidade financeira. No meu caso, eu moro sozinho, mas eu ainda dependo financeiramente dos meus pais. Então, eu não sei se isso conta como morar sozinho. Mas eu moro numa outra cidade, eu tenho que fazer minhas próprias negócios, eu tenho que resolver meus problemas, exceto os financeiros, porque eu ainda recebo ajuda dos meus pais porque eu estudo e como o meu curso é integral, eu tenho dificuldade de conciliar estudar e trabalhar. Não dava pra fazer as duas coisas. Então, é por isso que eu ainda não tenho independência financeira. Mas é um ponto importante o que o Otávio falou.

Otávio: Interessante que falamos em estabilidade financeira, mas eu conheço tantas pessoas que saíram de casa sem estabilidade, sem autonomia financeira, fazendo bicos e tal, estando na faculdade ou não, dormindo na casa de amigos ou não, eu acho que esse negócio, assim, de sair com as coisas semiplanejadas não é específico de pessoas no espectro, mas é bem característico, já já pensaram prepararam pra pensar nisso?

Marcos: Olha, eu acho que a situação para o autista é um pouco mais complicada, tá? Porque a gente cansa mais fácil, lidar com pessoas no dia a dia cansa a gente mais do que uma pessoa neurotípica. Então o autista vai ter mais problema de se sustentar dessa forma, porque ou pelo menos é o meu caso, porque se a gente for trabalhar e estudar, isso vai gerar um overflow e vai deixar a gente exausto no fim do dia. E aí vai depender do nível de energia. Pelo que eu vejo, os autistas tem um pouco de um nível de energia mais baixo, porque a gente tem que gastar mais energia socializando. Então, a gente acaba ficando mais cansado do que o neurotípico no final do dia. Então, essa transição pra quem tá no espectro eu acho que pode ser mais difícil. É claro, isso também vai depender do indivíduo. Então, cada indivíduo tem um nível de de energia diferente. Então, no meu caso, não daria certo.

Michael: Complementando isso que o Marcos falou, realmente. Eu, por exemplo, fui com a ideia de ir morar sozinho, de estudar e trabalhar. E eu simplesmente cortei a opção de trabalhar. Quando eu cheguei lá, porque eu vi na prática, eu não ia conseguir lidar com a pressão da faculdade, de um emprego. Mal dava conta da faculdade e até hoje eu tô já me ajeitando pra voltar pra faculdade, eu estou trabalhando, porém eu tô trabalhando com nenhum contato com os meus empregadores, todo contato é feito de forma automatizada, o contato humano é o mínimo do mínimo, do mínimo.

Otávio: Demograficamente cada vez pessoas moram menos sozinhas.

Marcos: Sim, porque a situação econômica deu uma piorada. Porque a situação econômica meio que força as pessoas a ter que que se juntar, porque os aluguéis estão começando a ficar muito caros, o custo de moradia e o custo de vida aumentou bastante ao mesmo tempo que a competição no mercado financeiro aumentou, então a economia tá mais difícil pra quem é jovem adulto, o mercado exige muito mais experiência.

Otávio: Cada vez mais os adultos jovens saem mais tarde de casa. Já percebeu isso?

Marcos: Sim, isso é estatisticamente comprovado mesmo, essa geração nossa tem mais dificuldade, eu acho é um resultado da economia com a população bem maior do que a anterior. Eu acho que o pessoal não fala de superpopulação no mundo, mas eu acho que vários lugares atingiram essa situação de superpopulação, de supersaturação de pessoas. Isso gera um aumento muito grande de competição, hoje em dia a competição é muito grande, então não importa o quão talentoso você seja, o tanto de skill que você tenha, mas a competição é muito grande, isso torna a vida muito mais difícil, a independência financeira se torna mais difícil por causa disso e isso afeta a idade com que as pessoas conseguem sair de casa. Hoje em dia o mercado exige muito também, você precisa de diplomas, hoje já existe mestrado, experiência, isso leva tempo pra adquirir também. Então, isso acaba atrasando mais ainda o período de sair de casa pra geração mais recente.

Tiago: Tem questão cultural também, tem questão de políticas públicas, há uma diferença geracional muito grande. Meu pai saiu de casa com 18 anos, porque ele também tinha um ambiente familiar bastante tóxico e ele não aguentou isso, ele foi trabalhar com o irmão em outro estado. Minha mãe saiu de casa com 19 anos para poder trabalhar, foi uma geração que não estudou tanto, ou seja, não teve tantas oportunidades, é uma geração que teve filhos mais cedo. Hoje acho que as pessoas estão tendo filhos mais velhas e como eu falei, questão de política pública. Então por exemplo, famílias mais pobres tem a questão da renda complementada com programa social, o que faz com que, muitas vezes, os filhos demorem um pouco mais de sair, tem a questão do ensino médio, que hoje tá muito mais amplo do que antigamente. Antigamente, eu acho que o que a gente considera hoje como o básico, que é o ensino médio, era o ensino fundamental, então tem uma série de questões que também vão influenciando nisso, no comportamento populacional. Mas uma coisa que eu percebi que fora a questão da crise econômica, as pessoas estão tendo hábitos de vida mais solitários, de certa forma, porque são menos irmãos, menos filhos, as pessoas acabam tendo trajetórias menos acompanhadas. Eu olho, por exemplo, a minha família, os meus tios, os meus pais saíram de casa tudo cedo, já meus primos estão todos morando ainda com os pais, alguns, até mesmo, digamos assim, sobrecarregando eles financeiramente.

Michael: Eu mesmo morei sozinho, só que tipo, não é uma experiência que eu recomendo fazer quando vieram me perguntar porque, tipo, você fica com orçamento extremamente limitado, tipo, eu só optei por isso porque, realmente, na época a ideia de morar com outra pessoa não entrava na minha cabeça. Então, tipo qualquer pessoa que conseguisse conviver com mais de uma pessoa era este o caminho que eu iria indicar pra ela.

Otávio: As opções de entretenimento que nós temos estão cada vez mais na internet, sabe? E estando na internet, você pode acessar de casa e isso mais barato. Hoje se fala de séries, cultura midiática e assim, a internet, a banda larga, mais acessível, fica mais barato cê ficar em casa. Você chama a pessoa pra ficar em casa.

Tiago: E se você quiser transar, como a gente disse no episódio número 2, você pode usar a internet e enviar o seu nude ou fazer sexo via webcam.

Otávio: Sem falar no Tinder e no Grindr, né?

Marcos: Sim, que cê nem precisa sair de casa de verdade pra conhecer alguém. E eu também acho que isso são fatores importantes além do econômico. E também o fato de que eu acho que a gente evoluiu mais pra viver em tribos pequenas. Então, com o aumento populacional, com o tamanho da cidade grande, a gente acaba se isolando mais ironicamente, porque o número de pessoas aumenta muito e a gente acaba não tendo como se conectar com esse tanto de pessoas. Então, a gente acaba isolando em grupos pequenos e a internet também torna a vida mais fácil da gente poder se isolar, com nós mesmo, com grupos muito pequenos de pessoas.

Otávio: E já percebeu uma coisa, o quão as pessoas são entediantes? Não, fala sério, velho. Elas são entediantes, porque assim, elas são muito iguais, sabe? Ninguém mais interessante, realmente, OK.

Tiago: Mas assim, se você parar pra pensar, quando a gente se reúne em grupos, a gente se reúne com os iguais, e até mesmo entre a comunidade autista: por que muitos autistas vão atrás de outros autistas? Porque são mais fáceis de lidar, são mais parecidos consigo mesmos. Então, de certa forma, os nossos hábitos estão sendo voltar cada vez mais a nós mesmos. Eu não acho que isso seja, necessariamente, ruim.

Marcos: Uma coisa que eu acho importante trazer agora, mudando de assunto, é o fato de que com agora uma consciência ambiental maior, que a gente vê que as nossas ações têm um impacto direto no meio ambiente e que a as ações consumistas, modernas, elas tem uma consequência desastrosa no planeta, eu acho que é importante se adaptar aos novos tempos de mudança climática, de menos recursos, tentar viver uma vida mais minimalista, uma vida menos consumista e isso acaba também economizando na hora de morar sozinho, porque se você cria hábitos minimalistas, você também economiza bastante. Eu acho que se adaptar os tempos modernos é importante, a gente tem que criar hábitos minimalistas antes de sair de casa. A menos que você seja a Bettina e tenha um pai que sustente ela e tenha um capital de dois milhões de reais com 22 anos, você vai ter que se adaptar a uma rotina, é uma realidade em que o custo de vida é mais alto, de moradia muito mais alto, principalmente em cidades grandes e até as cidades médias que tão começando a ficar absurdamente caras, porque a população cresceu muito, a concorrência aumentou muito e por causa disso a demanda aumentou bastante e isso leva a inflação, custo de vidas bem mais altos. Então, eu acho que é importante antes da gente sair de casa já começar a criar hábitos mais minimalistas para se adaptar melhor no momento em que você sair de casa.

Michael: Isso que o Marcos falou de criar hábitos minimalistas hoje é algo que eu acabei criando uma experiência bastante grande porque sério, viver com menos de um salário mínimo em uma cidade grande te faz (mesmo quando você faz isso da forma menos eficiente), você cria métodos muito engraçados pra lidar com essas limitação financeira que você tem. Acaba que depois quando você passa por uma situação que ainda é bastante limitante, por exemplo, pegar uma bolsa de mercado ou doutorado, que é maior, você acaba com uma ordem verdadeira milagres com esse limite que você tem que, não é o meu caso ainda, porque eu tenho, ainda tenho que voltar pra graduação, mas eu vejo os meus colegas que tão no mestrado e doutorado no laboratório de paleontologia que eu trabalhava. E, cara, eles fazem verdadeiros milagres com a bolsa de mestrado. E eu só queria adicionar isso mesmo.

Tiago: Isso, e é algo que eu tô tentando fazer, porque às vezes a minha renda não bate com o meu estilo de vida e se eu quero (um dos meus planos, acho que até já falei no podcast) é fazer mestrado na UFRGS, eu tenho que dar conta dessa dessa digressão de um lugar para outro e além de tudo se manter é complicado.

Marcos: E além de criar esses hábitos minimalistas é importante também criar skills no dia a dia, se desenvolver, seria bom você aprender a cozinhar antes. Você aprender alguns serviços domésticos, passar um tempo com o pai ou com a mãe naquelas coisas que a gente geralmente não faz quando mora junto. É bom aprender esses hábitos, porque é importante quando você mora sozinho, você vai ter que depender de si próprio, vai ter que cuidar da sua própria casa, de você mesmo, então é importante você desenvolver. Não é, não é essencial, tipo, muita gente acha que não pode morar sozinho antes de aprender a cozinhar…

Tiago: Mas eu acho vergonhoso alguém que vai morar sozinho e não sabe operar uma máquina de lavar. E eu não tô falando de tanquinho, eu tô falando de máquina de lavar, a pessoa não sabe operar os botões pra poder colocar a quantidade de sabão e tudo mais.

Michael: E gente, como que isso é possível? Tipo, a máquina é basicamente: você aperta o botão e ela tá funcionando. Puff! Mágica! 

Marcos: Não, mas na verdade, mesmo isso, tem umas técnicazinhas que tem, quem tem mais experiência sabe de mais detalhes. Então, é bom você aprender esses skills essenciais domésticos que você vai precisar. Você vai aprender, você vai precisar lavar a louça sozinho, você vai precisar lavar sua roupa sozinho, você vai precisar ir no mercado comprar sozinho, você vai ter que administrar o seu próprio dinheiro você mesmo. Então, aprender esses skills é importante, é muito importante. E assim, se você for igual eu, se você vai sem esses skills, você vai ter que aprender rápido. Se você é uma pessoa que se adapta rápido, talvez isso não seja um problema pra você, mas se você se conhece, sabe que é uma pessoa que não se adapta tem problema de mudar a rotina, então, eu já falo que já comece a criar antes de se mudar, já é importante planejar antes da mudança pra se preparar pra essa rotina nova.

Otávio: Eu não sei mexer na máquina de lavar até hoje, eu lavava a roupa na mão, porque eu não tinha nem máquina quando eu morava sozinho, só isso.

Michael: Tenho que concordar bastante com o Marcos, uma coisa que me ajudou demais quando nessa época eu morei em Goiânia, os meus colegas tanto o pessoal do Introvertendo, que na época nem eram pessoas do Introvertendo (era o pessoal do grupo de autismo, um grupo de Asperger que a gente tinha ali na UFG) e o pessoal do meu curso, tanto o pessoal da minha turma quanto os meus veteranos que estavam sempre me ajudando assim, eram relativamente poucas pessoas a maior parte do tempo, mas sempre, sempre tinha alguém dando uma mão, sempre alguém me oferecendo ajuda sempre, alguém que eu podia contar e algumas coisas que eu podia contar muito, essas pessoas, algumas coisas que eu posso contar até hoje, então, assim, eu reforço o que o Marcos disse. Mesmo que talvez seja um pouco difícil fazer isso, principalmente as pessoas aquiu pro Sul, onde as pessoas não são tão abertas e nem tão confiáveis quanto é mais ali naquela região de Goiânia, ainda assim realmente vale o esforço, pode ser exatamente o que você vai precisar naquela hora e faz toda a diferença.

Otávio: Eu, grande parte das minhas das minhas skills sociais, eu desenvolvi nessa experiência, sabe? Como conversar, como negociar como cobrar, conversar no dia a dia com estranhos, sabe? Então, assim, mesmo que você não tenha essas experiências antes de morar sozinho, você vai ter. Não tem como você fugir disso. E atividades domésticas ficam bem mais fácil quando cê tem internet pra te ajudar, né?

Marcos: Isso é verdade, a internet eu acho que ela facilita a nossa vida. Ah, e pra autistas, eu acho que a internet é um ponto positivo também, porque hoje em dia você não, necessariamente, precisa fazer tudo, ser forçado a socializar pessoalmente. Você pode fazer muita coisa pela internet, só que eu recomendo os autistas a não exagerarem a ponto de se isolarem completamente e se tornarem antissociais completos, por causa da ajuda da internet. Isso não é bom, porque mesmo morando sozinho, você precisa da ajuda de outras pessoas, seja os seus pais, amigos, é bom ter um, mesmo que seja poucos amigos, não importa, mas é bom você ter um ambiente social pra pra poder te ajudar, porque mesmo você tendo que fazer tudo sozinho, muitas vezes vai acontecer casos de você não conseguir resolver tudo sozinho. Até porque isso é humanamente impossível. Então, você vai precisar de ajuda. Então, é é necessário tomar um pouco de cuidado para não se tornar extremamente antissocial. Isso é meio perigoso também.

Tiago: E além disso, eu acho que é importante pra quem vai morar em cidades novas ou muito distantes do local de origem, de você estar imerso dentro da cidade, você conhecer a cidade, conhecer seus lugares, saber onde você tá andando, porque acho que uma experiência muito legal de quando você tá num lugar novo é você viver a cidade, sabe? De você conhecer os lugares, de você conhecer gente nova, culturas novas e tudo mais. E é uma oportunidade que você tem, às vezes, até quando você é um viajante temporário. Eu fiz o meu TCC, que é num livro, inclusive, eu já falei isso aqui algumas vezes, numa cidade do interior da Bahia chamada Paratinga. Só que pra fazer o livro, eu não viajei só em Paratinga, eu tive que viajar por várias cidades, por vários lugares, eu fui em cidades que eu não conhecia e a experiência de ir em lugares novos era, às vezes, assustadora, mas era muito legal você conhecer novos lugares, você frequentar espaços que você não costumaria frequentar, sei lá, um restaurante, um lugar onde tenha muita música, muita festa, bibliotecas, enfim, todos esses espaços ajudam bastante até mesmo pra você conhecer pessoas que possam ter até um gosto parecido com o seu.

Marcos: Esse é um ponto bom. Uma coisa que eu recomendo pra pessoas que estão ainda muito receosas em se mudar, em morar sozinho e tão com medo essa ideia de morar sozinho, uma coisa ótima que ajuda é você viajar pra um lugar diferente sozinho com pouco dinheiro e ver como você se vira com isso, porque com pouco dinheiro é melhor, porque você vai ser obrigado a se virar de coisas que vão ser parte da sua rotina mais pra frente, tipo, fazer compras, como que você vai comer, vai ter que aprender a lidar forçado com pouco dinheiro, a como aprender a lidar. Isso vai te dar uma ideia de como vai ser morar sozinho, vai abrir sua mente e também muito provavelmente mostrar que morar sozinho ou ficar sozinho não é tão difícil quanto parece e que você consegue. Que não importa o quanto que você acha que é dependente, você consegue se virar sozinho por um tempo. E já abre sua mente para ver como que é no futuro.

Otávio: De uns tempos pra cá foram desenvolvidos certos cursos técnicos de economia doméstica. Eu não vou dizer pro pessoal fazer esses cursos, mas voltando a internet existem certos sites com certos guias, certas orientações gerais sobre esse tipo de coisa, sabe? Interessante isso, né? De certa forma, a internet nunca deixa a gente sozinho, se você souber procurar, sabe? Então, qualquer dúvida, assim, manda mensagem pra gente. A gente vai tentar ajudar do jeito que a gente puder. Sabe?

Marcos: E educação financeira é essencial antes de você morar sozinho. Uma coisa, assim, que as pessoas acham que às vezes elas são boas, já dominam a parte financeira e isso não corresponde à realidade. Ou às vezes elas não lidam bem com o dinheiro e não sabem. Então, uma coisa que eu falo é: se eduquem antes pra não passar problemas depois com o dinheiro, porque aprender a administrar a sua vida financeira é essencial pra quando você mora sozinho, que você vai depender de si próprio.

Otávio: Gente, outra coisa. Nós estamos falando de quando nós formos morar sozinhos ou quando estarmos morando sozinho, mas essas habilidades são pra vida inteira, essas habilidades fazem muita diferença, não só no curto prazo, mas no médio-longo. Ainda mais se você mora com alguém que você gosta muito, sabe? Quantos casamentos foram destruídos porque as pessoas não sabiam morar sozinhas?

Marcos: É, e isso é um ponto interessante mesmo. E eu sou do tipo que pensa que pra uma pessoa conviver bem com outras pessoas, ela tem que se conhecer bastante. Ela tem que ter experiência com ela mesma e ser muito bem resolvida por si próprio antes de poder vim morar com outras pessoas. Então aprender a morar sozinho também vai te ensinar a morar com outras pessoas no seu futuro. E você vai ver que você vai conseguir conviver melhor com outras pessoas.

Michael: E pra finalizar, você fica totalmente bem se você ficar duas semanas sem comer. Só não perca seus pinos morando sozinho. Adeus…

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Equipe Introvertendo Escrito por: