Introvertendo 33 – Liga dos Autistas

Formada exclusivamente por pessoas em diferentes pontos do espectro autista, a Liga dos Autistas é uma iniciativa que vem ganhando espaço na comunidade autista. Suas publicações no Instagram falam de suas experiências, traçam críticas e fazem publicações de humor. Acerca do movimento e seus objetivos, Tiago Abreu recebeu a participação especial de Dácio Jr, um dos membros da Liga, neste episódio.

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que escuta o podcast Introvertendo, em 2019 com uma nova vinheta e também com novos temas. Nós somos uma produção feita por pessoas neurodiversas para neurodiversos e também para neurotípicos. E hoje nós vamos falar sobre a Liga dos Autistas e para isso está aqui comigo Dácio Júnior.

Dácio: Olá, me chamo Dácio, eu tenho 19 anos, sou vestibulando de medicina e produtor de conteúdo da Liga. 

Tiago: E como sabem, eu sou o Tiago Abreu, sou o host deste podcast. 

Bloco geral de discussão

Dácio: Olá Tiago. Bem, a liga é uma página do Instagram com um objetivo bem simples focado no entretenimento e no humor em relação à conscientização sobre a neurodiversidade e o espectro do transtorno autista. Assim, começamos com uma pequena proposta que foi tomando proporções bem maiores, não esperávamos isso. Na primeira metade do ano ainda tínhamos cerca de cem seguidores e hoje por enquanto a gente tem cerca de cinquenta seguidores por dia, e os relatos que vêm são muito impressionantes e nos motivam a continuar trabalhando pra melhor satisfazer os objetivos da liga. 

Tiago: O que eu acho interessante é que vocês cresceram de uma forma muito rápida, né? Inclusive a ideia era basicamente de um negócio meio que de autista pra autista.

Dácio: Sim, sim, isso. Não é somente pra humor entre autistas, mas como a gente também vê que tem uma influência muito conscientizante e também não atraía somente os neurodiversos, também atraía os neurotípicos, e que também era uma grande forma, uma grande ferramenta pra exercer a falta de representatividade que nós hoje em dia. 

Tiago: E um pouco disso também parte com uma estrutura de ONG que vocês estão se organizando. Mais ou menos sobre o perfil das pessoas que participam da liga, a maioria são do Distrito Federal, né? 

Dácio: Sim sim, a maioria é do Distrito Federal. Mas nós temos vários membros espalhados pelo Brasil. Temos a Aline que é do Rio Grande do Sul, nós temos a Li que veio do Espírito Santo, a Tatiana e a Lu que é de Minas Gerais. Mas enfim, cada um de nós estamos separados, mas unidos por um propósito que seria a conscientização e realmente mostrar que o autismo tem cara. 

Tiago: Nessa estrutura dessa quantidade de pessoas que vêm de um ambiente mais local como o Distrito Federal vocês se conheceram pessoalmente antes de organizar isso ou tudo surgiu meio que organicamente pela internet? 

Dácio: Tem membros que nós já conhecemos anteriormente, mas não tínhamos muitas afinidades. A maioria dos membros nós conhecemos via internet. Eu por exemplo entrei nesse meio por esse viés. Foi bem rápido e nós formamos grandes laços. 

Tiago: Eu queria que você falasse mais ou menos uma questão bastante relevante, porque saiu tanto no Introvertendo quanto numa publicação estrangeira um artigo seu pra falar sobre a questão do humor. E esse é um dos principais conteúdos da Liga. De que forma você enxerga a questão do humor como um vetor de divulgação dos temas mais sérios do autismo de uma forma mais descontraída? 

Dácio: Eu vejo o humor como uma lâmina de dois gumes, pois ele pode ser tanto antidiscriminatório quanto intensificar ainda mais os problemas que nós temos de discriminação. Não se tem mais aquela visão antiga de que o humor é tudo aquilo que se aproveita da graça, desestressa ou descontrai. Muitas vezes o humor na verdade é uma quebra de expectativa que tem por finalidade qualquer outra coisa. E foi dessa maneira que a gente entrou quando nós recebíamos várias reclamações, vários relatos de que estavam se utilizando do humor pra desinformação ou diminuir a nossa imagem em relação ao mundo, pois se tem a ideia de que o autista necessariamente é um monstro ou então, não assim um monstro, mas como se fosse um animal ou se algo extremamente severo que não tivesse capacidades sociais, empatia ou simplesmente um robô. Ou então até mesmo o jeito mais drástico que eu diria de que seria a representação da própria burrice. Assim, nós autistas somos como qualquer ser humano. 

Tiago: Ou como aquela expressão que geralmente se usa na internet, “quando o autismo ataca”, né? Alguma coisa assim. 

Dácio: Ah, sim. Essa expressão realmente é dolorosa, porque geralmente quando é utilizada, não existe qualquer outra relação com o autismo. Geralmente foi descuido ou erro humano mesmo, mas a pessoa acaba sem perceber piorando a situação voluntária ou involuntariamente, pois já ficou uma marca de linguagem dentro desse aspecto, já ficou impregnado socialmente, e isso dificulta bastante. Mas da mesma forma que isso pode denegrir a nossa imagem, pode fortalecer, pois o humor é neutro e não tem um ponto específico, ele é como se fosse uma ferramenta. E praticamente cabe a nós saber empenhar ele e confrontar esse tipos de ataque. 

(Transição musical)

Tiago: Uma das formas que vocês estão se organizando, pelo menos de uns tempos pra cá participando de uma forma bastante ativa dentro da comunidade do autismo. E a comunidade brasileira ainda é um pouco incipiente em alguns aspectos, porque tem grupos por exemplo de Facebook em que autistas ainda não têm seu espaço pra falar, ainda tem aquelas restrições e tem alguns espaços em que autistas têm espaço mas também passam um pouco do limite com relação não à sua liberdade pra se expressar,  mas pra usar do seu espaço pra expor preconceito e tudo mais de uma forma meio que retroativa. Quais são os os desafios que vocês encaram na organização desse espaço? Porque vocês têm agora o grupo Liga em Debate, né? 

Dácio: Sim, a maior parte dos desafios que nós temos é mostrar que existe realmente uma persona que cada autista carrega pra se enfrentar no meio social. Também há um certo desconhecimento, muito relevante, tanto por parte dos próprios autistas quanto dos neurotípicos. E o maior problema que nós enfrentamos é em relação à identidade e como se expressar sem ser por essas personas. Tem o preconceito e não é fácil você opinar em tudo o que vem na sua mente, porque é uma percepção totalmente diferente de mundo, cada um tem o seu próprio mundo e neurodiversos também têm a sua representação ainda mais complexas e diversificadas, pois é um espectro bem amplo e esse é o maior problema até agora. 

Tiago: O Marcos, que é um dos membros do podcast, disse uma vez, no episódio de “Boas festas?”, número 31 que tem uma parte da nossa vida que muitas vezes acontece dentro da nossa mente, então nós construímos um universo complexo de ideias e de coisas que compõem o cérebro ultraexcitado, e às vezes na hora de colocar pra fora, isso já não foi ele que disse, sou eu, mas na hora de colocar pra fora o filtro, nessa ânsia de querer internalizar as coisas, passa dos limites. E eu falo de passar dos limites no sentido também de desrespeito. Então uma coisa que eu já vi muito frequentemente entre grupos de comunidades autistas é de pessoas, principalmente pais, ficarem filtrando, pegando no pé de autistas, falando “ah, você não pode agir dessa forma, você não pode falar isso” e etc. E a pessoa às vezes está querendo apenas se expressar num único ambiente  que ela tem espaço, como tem casos também de autistas que agem de forma ofensiva com outros autistas, especialmente quando são mulheres, que eu já essa impressão, e fica por assim mesmo, porque é tipo aquela coisa “ah, eu sou autista, eu posso e pouco importa você”, e isso me incomoda muito de uns tempos pra cá. Então, eu até fiquei um pouco mais atento a essas questões porque a comunidade tá começando a se estruturar, e como uma comunidade de pessoas que são por si só excluídas, geram também outros tipos de exclusão dentro dos seus próprios espaços. É um negócio muito complicado. 

Dácio: Realmente, é um assunto bem complexo, porque existe a própria personalidade da pessoa em questão e também existe a própria reação aos estímulos que ela recebe. Espaços de frustrações geralmente não são devidos à própria ação em si. Normalmente a gente se sente sobrecarregado de muitos outros tipos e interpreta muito mal as intensões ondulados de alguns membros e nós mesmos e acaba perdendo a paciência, porque é uma situação bem complexa o meio social e a angústia social já é um fato comum entre muitos, porque não se tem uma certa previsibilidade sobre o meio ou o que as pessoas estão querendo dizer, o nosso senso figurativo é bem diferente do que se tem nas pessoas neurotípicas do que as pessoas neurotípicas são capazes, mas isso pode ser trabalhado facilmente, eu diria. 

Tiago: E é uma das funções da Liga de certa forma também estimular esse debate, pelo menos quando vocês publicam certas questões de crítica, inclusive tanto que vão pelo que eu percebo de observações de coisas que acontecem fisicamente, eventos, quanto também as situações do cotidiano. 

Dácio: Sim, sim. Expor a nossa interpretação subjetiva ajuda o diálogo entre cada pessoa, entre cada ser em si, porque nós estamos mostrando nosso ponto de vista de uma forma que o outro seja perceptível e entenda um pouco das dores e realmente demonstre empatia, porque a maioria dos problemas são evitados quando se sabe o que causa uma dor desnecessária. Alguns têm hiperestimulação, outros tem hipoestimulação, outros têm transtorno postural ou então transtorno comportamental. Mas isso não define quanto à sua personalidade ou ao seu próprio jeito de ser, mas define como reagir e trazer um diálogo pra quem não se identifica ou então tem uma dificuldade já é um grande avanço pra se ter um maior espaço de inclusão. 

(Transição musical)

Tiago: Além das redes sociais a Liga também está se estruturando pra atuar em outros aspectos, né? E aí eu queria que você falasse um pouco sobre os projetos que vocês estão desenvolvendo e que vocês desenvolveram ao longo do ano de 2019. 

Dácio: Bem, recentemente nós lançamos os talentos da Liga que mostra qual a diversidade da nossa produção e também quebrar aquele paradigma de que todo autista é um exímio calculista ou então introspectivo. Temos artistas, temos poetas, temos filósofos, temos médicos e, enfim, no outono teremos várias lives, com cada um dos nossos participantes e iremos sanar várias dúvidas a respeito do autismo e como combater a discriminação, facilitar a convivência e a habituação dos instintos, porque cada um tem a sua forma de controlar sua ânsia e ela pode ser meio que inconveniente pra certos momentos sociais, como é o caso da live que nós tivemos com o Léo Akira em relação às festas de fim de ano. Também teremos vários textos e estamos pensando em continuar com o progresso da ONG, já temos os contatos, e quem sabe mais outras surpresas que vão vir. Eu não posso falar tudo porque vai estragar. 

Tiago: Existem muitas iniciativas feitas no país que em geral estão encabeçadas por pais, porque principalmente quando os filhos estão em pontos do TEA que não garantem uma independência muito fácil, e tanto a liga quanto o Introvertendo e algumas coisas que têm surgido dos últimos tempos pra cá são iniciativas 100% de pessoas dentro do espectro, como se nós estivéssemos puxando o nosso protagonismo, até porque existem temas e certos pontos de interesse que passam completamente despercebidos. Eu já percebi que algumas publicações de vocês, inclusive pelo feedback que vocês recebem de pais, eles são muito parecidos com algumas coisas que nós recebemos no Introvertendo que foram de “nossa, vocês falaram de uma coisa que nunca passou pela minha cabeça, que agora deu pra entender melhor o meu filho ou a minha filha”, e como é receber esse tipo de de avaliação, de comentário? 

Dácio: Simplesmente inenarrável. Não tenho outras palavras pra definir, porque o sentimento que nós temos é muito grande, a gratidão que nós temos é gigantesca. Temos várias pessoas que entraram e descobriram o diagnóstico mais tardiamente, temos adultos, temos jovens pré adolescentes, temos autistas, temos aspergers e como isso se dá nos mostra que ainda há esperança, a sensação é simplesmente inenarrável quando nós recebemos um relato de um pai que recentemente descobriu que o seu filho pertence ao TEA ou então de pessoas próximas que nunca entenderam alguns traços sociais ou então comportamentais e graças às nossas publicações elas passaram a ver o mundo de uma forma, ver tudo isso de uma forma diferente, nós ficamos muito gratos e é uma emoção que a gente não pode botar em palavras porque isso mostra que ainda há esperança pra conscientização, porque ainda temos uma visão de mundo limitada na nossa percepção, porque a maioria dos pais que julgaram seus filhos, e ainda julgam, como não sendo parte do TEA e eles realmente foram comprovados, teve todo um processo psicopedagógico, psiquiátrico em relação ao laudo e tudo mais. Eles usam essa visão pra soprar a sua visão de um mundo dentro da neurotipicidade, e isso mostra que ainda existem muitas barreiras ideológicas e preconceito. 

Tiago: Uma coisa inclusive que eu já vi vocês repetirem muitas vezes é aquela noção de pessoas no espectro como anjinhos azuis e esse inclusive é um dos pontos que vai sair no próximo episódio, que vai ser na semana que vem, mas que existem muitas questões que não vão só apenas de uma visão de mundo, mas de conceitos bem pequenos que os pais utilizam de uma forma até carinhosa com os filhos mas que romantiza muito também. 

Dácio: Quando você considera que somos anjinhos azuis se tem uma visão mais infantilizada a respeito do autismo e o autista não é necessariamente infantil. Se tem pessoas dentro do TEA de diferentes idades e também não somos inocentes ou ingênuos, só temos mais dificuldades sociais e de interpretação, mas não é uma característica que demonstra nossa personalidade como mais forte. É até um jeito carinhoso, eu diria, mas não cola muito bem falar que falar que só por conta dessas limitações fomos agraciados. Realmente temos os nossos hiperfocos e nossas características aprimoradas em certos pontos. Tem até a Síndrome de Savant, mas isso não significa que realmente seremos abençoados e incapazes ao mesmo tempo. E a questão religiosa é bem forte, porque ela traz uma certa desinformação a respeito da história com o tempo. E isso é até um assunto bem complexo que eu não gostaria de tratar agora, mas isso envolve toda a questão e a origem do autismo. 

Tiago: Inclusive eu acho até esse termo bem brega, mas respeito quem goste de usá-lo. 

Dácio: É, realmente é um pouco brega, mas um certo consenso entre ambas as partes, pode ser redefinido e dar uma ressignificação diferente do que se tinha sido dado anteriormente. Assim, é um bom termo, mas não cola muito bem na maioria das regiões. 

Tiago: Vocês pretendem lançar uma página no Facebook ou um site? 

Dácio: Digamos que isso faz parte de um dos spoilers. Realmente nós já tivemos várias ideias em relação à página e já temos um certo andamento. 

Tiago: Então só a seguir vocês no Instagram e esperar as novidades acontecerem. 

Dácio: Praticamente é isso. Pelo menos toda semana nós temos posts novos e sempre vai ter alguma novidade. Aliás, eu dria que até a própria logo e o próprio perfil vai mudar em comemoração às datas festivas, não especificamente ao Natal, mas em relação a todo valor que se tem nessa época de união.

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Equipe Introvertendo Escrito por: