Introvertendo 258 – Inflexibilidade e Pensamento Rígido

Gravado ao vivo no Encontro de Autistas Adultos de Goiânia, evento de despedida do Introvertendo, este episódio traz perspectivas de Luca Nolasco e Tiago Abreu, com participação especial de Izabella Pavetits, sobre apego a rotinas, rigidez cognitiva, hiperfoco e todas as coisas que podem ser relacionadas a dificuldades que autistas podem ter em relação a serem flexíveis a questões da vida. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá pra você que ouve o podcast Introvertendo, que nessas últimas semanas ainda é o maior podcast sobre autismo do Brasil. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos integrantes deste projeto, e eu acho que mexer com a inflexibilidade nossa, assim, é um outro nível quando você faz um podcast remotamente e agora você tá fazendo isso durante um evento. Então, acho que a gente vai ter muita história pra contar aqui.

Luca: Oi, eu sou o Luca Nolasco e não consigo descrever o nervosismo que eu tenho aqui. Então, espero que isso não transpareça tanto.

Izabella: Meu nome é Izabella, eu sou jornalista, eu fui colega de faculdade do Tiago, e um dos principais motivos de eu ter sequer desconfiado que eu podia ser autista foi o Introvertendo. Então, é um podcast que tem um lugar muito especial no meu coração e eu tô feliz de estar podendo participar da despedida dele.

Tiago: É um prazer trazer a Izabella aqui. Foi uma descoberta durante a pandemia, eu lembro que você tinha compartilhado isso comigo. E a gente não queria deixar esse período da despedida sem te convidar para discutir essas questões, então, acho que é muito importante também, muito simbólico te trazer aqui. Quem tá conhecendo o Introvertendo agora, porque esse episódio é tanto em áudio quanto em vídeo, nós somos um podcast sobre autismo, estamos nessa fase de despedida, mas nós temos todos nossos episódios disponíveis nas plataformas digitais e vão continuar disponíveis assim que o projeto encerrar. Nós temos um site, que é o introvertendo.com.br, além de perfis nas redes sociais, o Facebook, Instagram, o novo Threads e o falecido Twitter, que hoje se chama X, todos eles lá você pode encontrar por introvertendo.

Nessa fase de despedida, nós estamos discutindo algumas questões, principalmente centrais do autismo, inflexibilidade e pensamento rígido foi um desses temas que nós escolhemos. Nós escolhemos a partir da sugestão de um ouvinte, a gente fez um post no Instagram, pedindo para as pessoas sugerirem qual seria o tema que seria discutido hoje. E a Fernanda, que eu esqueci o sobrenome dela nesse momento, mas fica o abraço pra ela, sugeriu inflexibilidade e pensamento rígido e caiu com uma luva e a gente aceitou. Vale lembrar que o Introvertendo é um podcast feito por autistas com produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Tiago: Então, sobre inflexibilidade e pensamento rígido, antes da gente realmente entrar em exemplos nesse sentido, acho que é muito importante a gente fazer uma discussão conceitual aqui. O autismo é classificado por dois manuais médicos que são bastante conhecidos, que é o DSM e a CID. O DSM traz essa noção de espectro do autismo em 2013, tem uma revisão em 2022, e a gente tem a CID mais recente, que também é de 2022. E a forma que o DSM pensa em autismo são em dois conjuntos, dois domínios. O primeiro, dificuldade de interação social e comunicação, e o outro, que é comportamentos restritos e repetitivos. Dentro desse segundo domínio, que são dos comportamentos restritos e repetitivos, nós temos quatro características. Nos quatro pontos que o DSM fala, tem o segundo, que diz assim: insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a padrões e rotinas ritualizadas de comportamentos verbais ou não verbais, e aí ele dá alguns exemplos. Pode ser, por exemplo, um sofrimento extremo a pequenas mudanças, dificuldades com transições, necessidade de fazer as mesmas coisas todos os dias.

Então, quando a gente fala sobre inflexibilidade e pensamento rígido, nós estamos falando sobre uma série de coisas. E existem várias formas, então, pelas quais essa inflexibilidade pode se manifestar no caso do espectro do autismo. E aqui, a nossa função, nesse episódio, é de discutir alguns desses exemplos, que talvez sejam mais comuns, e a gente trazer aqui, tanto da nossa perspectiva, mas talvez tentar generalizar um pouco sobre outras pessoas, outras formas de estar no espectro do autismo.

E eu acho que o primeiro ponto, que é muito comum que as pessoas falam, é a questão do apego à rotina. Autistas tendem a ser muito rotineiros. E aí eu queria perguntar para vocês como é a relação de vocês com essa questão da rotina.

Luca: A definição que você trouxe é o mais próximo que eu conseguiria caracterizar, que é um comportamento ritualístico. Não necessariamente algo que, para a maioria das coisas que eu tenho uma rotina, não é algo que eu gosto de fazer, mas é algo que eu tenho que fazer. Eu acho que um dos exemplos mais caricatos que eu consigo trazer aqui é a coisa de como eu vou dormir. Se eu não for dormir seguindo todos os passos que, por algum motivo, eu comecei a seguir muitos anos atrás, eu não consigo. Isso inclusive torna bastante difícil dormir fora da minha casa, porque eu preciso seguir alguns eventos, dormir de tal jeito, com tal roupa, às vezes, com tal colcha de cama. Eu consegui melhorar bastante nesse aspecto. Hoje em dia eu tenho algum desapego, mas para superar essa rigidez para algumas coisas da minha vida, é preciso de bastante força.

Izabella: Então, apego à rotina, que nem vocês já falaram, é uma das formas mais conhecidas, eu acho, de manifestação. Na minha vida, mais recentemente, por exemplo, sou uma pessoa que nunca gostei de fazer exercício físico nenhum. Aí, na pandemia, eu comecei a fazer caminhada na rua no final da tarde e eu descobri que finalmente é o exercício que menos odeio e consigo fazer. Só que o que acontece? Eu me acostumei a caminhar no final da tarde na rua, só que isso foi na época da pandemia, eu estava com outro emprego, minha rotina era outra coisa e agora eu entrei em outro emprego e eu não posso mais caminhar no final da tarde na rua. Então, o resultado é que eu não consigo mais caminhar. Eu já tentei caminhar à noite, já tentei, antes, fazer uma aula experimental na academia. Eu criei essa rotina de que eu preciso caminhar no final da tarde na rua, de um caminho específico na minha casa, no meu setor, e eu não consigo achar graça e não consigo caminhar em outro lugar.

Eu acho que está relacionado a essa questão de você ficar preso ao apego. Eu criei essa rotina de que preciso caminhar enquanto o sol está se pondo. Então, se o sol não estiver se pondo e eu não estiver usando essa mesma rota, eu não consigo caminhar e isso atrapalha bastante. Então, outro exemplo… Não sei se entra exatamente em rotina, mas, por exemplo, eu tenho canecas lá em casa que uso sempre para beber café. E tenho uma caneca específica que uso sempre para beber chá. Aí, a minha cunhada estava lá em casa e ela pegou a minha caneca de beber chá para beber café. Aí eu fiquei, tipo: “mas essa não é a funcionalidade dessa caneca, essa aqui é para beber chá”. Aí ela ficou: “ah, mas essa é uma caneca, caneca é uma caneca”. Eu fiquei: “não, mas essa não é a rotina da caneca, ela precisa ser usada para consumir chá, não para consumir café”.

Então, assim, tem situações e situações em que o apego à rotina, a padrões, pode aparecer na vida das pessoas autistas. E, às vezes, elas são menos relevantes, digamos assim, como a questão da caneca, que pra mim foi bastante relevante. Eu ainda estou chateada que ela bebeu café na minha caneca de chá. Ou, então, pode ser tipo essa, que eu finalmente achei um exercício que eu gostava e agora eu não consigo mais porque eu não posso mais usar dessa rotina que a minha cabeça definiu que só pode caminhar se for nesse horário, nessa rota e se não for isso você não vai mais caminhar.

Luca: Eu só vou pontuar aqui que uma coisa interessante é que não é necessariamente algo que a gente gosta, né? Não é algo que a gente quer que seja assim, mas, às vezes, a vida impõe limitações pontuais que depois a gente não consegue agir de maneira que essas limitações não sejam presentes e a gente passa a nós mesmos a impor elas. Um exemplo que eu tenho muito divertido disso é o Tiago. Ele já até sabe a história.

Tiago: Já tô sentindo a lavação de roupa suja, hein? (risos).

Luca: Eu moro num lugar onde é um pouco difícil de estacionar. O Tiago, recém tirado da carteira, foi me visitar e não tinha muita facilidade de estacionar fazendo baliza, são as dificuldades da vida. Ele estacionou um quilômetro da minha casa e veio andando. Todas as vezes que ele foi me visitar, ele estacionou no mesmo lugar. Não importa se tinha vaga ou não. Era sempre o mesmo lugar que ele estaciona. Então, às vezes, as dificuldades, a gente não consegue conviver sem nós mesmos impormos elas. Isso é algo que passa a acontecer.

Tiago: É, isso é verdade. Eu acho que a gente já falou isso no episódio 152, Autistas no Volante, que saiu em 2020, sobre essa dificuldade do processo de dirigir. Eu acho que o processo da direção é bastante ilustrativo porque talvez seja o ápice de lidar com mudanças e lidar com coisas que estão acontecendo ali naquele momento e como você pode intervir, como é que você pode se comportar de forma que você não vai se envolver em um acidente, que você vai conseguir chegar no seu lugar com calma. E com o fator adicional de que Goiânia é uma cidade que, assim, você aprende a sobreviver no trânsito. O pessoal aqui é bastante hostil no trânsito, de uma forma geral. E eu realmente não tinha nem lembrado dessa história mais, mas eu acho que é bastante ilustrativo mesmo. O Luca mora no Bueno, que é um bairro bastante difícil de estacionar, então realmente é um processo muito estressante. Até o momento que eu comecei a visitar o Luca pegando ônibus, então eu preferia pegar dois ônibus, sair de casa, ir pro Centro de ônibus e ir pro bairro do Luca do que ter o estresse de dirigir e chegar lá estressado. Às vezes eu chegava mais cansado ainda dirigindo do que tendo que fazer o trajeto de ônibus.

Vocês usaram uma palavra chamada ritual, que também é um desses pontos que envolvem a inflexibilidade. No contexto do autismo, então, muitas vezes, a pessoa tem de fato um ritual, a pessoa faz um processo, e aquele processo tem uma consequência e depois outra, outra. E se algum desses pontos, dentro desse intervalo, dá problema, a pessoa fica um pouco frustrada. E a gente vai falar um pouco mais à frente sobre a questão da frustração. Eu lembrei de algumas coisas minhas, que eu tinha, de costume, que até hoje eu acho que ainda existem. Por exemplo, os ônibus de Goiânia têm uma certa configuração. Você tem as poltronas que são conjuntas, então você senta de um lado, a pessoa tá de um lado, e à esquerda, bem perto do motorista, você tem aquelas cadeiras que são individuais. E eu sempre tive o costume de entrar dentro do ônibus e sentar na cadeira atrás do motorista. Sempre foi o meu costume.

Eu lembro que quando eu estava no ensino médio, eu preferia chegar, eu estudava no Instituto Federal de Goiás, aqui no Centro, então eu preferia levantar 5 horas da manhã para pegar o ônibus mais cedo possível, para conseguir finalmente sentar naquela cadeira, do que chegar uma hora depois, dormir mais, e talvez ir na cadeira que eu não gostava. Então, assim, era uma coisa não saudável, claramente não saudável, mas eu sentia que precisava disso de alguma forma.

Continuando nessa questão, eu lembro de um episódio do Introvertendo, que foi o episódio 69, Amizade, que nós lançamos em 2019, que eu trouxe alguns amigos meus que trabalharam comigo, já tem quase 10 anos. E aí um deles, que é o Fábio, ele disse assim no episódio: O Paulo, que é um outro amigo meu, ele tem que sair da casa dele em tal certo horário, passar lá em casa pra me buscar em tal certo horário, a gente ir na casa do meu outro amigo em tal certo horário, e se alguma coisa dava errado nisso, eles sentiam e percebiam que eu ficava frustrado, triste. E eu tenho essa questão com horário, assim, eu sou muito, muito rígido com horário, é uma coisa que eu levo bastante a sério.

Luca: Menos hoje, né?

Tiago: (Risos) É, hoje a gente teve que flexibilizar. Eu acho que esse evento é um exercício de flexibilidade também, em certa medida, né? Mas, por exemplo, casamento era uma coisa que eu odiava. Porque existe um código social de que você tem um horário marcado do casamento, e aí as pessoas chegam depois porque sabem que a noiva vai atrasar uma, duas horas. Hoje em dia isso já mudou um pouco, mas pelo menos quando eu era criança as coisas eram assim.

Izabella: Eu acho que não é nem só em casamento, qualquer tipo de evento social já se espera que não vai seguir o horário. Eu sou muito, eu também sou que nem você, tenho muito apego a essa questão do horário. Mas, por exemplo, eventos, palestras, eu trabalho na Assembleia Legislativa, então assim, tem muita coisa lá, audiência pública, sessão solene, roda de conversa com deputados, enfim, que está marcado para oito horas. Geralmente, eu sou a única pessoa que está lá às oito horas, ninguém chega no horário, em evento nenhum. Então, assim, eu acho que em qualquer tipo de evento, pelo menos aqui no Brasil, eu sei que em outros lugares o costume é diferente e tal.

Mas assim, meu irmão casou em março, a gente estava conversando com a pessoa que estava organizando e tal, ela já falou: “olha, você marca o casamento para às sete, considerando já que os convidados começaram a aparecer a partir das sete e meia”. E, assim, na minha cabeça isso é impensável, está marcado às sete, você chega às sete, não faz sentido nenhum. E, assim, isso é uma questão que sempre me causou bastante sofrimento, essa questão de as pessoas não cumprirem o horário. Só que como eu percebia ao longo da vida que não adiantava nada lutar contra a corrente, que isso é uma concepção cristalizada na sociedade. Tipo, eu sei, por exemplo, está marcado às oito, eu sei que não vai ter ninguém além de mim às oito, mas eu estarei lá às oito. Ah, só vai começar uma hora e meia depois, beleza, mas eu estarei lá às oito.

Tiago: É, eu acho que, assim, eu me relaciono bastante com o que vocês falaram, porque eu sempre tive a concepção de que eu prefiro chegar meia hora antes do que chegar dois, três minutos atrasado. E não é a sociedade cobrando de mim, é eu cobrando de mim mesmo. Então isso definitivamente não é uma coisa saudável. E aí você falou sobre o sofrimento que essas questões causam, e eu acho que é um ponto que a gente pode falar bastante, porque quando algo do seu planejamento, na sua estrutura, não dá certo, você tem que lidar com uma frustração. Já que aquilo não dá certo, a gente vive num mundo que as coisas, as variáveis não estão sob o nosso controle. E como é que é isso para vocês? Vocês sentem que hoje em dia, por exemplo, vocês lidam melhor com a frustração ou ainda é muito difícil?

Luca: Eu sempre acho que agora eu tô bem. Eu sou ótimo. Eu jamais me frustrarei de novo. Eu vou conseguir dessa vez. Até eu me frustrar e ficar muito mal. Na faculdade, nossa, eu lembro quando tinha que fazer trabalho em grupo, eu não gostava de fazer trabalho em grupo com pessoas que eu não conheço. E eu comecei a perder totalmente as estribeiras com isso. Eu não dava conta de raciocinar. Meu Deus, eu tenho que fazer! Até que alguém chegou e me falou: “cara, isso não tá sobre o seu controle. Você tem que fazer e bora lá”. E eu tive que dar um jeito. E depois que eu fui atrás e conversei com as pessoas, tudo facilitou. Mas eu sempre acho que eu tô bem, até eu não estar de novo.

Izabella: Trabalho em grupo, especificamente pra mim, também foi bem complicado. Porque tenho essa tendência de achar que as coisas têm que ser de uma determinada forma, por causa da rigidez cognitiva. Ou as pessoas faziam do jeito que eu achava que tinha que ser feito, ou falava: “não, então tá bom, eu vou fazer sozinha”. E, às vezes, dependendo de quem compunha o meu grupo de trabalho… Ou eles criavam o embate, do tipo: “não, não é assim que tem que ser feito” ou falavam assim: “você quer fazer sozinha? Ok, mas o meu nome também vai pro trabalho”. E eu aceitava. Então, assim, aconteceu algumas vezes durante a vida. Mas, sobre a pergunta específica de como lidar com a frustração, como eu fui diagnosticada tardiamente, vai fazer um ano agora, em setembro, eu nunca soube procurar mecanismos para lidar com isso.

O fato de eu ter crescido sem saber que eu era autista, que tinha uma explicação para eu agir e estar me sentindo desse jeito, sempre levava a minha cabeça a, automaticamente, pensar que: se isso está acontecendo, é porque a culpa é sua, porque você está com algum problema, porque não tem ninguém mais reclamando. Então, acaba que eu não criei, durante a vida, mecanismos para lidar com essa frustração de forma saudável. Então, acho que a minha reação natural é sempre transformar a frustração em autoaversão, que é tipo: “ah, você está frustrada por algum motivo determinado, então isso é culpa sua”.

Então, acho que, respondendo a sua pergunta, como você lida com a frustração, é assim: eu não lido. Estou aprendendo ainda, meu diagnóstico está fazendo aniversário agora, então, é um caminho, um dos suportes que eu precisei durante a vida, não sabia que eu precisava, que existia. Então, fica aí também a resposta para quem às vezes pensa: “ah, mas eu já tenho, sei lá, vinte e tantos anos, por que eu quero saber que eu sou autista agora?”. Porque às vezes você também estava nessa situação, sabe? Você não tinha mecanismos para lidar com os sentimentos provocados, tipo frustração, por causa de questões relacionadas ao autismo, você não sabe de onde isso vem, e você saber de onde vem, o motivo, começa um processo para você procurar formas de se apoiar e de lidar com isso de maneira mais saudável, que agora a resposta que eu tenho para te dar é como você lida, não lido. Mas quem sabe daqui a um tempo, com terapia, ajuda, estudo, enfim, eu consiga responder de forma mais saudável e é isso.

Tiago: Eu acho que é um processo que leva bastante tempo, né? Como eu disse, a primeira vez que eu vim falar sobre autismo foi em 2013, né? Então foram dez longos anos de lá pra cá. E eu acho que eu… É claro, a gente sempre aprende uma coisa ou outra, mas ainda é difícil de lidar. Eu acho que pode ser difícil de lidar, provavelmente, talvez a vida inteira, não sei. Existe um processo em que você entende que o ambiente que você está é variável, que as coisas mudam, que as coisas não estão sob seu controle, ao mesmo tempo que existe um certo nível da forma como você consegue organizar a sua vida, que você consegue, talvez… Justamente para essa questão ritualizada do autismo, de maior apego à rotina, de você organizar certos aspectos da sua vida que estão sob seu controle para que você tenha energia social para você ser flexível em outras. Eu acho que também tem essa possibilidade.

Quando eu tive o primeiro contato com o autismo em 2013, a minha vida era totalmente diferente. Eu ainda estava no final da adolescência, terminando o ensino médio, não tinha renda, não tinha uma vida independente, não tinha um círculo social de pessoas bem definido. A realidade que eu tenho hoje é totalmente diferente. Então eu tenho uma certa autonomia financeira, uma autonomia do que eu vou fazer no dia a dia. Eu tenho uma rotina mais estruturada com relação a trabalho, previsibilidade no lazer, um círculo de amigos, e eu acho que hoje eu tenho na minha vida um grupo específico de pessoas pré-selecionadas que elas talvez intencionalmente ou talvez pela naturalidade do ambiente, elas também se ajustam melhor à minha forma de ser, sabe? Então não é mais aquela coisa do… “Ah, vamos sair à noite”. “Tá, mas à noite em que horário?”. “Ah, mas depois da janta”. “Tá, mas que horas? Cada um janta em um horário”.

Eu janto às 18 horas pontualmente todos os dias. Inclusive, mais uma coisa ritualizada minha. Chegou a hora de bater o ponto do almoço no trabalho, eu faço home office e eu vou lá fazer o meu almoço, eu vou almoçar, se alguém já não começou o almoço antes de mim. E às 18 horas eu bato meu ponto e vou jantar. Então tem pessoas que comem depois das 21 horas. Meu irmão ali, é uma pessoa que a comida tá pronta, ele vai comer 9 da noite. Ou às vezes ele nem janta (risos). Também tem esse outro aspecto, também. Então, assim, é uma situação que… Que, assim, eu consigo controlar no sentido limitado várias coisas, já tendo essa ciência, e exatamente o quanto eu consigo ficar bem com isso, me faz lidar com situações imprevisíveis. Então acho que hoje é um pouco disso.

Eu acho que a pandemia também provocou, na vida de todas as pessoas, tirando a questão do autismo, mas falando sobre todas as pessoas, a pandemia nos colocou numa situação de vulnerabilidade, de perder habilidades mesmo. Eu acho que muita gente relata que perdeu habilidades sociais depois da pandemia, de tanto tempo ficando trancado em casa, que eu acho que algumas coisas também se tornaram mais aceitáveis socialmente. A gente está aprendendo, está todo mundo aprendendo ainda a conviver, a ter energia para sair, para fazer as coisas, mas realmente é um contexto bastante desafiador.

E aí a gente está falando muito sobre essa questão do horário, essa questão de lidar com situações imprevisíveis, mas aí eu queria entrar muito no território da rigidez do pensamento, porque eu acho que isso tem muito a ver com a própria comunidade do autismo. Eu acho que aqui a gente acaba tocando num vespeiro que é importante, mas que eu acho que as pessoas admitem de uma forma geral. Nós vivemos em uma comunidade que é formada por três grupos bem demarcados, que são os autistas, familiares, pessoas da rede de apoio e profissionais. Hoje em dia a gente entende que essas três categorias se cruzam. A gente tem autistas que são profissionais, nós temos familiares de autistas que se descobrem autistas, nós temos familiares que se tornaram profissionais porque tiveram um filho ou uma filha e começaram a estudar o autismo. Então a gente sabe que essas categorias se cruzam.

E o autismo tem muitas dessas de pessoas terem certas visões de mundo que são baseadas, claro, muitas vezes no interesse profundo, a gente fala sobre o hiperfoco, sobre as pessoas desenvolvendo interesse restrito sobre um assunto, mas as pessoas entram tanto dentro desse universo, desse interesse restrito, que elas começam a ficar fechadas para outras perspectivas de mundo, de vida. E a gente convive numa comunidade que tanto autistas, muitas vezes pais de autistas e profissionais, eles têm aquela sua redoma de perspectiva sobre a coisa e não aceitam nada que está fora daquilo.

Acho que no Introvertendo a gente aprendeu a ser flexível quanto a isso, a gente tem um público amplo, a gente sabe os conflitos que existem entre os próprios autistas em relação a questões sobre o autismo, sobre ativismo e tal, mas é uma questão que me preocupa até hoje, porque eu vejo frequentemente as pessoas se desgastando muito com pouco… A pessoa tem aquele pensamento que autismo é isso, as coisas devem ser assim, o ativismo deve ser dessa forma e quem não pensa como eu penso é meu inimigo. A gente vê isso em vários outros âmbitos da vida. Eu queria que vocês falassem um pouco assim, como é que vocês percebem essa questão da rigidez de pensamento em vocês e talvez nos outros autistas que vocês conhecem?

Luca: Eu tenho certa dificuldade de introspecção. Eu acho que o Tiago sabe muito bem disso que eu estou falando, eu tenho muita dificuldade de perceber comportamentos meus, pensamentos meus, eu muitas vezes dependo de outras pessoas que convivem comigo para falar sobre: “olha, você é dessa maneira, você tem dificuldade nisso, você tem a cabeça dura para aquilo”. Então, eu acho que nessa eu devo acabar ficando devendo um pouco, porque eu não consigo dizer, eu não consigo pensar porque nossa, na minha cabeça não tenho nenhuma dificuldade de ser flexível quanto ao pensamento, abraço tudo, lógico que não, mas eu não consigo lembrar disso, mas sobre os outros, é muito fácil ver essas coisas nos outros.

Eu não sei se pelo ambiente um pouco mais belicoso que a gente convive nos últimos cinco anos, as pessoas tenderam a ficar mais combativas com outras opiniões, mas essa impressão que eu tenho pelo menos na internet. Pessoalmente eu nunca convivi com alguém que tem um pensamento rígido, que caso discordasse a pessoa quisesse partir para cima, quisesse brigar. Mas nossa, na internet a gente convive todo dia com gente assim, do espectro autista mesmo, toda hora o Tiago e eu a gente vê discussões homéricas por conta de coisas relativamente pequenas até, eu acho isso de certa forma até assustador.

Izabella: Então, começando, responder primeiro, na minha perspectiva, eu sou formada em jornalismo, então passei pela faculdade de humanas, eu não sei se tem mais alguém aqui que é da área das ciências sociais, das humanas, mas dentro da minha área tem muita coisa que, aliás, a maioria das coisas não tem tipo assim, ou é ou não é. Tudo depende, tudo você pode discutir, tudo é um espectro, tudo depende, sei lá, da sua abordagem, do seu ponto de vista, de não sei o que. E assim, eu sempre, como pessoa autista, eu sempre tive essa, tipo, determinada coisa é X, então tá bom, tá feita essa categoria, não tem discussão. E a partir do momento que eu entrei na faculdade, eu comecei a ter contato com vários assuntos, principalmente, sei lá, na área da sociologia, porque quando eu entrei na faculdade, eu comecei a fazer Direito.

Então, por exemplo, eu tinha uma disciplina que a gente fazia no início, que era a introdução ao Direito, que aí o professor estava ensinando, tipo, ah não, quais são as fontes do Direito. Aí ele falou, não, que a fonte do Direito tem a lei, não sei o quê, mas, dependendo do caso, a esposa do juiz pode ser uma fonte de Direito. Aí eu fiquei assim: “como assim a esposa do juiz pode ser uma fonte de Direito?”. Aí eu questionei ele: “não, mas está escrito na lei, a lei é a fonte do Direito”. Aí ele falou: “não, se o juiz quiser, sei lá, ele está julgando um determinado caso e conversa com a esposa dele. As coisas são maleáveis, são diferentes”. Então, assim, a primeira vez que eu tive esse choque maior, de tipo, de me deparar com coisas que estavam literalmente escritas e publicadas, como a lei, especificamente nesse caso. E nem sempre é o que é, nem sempre acontece como deveria ser.

Nossa, eu fiquei completamente sem rumo, sabe? Principalmente nessa época em que eu fazia Direito, porque aqui tem, no Brasil, por exemplo. Não é porque uma coisa é lei, tipo, literalmente lei publicada, que ela vai ser cumprida. Porque tem, segundo eu aprendi esse termo lá, tem a concepção das “leis que não pegam”. Então, por exemplo, ah, está na lei que é proibido a sacolinha plástica, mas a lei não pegou, então está tudo bem. Ah, está previsto lá que tem que multar o estabelecimento, mas ninguém multa. E isso não entrava na minha cabeça de jeito nenhum. A lei está lá, é proibido, tem uma sanção determinada e ninguém está nem aí. Tipo, não é aplicado, não é aplicado a obrigação e a sanção também não vai até os finalmentes. E isso aconteceu bastante quando eu fazia direito com essa questão da legislação. Tem muita coisa que está escrito e não vai para a prática. E, assim, na minha cabeça, o fato de estar escrito já era uma garantia. Eu falava assim, cara, está escrito, então acabou, não é? Tipo, a lei é lei.

Eu acho que, por exemplo, um grande exemplo que eu posso usar disso é por exemplo na… Eu falei exemplo 90 vezes em uma frase. Por exemplo… Argh! Desculpa, gente.

(Risos)

Izabella: A questão dos acompanhantes escolares. Tá na lei que é direito das crianças autistas, das crianças com deficiência. Na minha cabeça, se tá na lei, acabou. Elas têm direito e pronto. Mas eu acompanho bastante várias mães de autistas, pais de autistas, pelas redes sociais e eu vejo que não é por aí. Não é porque tá na lei que tá garantido. Em tese deveria estar, mas na prática não é assim. Então, às vezes o negócio tá lá, tá garantido, mas você tem que entrar na justiça, tem que ir atrás e não sei o que e tal. Eu tive esse problema quando eu fazia Direito, aí depois eu não conclui a Faculdade de Direito, eu transferi para Jornalismo, e parece que piorou, porque no Direito era mais nessa questão legal. E em Jornalismo você já entra em várias discussões filosóficas, sociológicas e de mídia, e nada é simples assim, preto no branco. E foi um desafio para mim conseguir lidar com isso, porque eu tenho muito essa tendência de querer criar uma categoria, tipo: “não, você me explica como funciona determinado assunto e isso vai ficar cristalizado na minha cabeça, que é assim que funciona”. E na área das humanas, das ciências sociais, a maioria das coisas, eu acho que poderia me arriscar, falar que a maioria das coisas não é definida e criou-se a categoria e pronto, que é o que na minha cabeça eu precisava, eu iria atrás e ia buscar.

Luca: Eu me recordei agora que uma das minhas abordagens para lidar com a rigidez e com toda a questão do pensamento rígido e inflexibilidade, era me negar. No sentido de que eu percebi que eu tinha muitos embates com a minha família e com os meus amigos sobre pensamentos rígidos que eu tinha, principalmente durante a adolescência, então eu passei a… Não é saudável, não façam isso. Eu passei a achar que eu estava errado em muitas coisas, então se alguém fala X e eu falo Y, o X está certo. E isso é uma coisa que me assombra, que eu até parei de fazer. Era que eu falava muito sobre filmes e músicas que eu escuto. Eu nunca mais faço isso porque eu chego em alguém e falo: “Nossa, eu assisti e tal filme é maravilhoso, estou apaixonado pelo filme, estou encantado”. Se a pessoa fala que o filme é ruim, eu nunca mais consigo assistir. Isso muda totalmente a minha perspectiva do filme. Para mim, o filme é horrível. Depois, eu não consigo mais.

O meu pensamento é muito moldável, não de maneira saudável, só porque eu abraço qualquer coisa que as pessoas falam como verdade, porque eu abracei a ideia de: “Olha, não está sob meu controle, eu não vou ser rígido porque isso aqui não depende de mim”. Então, eu faço o que eu posso e o resto as pessoas fazem.

Tiago: Eu acho que isso tem muito a ver com uma punição social que muitos autistas passam ao longo da vida, porque você parte do pressuposto de que você é uma pessoa que tem um conjunto de interesses. Vamos supor que você tem um hiperfoco em música e filmes e você fala disso o tempo inteiro. E ninguém suporta você falar sobre isso o tempo inteiro. Então, você vai aprendendo ao longo do tempo que quanto menos você falar sobre isso, você vai ser mais recompensado socialmente por causa disso, você vai fazer mais amigos, você vai ser mais aceito, apesar de que você vai se sentir desconfortável e sempre pensando que as pessoas vão te criticar quando você fizer isso. Isso, infelizmente, é uma questão que ocorre com muitos autistas. A gente já falou isso em outros episódios sobre uma autocrítica excessiva também, exacerbada, das pessoas chegarem a um ponto de que elas acham que tudo que elas fazem é ruim, é de má qualidade ou de realmente ter muito, muito receio de fazer alguma coisa, e isso não é definitivamente saudável. A gente sabe que um pouco de autocrítica é realmente muito importante, porque também tem um outro lado, tem pessoas que acham que tudo o que elas fazem é maravilhoso e não é bem assim, se a gente for observar, mas autoconfiança também é um aspecto bastante importante.

Eu me relaciono com muitas coisas que vocês falaram, acho que dá para a gente viajar várias questões sobre essa questão de rigidez de pensamento, mas eu queria voltar um pouco a minha infância, porque eu fui uma criança muito religiosa, e aqui sem fazer juízo de valor e tal, as pessoas têm as suas crenças de uma forma geral, mas o que eu sentia quando eu era uma pessoa religiosa é que eu levava as questões religiosas muito mais a sério que as outras pessoas. Então, eu observava o ambiente, o meu entorno, e via que certas coisas que as pessoas acreditavam, elas acreditavam até a página 2, porque quando alguma coisa afetava alguma coisa na vida delas, elas pensavam que não era tão bem assim. E eu não, eu realmente me julgava e julgava o ambiente social muito de acordo com aquilo que eu li, na letra fria da lei, digamos assim. E isso me trouxe vários prejuízos, dentro do ambiente da escola, por exemplo, a gente falou tangencialmente sobre a questão do hiperfoco, o hiperfoco entra nessa parte dos interesses restritos de uma forma geral. Então, a pessoa autista que fica falando sobre os seus assuntos o tempo inteiro acaba tendo vários prejuízos sociais porque ela não consegue, muitas vezes, identificar quando as pessoas não querem saber sobre aquele assunto, e ela acaba passando a imagem de uma pessoa chata.

Quando socialmente uma pessoa não tem um diagnóstico, ela não tem uma identificação de que ela é autista, ela pode passar por essa imagem de uma pessoa chata, de uma pessoa que tem uma falha de caráter, porque o autismo “leve” é esse limbo. Você não é, aparentemente, autista o suficiente para que as pessoas olhem para você e pensem assim, não, não, peguem leve com ele porque ele é autista, e ao mesmo tempo você é normal o suficiente para você passar despercebida e as pessoas acharem: “aquele cara ali é um mala, é chato”. Então isso acaba sendo uma questão bastante complicada.

Agora, no território da comunidade do autismo, vou me estender um pouquinho, assim, detalhando um pouco mais, a minha preocupação histórica da comunidade do autismo é que a ideia de autismo evolui ao longo do tempo. A gente tinha uma noção de autismo lá na década de 1940, quando o Leo Kanner estuda Donald Triplett, que inclusive morreu esse ano, o primeiro autista diagnosticado na história morreu acho que com 90 anos recentemente. Quando ele define o autismo ali, o autismo era uma coisa extremamente rara. Até a década de 1980, as prevalências de autismo nos Estados Unidos falavam de um autista a mais de mil pessoas, e à medida que os manuais médicos começaram a flexibilizar essa ideia de autismo, a gente foi entendendo de que isso que a gente chama de autismo, essa coisa, é algo muito mais amplo.

Só que quando a gente fala sobre autismo, aí vem aquele questionamento que eu até falei no episódio de romantização do autismo, que saiu agora, recentemente, episódio 253. Qual é a forma certa de falar sobre autismo? Porque essa palavra representa muita coisa. A gente pode estar falando sobre o autismo enquanto categoria médica, enquanto diagnóstico, mas a gente pode estar falando sobre um modo de existência, a gente pode estar falando de verbo. Tem gente que fala que está autistando, por exemplo. É um sentido totalmente diferente da palavra do autismo, né? Então o que a gente vê, muitas vezes, na comunidade é um conflito de, por exemplo, uma pessoa autista recebe o diagnóstico na vida adulta. Esse diagnóstico explica várias coisas, dá um sentido pra vida daquela pessoa. E ela começa a ver que existem pontos bons no autismo, como a gente falou no episódio 254 – O Lado Bom do Autismo.

E aí você tem uma família, por exemplo, uma mãe, um pai, que tem um filho que tem muita dependência, que não desenvolveu fala, que muitas vezes está em um contexto de autonomia que é totalmente diferente de uma pessoa autista, por exemplo, que está no mercado de trabalho, que está na universidade. A pessoa vê uma pessoa autista falando que é feliz ser autista, aquilo é um escândalo. Aquilo é a pior coisa do mundo. Então, assim, são realidades tão diferentes de lidar com o autismo, são formas totalmente diferentes de viver o autismo que uma pessoa não consegue se colocar na perspectiva do outro. A gente fala de teoria da mente no autismo, os cognitivistas falam de teoria da mente e o pessoal do comportamento fala de tomada de perspectiva, que é quase a mesma coisa aqui, tentando ser um pouco bem superficial. Então as pessoas não conseguem ter essa perspectiva do outro. Como é que o outro pode pensar dessa forma? Como é que a pessoa pode pensar dessa forma?

Eu acho que o Introvertendo, essa presença digital e também conhecendo associações de autismo, me fez pensar muito e flexibilizar muito isso. Sou um cara que teve o contato com o autismo aos 17 anos em 2013. Até antes disso, eu ouvia falar sobre autismo e eu não tinha nem a ideia do que é isso, que é totalmente diferente de um familiar que tem um filho que recebe diagnóstico com 3 anos. São realidades totalmente distintas e eu acho que dentro da comunidade a gente precisa aprender a ter essa flexibilidade. Não é nem no sentido de chegar assim: “não, eu concordo contigo porque você acha que o autismo é uma tragédia”, mas é no sentido de entender o porquê a pessoa acha que o autismo é uma tragédia. Eu posso discordar, mas eu preciso compreender o repertório que a pessoa tem para poder falar isso.

Izabella: Eu acho que essa questão de pensamento rígido é um desafio óbvio em várias questões, mas, tipo, dentro da comunidade do autismo no relacionamento entre autistas também é difícil, porque assim, tem a minha rigidez e tem a sua rigidez, aí elas se encontram e a gente tem que saber lidar e encontrar esse meio termo. E eu acho que, como você falou quando você puxou esse assunto, é um pouco polêmico você tentar lidar com isso, porque eu já vi várias vezes na comunidade do autismo na internet pessoas usando a rigidez cognitiva como desculpa para ser preconceituoso, para ser racista, para ser homofóbico e não é por aí que funciona. Tipo, tem um episódio daquela série The Good Doctor que tem um personagem protagonista, ele é autista e ele é médico, aí ele recebe uma paciente, eu não lembro se é uma mulher ou se é um… a atriz é trans, aí por exemplo chega lá a paciente trans. Só que tipo assim, na série ele fica tratando a personagem como homem e eles colocam como a justificativa da história, tipo: “ele é autista, ele não entende o que é uma pessoa trans”.

E quando eu vi essa discussão sobre esse episódio específico no Twitter várias pessoas, tanto da comunidade do autismo de outros países quanto aqui, debatendo sobre isso porque é uma coisa que acontece. Usam de desculpa, tipo: “ah não, ele tá sendo transfóbico porque ele é autista, ele não entende o que é uma pessoa trans” e não é por aí, sabe, não é a gente não pode pegar e usar a rigidez cognitiva como desculpa para cometer erros como esses que são gravíssimos. Então eu estou puxando esse assunto mais como uma reflexão, eu não tenho nenhuma conclusão, tipo: “ah então sejam assim ou sejam assado”, até porque não existe essa resposta. Isso é só a minha cabeça que trabalha naturalmente para sempre determinar um raciocínio apresentando uma conclusão, eu acho que é vício do ensino médio de redação do Enem. Você aprende que você tem que trabalhar o problema só que você tem que apresentar uma solução no final, aí isso ficou tatuado no meu cérebro. Tipo, sempre que você abordar um assunto, ao final apresente uma solução.

Mas vamos lá, trabalhar a flexibilidade, esse assunto não tem uma conclusão, é só um apontamento que eu queria fazer mesmo, que eu já vi, muitas vezes, eu já escutei outros episódios de outros podcasts de gente falando isso, tipo, que autismo, que a inflexibilidade cognitiva não são desculpas, não são passes livres para você apresentar comportamentos que não são aceitáveis, sabe, então é outro ponto que acho que a gente deve refletir.

Tiago: Eu só queria acrescentar que às vezes essa rigidez de pensamento também traz problemas para a própria pessoa autista. Você falou de Good Doctor, tem uma série que não sei quantos aqui conhecem, que é Amor no Espectro, que é um é um reality show / documentário australiano, que tem duas temporadas feitas na Austrália e uma temporada dos Estados Unidos. E aí na produção da Austrália tem um personagem que aparece nas duas temporadas que é o Michael. Ele é um homem autista que quer uma namorada. Só que ele tem assim, valores muito rígidos sobre o que deve ser a família e como deve ser a relação. Ele colocou dentro da cabeça dele que ele tem que ser o provedor, que ele tem que fazer várias ações e assim, ele não dá conta das próprias regras que ele estrutura e as mulheres com quem ele sai ficam incomodadas com isso. Então assim, dá pra ver claramente que é um problema para as outras pessoas, mas também é um problema pra ele.

Então quando a gente fala sobre essa questão da rigidez de pensamento, a gente fala sobre a cultura da comunidade do autismo, mas também a gente fala sobre a cultura da sociedade que está em constante transformação, né. Então hoje a gente tem certas discussões sobre alguns temas que são coisas estabelecidas e daqui a 10 anos a gente vai ter um cenário completamente distinto. Então a gente volta de novo na questão da inflexibilidade. Pessoas com dificuldade de serem flexíveis em um mundo em constante transformação.

Luca: A minha perspectiva era quase antitética à de vocês dois, é de uma pessoa que passa a ser flexível demais e como no exemplo que vocês trouxeram era da pessoa que é totalmente inflexível e como que isso pode afetar ela, uma pessoa que a partir do momento que ela começa a negar demais a si mesma, a ser amplamente flexível, ela passa a ter comportamentos e dar às pessoas em volta dela permissões que ninguém mais daria. Uma pessoa que aceita tudo, que permite que outras pessoas encostem onde normalmente ela não gosta, mas se todo mundo deixa encostar no braço, por que eu não deixaria também? Esse tipo de coisa, a partir do momento que você não tem uma perspectiva crítica sobre as pessoas em sua volta também, te oferece riscos sociais. Isso é uma certa extrapolação minha, porque normalmente eu não acho que oferece riscos, inclusive é até saudável você refletir sobre seus comportamentos e ver, olha, eu preciso ser mais flexível quanto a isso, tal coisa afeta meu relacionamento, meu casamento, qualquer coisa.

Tiago: Mas eu acho, Luca, desculpa te interromper, que isso também tem uma certa relação com rigidez, porque, por exemplo, vamos supor que você está em um relacionamento que está te deixando profundamente infeliz, é um relacionamento muito complicado. Aí a gente está falando de uma realidade que muitas pessoas não autistas vivem, vamos tentar generalizar um pouco além do autismo. Você está em um relacionamento que é complicado, só que você está acostumado àquela dinâmica do relacionamento, você está junto com aquela pessoa por 5, 6 anos, vamos supor aqui um número aleatório de anos. Você tem uma certa dependência emocional daquela pessoa. Você está tão acostumado, dentro daquela rotina e etc, que o custo para você sair daquela relação é maior do que você [perder a rotina]… sabe?

Então, também acaba sendo uma forma de rigidez, assim, você está sendo flexível demais, aceitando tudo ao seu entorno que está te deixando infeliz, mas, ao mesmo tempo, você está sendo rígido o suficiente para você não sair daquela situação e se impor diante do mundo. E, lembrando: as pessoas que estão nesse contexto não são culpadas, Eu estou trazendo só uma questão ilustrativa.

Luca: É, até porque uma pessoa que é rígida, ela não necessariamente é rígida em tudo na vida dela, e uma pessoa flexível também não é. Esse é o maior problema, talvez o problema que você precise de muita introspecção para conseguir analisar isso e, como eu havia dito do meu exemplo pessoal, falar com as pessoas em sua volta sobre como que é o seu comportamento, porque, a partir do momento que você tem essa ideia, você… pode ser chato, mas você consegue pelo menos treinar o que você acha que não é saudável e vê os seus comportamentos que passam a te afetar. Tipo acordar às cinco da manhã para pegar um ônibus, para pegar um lugar, né?

Tiago: Com certeza. E aí, partindo para um outro nível da discussão, eu queria questionar vocês sobre como é que a gente faz para mudar essa situação. Será que é necessário lidar ou tentar diminuir essa rigidez no autismo? Porque eu vou trazer aqui já a minha perspectiva. Eu acho que é fundamental. E aí a gente toca de novo numa questão sensível sobre o autismo. A gente sempre teve, historicamente, uma ideia de autismo apenas baseada em déficits. Então, tudo falta nos autistas. Os autistas têm que se adaptar ao mundo. E aí você tem um cenário, a partir dos anos 1990, que os primeiros ativistas autistas falam: “peraí, vamos tentar reinterpretar isso e trazer uma perspectiva positiva do autismo”. E aí, beleza, a gente tem esses dois cenários que, de certa forma, entram em choque. Só que aí que mora, talvez, a armadilha, né?

No episódio O Lado Bom do Autismo, nós falamos sobre a ambivalência das características do autismo. Uma característica do autismo, dependendo do contexto social, pode ser positiva e negativa ao mesmo tempo. Por exemplo, ser mais ritualístico, ser mais apegado à rotina, é ruim pra nós, por exemplo, que estamos na vida adulta. Mas para idosos é melhor. Essa característica do autismo costuma beneficiar autistas idosos, por exemplo. A gente tem estudos nesse sentido. Porque quando você se torna idoso, você vai perdendo habilidades e vai ficando um pouco mais difícil organizar, manejar a sua vida. E para autistas idosos, essa habilidade, você perde menos.

Só que, inquestionavelmente, isso traz vários problemas na nossa vida. Então, a gente precisa, sim, de algum nível de flexibilidade. Por que não é aquela ideia de que o mundo odeia os autistas. É porque as coisas são assim. A nossa vida, a nossa perspectiva sobre as coisas também mudam. A gente se transforma o tempo todo. A gente está estudando uma área, um tema de interesse e a gente, talvez, perde o interesse naquilo e precisa mudar. Então, nós mesmos, muitas vezes, nos contradizemos nessa lógica.

Tem uma reportagem da BBC muito interessante, que eu li há umas duas semanas que me faz lembrar um pouco disso. De que os seres humanos, de uma forma geral, têm uma tendência a ter uma dificuldade de desistir. Se você está no início de um processo, de qualquer coisa que você está fazendo na sua vida, o custo para desistir é menor porque você está começando. Mas vamos supor que você fez um esforço muito grande, já está quase no final e, muitas vezes, você sabe que aquilo não vai dar certo. Por exemplo, subir no Everest. Muitas vezes, as pessoas continuam tentando subir no Everest e morrem no meio do caminho, pensando que voltar talvez seria melhor.

Tem a ver também com desistir, por exemplo, de um curso de graduação. Você está no primeiro ou segundo semestre, é super fácil desistir. Mas, quando você está perto do final, como é que fica isso? Tem gente que vai lá e termina de teimoso. Eu sou meio assim.

Luca: Eu não. Eu largo mesmo.

Tiago: Então, a questão é, a gente precisa lidar com essa flexibilidade? E de que forma a gente pode ver isso na prática, na concepção de vocês?

Luca: A minha resposta talvez não tiraria mil na redação do Enem, porque a minha solução não é existente. Eu vejo que algo que, a partir do momento que te afeta emocionalmente, te afeta interpessoalmente, te afeta em qualquer aspecto, deve ser analisado. Nem sempre tudo tem que ser levado em consideração, porque a gente tem que lembrar que a sociedade não é sempre receptiva a qualquer comportamento de pessoas autistas. Nem toda crítica vindo da sociedade vai ser uma crítica muito válida. Mas se todo mundo em sua volta fala que você tem um comportamento X que te afeta, que te faz mal, cabe você analisar isso, cabe você repensar isso. Só que até aí precisa ser de um senso crítico muito importante da sua parte, que nem sempre é algo muito presente. Às vezes, como você tinha dito no começo, falta senso crítico, mas às vezes é demais. Tudo que é feito é repensado cinco, seis vezes antes de ser posto em prática. Por isso que não há uma solução existente. Não tem como você garantir que todo mundo conseguiria repensar alguma atitude, não tem como praticar isso.

Izabella: A minha resposta vai lidar com o meu lugar como cria de uma faculdade da área das humanas, e a minha resposta é depende, porque tem casos e casos. Eu acho que a gente focou aqui mais nos desafios. Mas, por exemplo, é uma coisa que eu já fui elogiada várias vezes, desde a época da escola até a faculdade, na área profissional, que sempre me falaram que eu sou muito sistemática. Então, o fato de ter esse comportamento ritualístico já foi benéfico em algumas situações como essas que eu citei. Então, por exemplo, nesse tipo de caso no trabalho atualmente, eu tenho funções que foram delegadas a mim, porque falaram que eu sei que a Izabella é sistemática, que ela é muito… Eu até confesso que fico um pouco incomodada quando ficam me chamando de sistemática. Acho que sistemática é a palavra, que é muito certinha. Eles falam que a Izabella é toda certinha, que ela segue todos os passos e não sei o quê. Então, já foi benéfico em algumas partes. Eu não acho que seja uma questão de precisamos flexibilizar para que ela não seja tão certinha com os procedimentos e já foi um problema também.

Por exemplo, às vezes tem uma coisa que tem que ser feita que tem que seguir uma quantidade X de etapas e eu quero seguir todas. Só que aí a pessoa que está trabalhando comigo fala que não é necessário isso ser feito. Mas eu preciso fazer todas as etapas. Então, às vezes isso irrita as pessoas no ambiente. Então, por exemplo, acho que nada você pode pegar e falar que isso aqui é totalmente positivo ou totalmente negativo. Tudo depende do ponto de vista que você resolve analisar a situação, que é uma coisa que a gente trabalha muito na Faculdade de Jornalismo. Tipo, beleza, tem um fato que aconteceu. Você pode abordar esse fato por vários ângulos diferentes. Às vezes, uma coisa que aconteceu foi muito positiva pelo ângulo dos direitos humanos, mas foi negativa pelo ângulo de gasto de recurso público ou alguma coisa assim, ou então alguém não concorda com você. Então, tudo depende da forma que você resolve olhar para o problema em específico. Não para o problema, para a situação em específico. Então, é óbvio que tem situações que, sim, a gente precisa aprender a lidar, a gente tem que criar estratégias de flexibilizar, de poder lidar mesmo com a situação, mas tem outras que não necessariamente são um problema e chegam a ser benéficas. Acho que, para uma pessoa, por exemplo, que trabalha com ciência, essa questão de comportamento ritualizado, de rigidez, é extremamente positiva. Há casos e casos. Então, a minha resposta fica para a frustração de todos, e para mim mesma, depende.

Tiago: Olha, concordo com vocês. Acho que dá para a gente passear em várias questões. No episódio O Lado Bom do Autismo, mais uma vez citando ele, porque o povo gostou muito do episódio, acho que ele se conecta também muito com isso que a gente está falando, eu falei muito sobre a ambivalência do autismo. Dependendo do contexto social, uma característica do autismo pode ser positiva e negativa ao mesmo tempo. E lá naquele episódio, eu falei muito sobre a tendência a ser apegado a rotina, ritualístico, me fez, por exemplo, fazer coisas que as pessoas têm mais dificuldade e que elas consideram chatas. Por exemplo, academia. Eu estava conversando com o meu colega de trabalho, o Adriano Quadros, inclusive um abraço para ele. Ele tinha me perguntado se eu estava indo na academia. Eu falei sim, estou indo cinco vezes na semana. Ele levou um susto, porque ele tem muita dificuldade para conseguir os cinco dias. E ir para a academia não é uma coisa que me deixa extremamente satisfeito, mas tem que fazer. E o fato de isso estar dentro da minha rotina me traz uma certa satisfação. Eu vou lá e faço. Eu vejo que eu tenho uma tendência a fazer mais coisas chatas que as pessoas têm um pouco mais de dificuldade. Mas aí a gente entra num território também que muitas vezes o autismo não está sozinho. O autismo pode estar junto com o TDAH. No TDAH a gente tem um cenário bem desafiador. Eu sou autista “autista”, digamos assim, então eu vejo que eu não tenho muita dificuldade com procrastinação, com outras questões assim.

E aí eu estava indo na nutricionista e aí tem outra questão dos comportamentos repetitivos, de inflexibilidade que a gente não comentou, que é a seletividade alimentar, que é uma questão que compromete a qualidade de vida inquestionavelmente de muitos autistas. Eu não vou falar “mas” para poder dar a impressão que a seletividade alimentar é uma coisa positiva. Porém, entretanto, todavia, a nutricionista ficava impressionada com o fato de eu comer de uma forma disciplinada coisas que ela estipulava sem enjoar delas. Que ela falava assim: “cara, as pessoas não suportam ficar comendo essa coisa saudável aí durante dois, três meses”. E ela perguntava como eu conseguia fazer isso. Aí eu comecei a rir e falei: “é autismo” (risos). Só o autismo explica esse tipo de coisa, entendeu?

Então acho que é muito disso, assim, de uma forma geral. Ter uma rigidez de pensamento sobre, por exemplo, alguns temas como, por exemplo, política, por exemplo. Pra você ser um intelectual relacionado a uma vertente política, muitas vezes você vai desenvolver um interesse restrito por tal corrente política, você vai ler todos os autores, o que eles pensavam, e aí OK, dentro de um ambiente, por exemplo, de co… Vamos supor aqui um clube, você tá dentro de um clube, a galera tá nadando, você tá conversando com as pessoas, você falar de política lá, vai ser um negócio super chato. Mas se você falar de política dentro de um DCE de uma universidade, você tá na sua casa, entendeu? Então eu acho que tudo depende do contexto social que você também está envolvido.

Eu acho que o segredo para muitos autistas, e aí tudo depende de apoio da sociedade, depende de recursos que, infelizmente, muitas vezes não tem, se você mora num lugar que você tem menos acesso a contextos culturais, é de que autistas precisam estar nos lugares certos para que muitas vezes aquilo que é associado como dificuldade do autismo tenha também uma abordagem mais positiva e a gente consiga trabalhar nisso. Eu vejo que eu consegui, ao longo desses anos, também me beneficiar desse jeito mais rígido de fazer coisas que as outras pessoas não davam conta, né? E isso me levou, inclusive, a fazer o próprio Introvertendo. Então, modéstia à parte, o Introvertendo é um projeto que durou cinco anos, a gente nunca atrasou o lançamento de um episódio porque, rigidamente, eu estabelecia que um episódio do Introvertendo tinha que ser gravado, no mínimo, um mês antes do lançamento. E, ao mesmo tempo, nós tivemos que desenvolver flexibilidade para marcar um evento que a gente não tinha a menor ideia se poderia dar certo ou não, porque uma coisa é você ter uma audiência de milhares de pessoas na internet, outra coisa é você transportar para o presencial. Vir para cá, encontrar um monte de gente que está sendo um prazer aqui conversar com vocês e gravar isso, e ter toda essa questão de lidar com a mudança de horário, mudar com questões do ambiente. Então, acho que esse episódio é um teste de flexibilidade e eu acho que a gente foi aprovado nesse teste aí.

Luca: Não é querendo puxar saco do meu chefe não, mas se dependesse de mim e do meu esforço, da minha inflexibilidade, o Introvertendo não tinha passado do segundo episódio (risos). Então, realmente…

Tiago: A rigidez salvou a gente e fez com que a comunidade também tivesse acesso a isso. Muito obrigado, Izabella, pela participação nesse episódio sobre inflexibilidade e pensamento rígido. É um prazer estar contigo e conversar sobre essas questões. Então, fica à vontade para dar uma mensagem final ou falar sobre o seu trabalho. Se você tiver um trabalho que queira divulgar ou não. E é isso.

Izabella: Queria agradecer, primeiramente, o convite, a oportunidade de estar aqui. O Introvertendo está chegando ao final. Eu falei na introdução a importância que o podcast tem na minha vida. Então, assim como no meu caso, eu tenho certeza de que deve ter outras pessoas por aí, outros ouvintes, em que ele foi muito importante no processo de descoberta. E eu comecei a escutar Introvertendo só porque eu era amiga do Tiago na faculdade. Ele lançou um podcast e eu falei: “Ah, sou amiga do Tiago, vamos escutar”. Eu nunca tinha passado, assim, pela minha cabeça que eu podia ser autista. Eu não sabia nem direito o que era autismo, então, assim, ele está acabando, mas vai ter sempre um lugar muito especial no meu coração. Então, eu fico feliz de poder contribuir. Eu espero que eu não tenha falado muita besteira aqui, né? Que tenha contribuído de alguma forma. Eu acho que é isso. Muito obrigada.

Eu vou abrir a associação Viúvas do Introvertendo. Interessados, podem entrar em contato comigo. Tá bom? O Tiago vai deixar o email. (risos) Brincadeira, gente. Mas é isso. Muito obrigada. Obrigado, Luca. Obrigada, Tiago. E é isso.

(Fim do episódio)

Tiago: Eu queria agradecer muito a vocês. Puxando muito pro lado pessoal, desculpa desde já, mas… Pra mim isso é muito simbólico porque o Introvertendo foi um projeto que durou 5 anos, 10 anos da minha história com autismo. E eu realmente não conseguia pensar o que seria daqui hoje. Como eu disse no início, foi um tiro no escuro. Eu cheguei pro Marcelo, falei assim: “Marcelo, é o seguinte, a gente sempre teve a vontade de fazer um encontro de fãs do podcast e tal”. E ele abraçou a ideia e puxou, usou toda a energia possível. O pessoal do Naia deu um apoio muito grande. E eu queria muito agradecer esse apoio. Queria agradecer a todas as pessoas que vieram, quem conhece o Introvertendo, que não conhece e que tem a oportunidade de conhecer. Acho que foram anos incríveis, muito trabalho, muita coisa. Mas acho que só o fato da gente poder se reunir em comunidade e fazer aqui, e ter essa experiência, que é uma experiência que eu queria ter tido lá em 2013, 2014, 2015, que eu não conhecia ninguém e me senti, assim, a pessoa mais diferente possível, né? E hoje a gente pode ter isso na comunidade. Acho que é uma coisa incrível. Então eu queria agradecer a vocês que estão aqui até o final, as pessoas que não puderam ficar até o final, e eu espero que daqui a 5, 10 anos, vocês se lembrem desse dia, de uma forma carinhosa, como um momento cristalizado no passado, que fez todo sentido para o que a comunidade do autismo vai se tornar. Então, do meu coração, estou muito emocionado, muito feliz, e muito feliz por ter dividido esse espaço com vocês. E agradecer mais uma vez o Naia, agradecer a Secretaria de Direitos Humanos, que cedeu o espaço. E é isso, pessoal. Muito obrigado.

(Palmas)

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Equipe Introvertendo Escrito por: