Introvertendo 207 – Autismo e os Povos Indígenas

Neste episódio, Carol Cardoso e Tiago Abreu conversam com Márcia Kambeba e Carlos Kambeba, mãe e filho indígenas do povo Omágua Kambeba, e Deborah Martins, indígena Pataxó e diagnosticada com autismo na fase adulta. Márcia e Deborah dividem as particularidades de conviver com o autismo sendo indígena, discutem visibilidade indígena na comunidade do autismo e contam como é possível incluir os povos indígenas na luta anticapacitista. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Tiago: Um olá para você que ouve o podcast Introvertendo, que é o principal podcast sobre autismo do Brasil. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos apresentadores aqui do Introvertendo e hoje nós temos um tema que com certeza deveria ser central em algumas discussões sobre autismo, mas infelizmente é muito negligenciado.

Carol: Realmente, Tiago. Eu sou a Carol Cardoso, tenho 24 anos, sou arquiteta e fui diagnosticada com autismo em 2018.

Tiago: E o episódio da semana é “Autismo e os povos indígenas”, e para essa conversa nós temos duas convidadas que vão se apresentar agora.

Deborah: Bom, meu nome é Deborah, eu sou chefe e criadora do Alecrim Baiano, que é uma página sobre culinária, gastronomia anticolonial. Eu tenho 27 anos e moro em Alcobaça no extremo sul da Bahia. É isso, eu tô aqui pra conversar com vocês hoje.

Márcia: Sou Márcia Kambeba, sou do povo Omágua/Kambeba, sou poeta, escritora, ativista indígena e ambiental para fazer a nossa resistência e o nosso ativismo.

Tiago: E nesse episódio nós vamos seguir uma linha um pouco diferente. No primeiro bloco, nós vamos conversar apenas com a Deborah e no segundo episódio nós vamos conversar com a Márcia e também com o filho dela, o Carlinhos. Vale lembrar que o Introvertendo é um podcast sobre autismo feito por autistas com produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Tiago: Então Deborah, gostaria de saber como o autismo entrou como tema na sua vida.

Deborah: Eu faço terapia, né? Com outra terapeuta que eu já tive antes, isso foi uma pauta levantada, mas a gente não chegou a investigar muito a fundo. Foi mais por alguns padrões de comportamento, algumas manias, digamos assim, ela notou e comentou. Daí ano passado eu comecei a fazer terapia com outra psicóloga, uma psicóloga indígena, que eu me eu reconheço, me reconheço melhor. E ela mencionou o assunto ao lado com o TDAH, mas de uma forma muito mais aprofundada do que a minha a minha terapeuta anterior. E realmente foi algo que bateu muito, mas desde o diagnóstico na verdade vem uma sensação de alívio mesmo. Porque eu achei respostas pra padrões de comportamento e de como a minha mente se situava em sociedade, eu achei respostas muito mais concretas depois do diagnóstico tanto do autismo quanto do TDAH. E aí depois veio a avaliação e consequentemente o laudo, né?

Tiago: De lá para cá, quais características do autismo você percebe que fazem parte da sua vida?

Deborah: Além da ecolalia, antes eu achava que era TOC. Mas conversando com a psicóloga e com a psiquiatra descobri que não é TOC e na verdade é uma das características do autismo de ser metódica, de não gostar que as coisas estejam fora do lugar e quando eu era mais nova eu tinha muita dificuldade pra comer mas não era porque eu não gostava de comer. Era porque eu não me dava bem com a textura de grande parte dos alimentos. É algo que eu aprendi a lidar estando na gastronomia, sendo chef, etc e eu até converso com outras pessoas autistas que tem sensibilidade alimentar porque aprender a cozinhar foi algo que me ajudou muito nessa questão. Porque eu realmente me alimentava muito mal por conta da textura. E depois que eu fui prestando atenção eu fui aprendendo que, tipo eu não gosto de comida misturada, eu gosto de duas comidas separadas, eu não como por exemplo salada de frutas, mas eu como todas as frutas que estiverem separadas em vasilhas diferentes. Mas também tem as questões de despersonalização, o burnout, o shutdown/meltdown, a hipersensibilidade a tecidos… a grande maioria dos tipos de tecido eu não consigo entrar em contato e enfim. Por exemplo, entrar em contato com um tecido de poliéster é algo que me causa uma sensação de dor física, praticamente.

Carol: E Deborah, tu comentou que tu conseguiu te abrir mais com a tua psicóloga mais nova que é indígena e foi com ela que tu conseguiu conduzir o teu diagnóstico, então eu queria saber se o fato dela ser indígena contribuiu de alguma forma pra que tu conseguisse obter o teu diagnóstico de autismo.

Deborah: Não que eu tenha percebido. A minha questão de me consultar com a psicóloga indígena é muito porque com as outras psicólogas eu sentia que eu não conseguia me abrir, sabe? Porque tenta questão cultural, muita questão espiritual que eu não me sentia à vontade para falar sobre com psicólogos não indígenas, por exemplo. Então talvez não diretamente, mas talvez isso de me sentir mais à vontade, de estar num espaço mais seguro, né, que eu considero mais seguro, é algo que tenha contribuído pra isso, mas assim de uma forma direta, direta eu não saberia, não saberia dizer não.

Carol: Como tu comentou mais cedo que tu pretende falar mais sobre autismo e trazer mais força a essa luta, eu queria saber como tu percebe a visibilidade das pautas indígenas no âmbito do autismo. Tu acha que tu já viu isso ser discutido em algum espaço? Consideram essas pautas vamos falar de autismo?

Deborah: Eu tenho um grupo no WhatsApp que é só com parentes autistas/TDAH, mas assim na internet mesmo eu nunca vi uma discussão de fato. Recentemente eu postei sobre como as pessoas têm facilidade em mal interpretar uma mulher indígena que é autista.

Porque, por exemplo, eu não sou o tipo de pessoa que fica fazendo rodeio pra falar certas coisas e às vezes as pessoas vão me ver como uma pessoa grossa. E como ser uma mulher racializada intensifica isso, porque as pessoas esperam que eu seja grossa, né? As pessoas já tem esse estereótipo de indígena selvagem, de que é raivoso, de que sei lá, é ativista, é militante, então tem essa força de raiva, tem essa energia de afronte. E uma coisa que eu percebi que eu mascarei durante toda a minha vida, essa forma de falar com as pessoas.

Hoje eu percebo que eu tenho muito bloqueio em comunicação pra falar sobre assuntos assim menos racionais, mais emocionais assim, porque eu realmente não tenho esse filtro, esse tato social que algumas pessoas tem. E acredito que é isso, no mais eu não tenho visto esses assuntos coexistindo na internet basicamente.

Tiago: Seguindo a mesma lógica Deborah, queria saber qual é o primeiro passo pra que a comunidade do autismo discuta mais sobre as questões indígenas?

Deborah: Olha, o primeiro passo vocês já deram de uma forma muito certeira que é de fato chamar pessoas indígenas autistas pra falar sobre a vivência de uma pessoa indígena autista. Trazer esse debate, essa conversa para outras plataformas, para outros formatos, é interessante porque a grande maioria das pessoas elas desvinculam a qualquer outra característica que não seja o autismo da pessoa. Por exemplo, ah, a pessoa é autista, então ela é só autista. Desconsideram que ela pode ser, sei lá, uma pessoa indígena, uma pessoa negra, uma pessoa amarela, uma pessoa gorda, com outras deficiências, no caso. Ou enfim, uma pessoa da comunidade LGBTQIA+. É cada vez mais mostrar que o autismo, a comunidade autista, é uma comunidade diversa, né? Por exemplo, tem uma série que é Amor no Espectro, a primeira temporada é basicamente só tem pessoas brancas. Eu me identifico como pessoa autista mas não me identifico enquanto uma pessoa indígena. E tem nuances onde as questões do autismo e as questões de ser uma pessoa indígena elas colidem e é importante fazer esses recortes de raça, esse recortes de comunidade LGBTQIA+ pra dentro do autismo, porque uma coisa não pode excluir a outra.

Carol: Ai, eu amei essa resposta, eu acho que essa resposta é um manifesto da importância da gente fazer esse episódio. Umas das discussões que está mais em pauta dentro da comunidade do autismo que eu tenho observado é justamente a questão do racismo, então eu acho que a gente não pode se esquivar desse assunto. Eu acho que isso tem que ser uma das nossas pautas centrais como comunidade porque a gente não está dissociado das outras pautas da sociedade. Então o autismo não está dissociado de quem a gente é como cidadãos e etc.

Tiago: Com certeza, concordo absolutamente. E Deborah, como é que começou esse seu interesse de trabalhar, de se envolver com gastronomia anticolonial?

Deborah: Cozinhar na minha família é algo muito comum. Não tem nada a ver assim com: “ah, fulano cozinha super bem porque todo mundo cozinha super bem”. Os meus tios são pescadores, o meu avô era pescador, meus primos são, então eu meio que cresci aprendendo que o alimento é mais do que só uma comida pro corpo físico, né? Tem toda uma questão ritualística, toda uma questão da comensalidade, entender a importância dos ingredientes, entender a importância dos frutos do mar, basicamente, pro nosso povo. Porque o povo pataxó aqui do extremo sul da Bahia é um povo litorâneo, então a gente tem uma ligação muito forte, é uma conexão muito forte, com o mar e com o alimento que vem dele. E aí partiu disso.

Mas como eu disse, eu me alimentava muito mal quando eu era mais nova e a gastronomia me ajudou muito a aprender a cozinhar, me ajudou muito a melhorar o meu relacionamento com o alimento. Porque eu comecei a me perguntar: ah, mas por que não gosto disso? E aí eu fui descobrindo que era uma coisa tipo textura, cheiro, se era cozido. Por exemplo, comida cozida, já eu não não sou muito fã, eu como algumas coisas, mas também não sou muito fã. Então, eu fui aprendendo outros preparos e aí eu cheguei a conclusão de que tipo não tem nada que eu não goste, não tem nada que eu não coma, é que eu como de jeito diferente do que a grande maioria das pessoas comem.

O Alecrim Baiano na verdade ele surgiu bem no início da pandemia. Eu fazia Direito na faculdade, eu sou formada em Direito mas eu sempre gostei de cozinhar. E aí eu decidi criar o Alecrim Baiano pra compartilhar umas receitas, pra conversar também sobre direito humano à alimentação adequada, soberania alimentar dos povos indígenas e veio daí, né? E veio também de uma sensação de revolta. Porque tem uma prática que é muito comum, que é chefes brancos, sudestinos ou sulistas, que miram pros interiores do norte, do nordeste, pras aldeias, pros quilombos, se apropriam de uma receita, reproduzem seus restaurantes e fica tudo por isso mesmo. Então a gente tem no Brasil um apagamento de identidade dessas culturas alimentares. Então quando a gente fala em cultura brasileira, você pode estar falando de qualquer coisa. Você pode estar falando de um alimento indígena, você pode estar falando de um alimento de cozinhas africanas você pode estar falando de que veio sei lá do leste asiático, então a gastronomia anticolonial é isso, é desmistificar a culinária brasileira basicamente.

Carol: Ai, eu estou muito feliz com esse episódio e eu queria te pedir pra mandar uma mensagem pra comunidade do autismo e pra outros indígenas e autistas que estão por aí, falar pra eles e pros nossos ouvintes.

Deborah: Bom, eu estou chegando por agora na comunidade. Eu tenho muito mais a aprender do que a ensinar as pessoas. Mas uma coisa que eu peço: não ignore a pessoa autista, não reduza a pessoa ao autismo. Não porque o autismo é uma coisa ruim, porque não é. E nós autistas precisamos estar nos espaços, porque se a gente não falar por nós outras pessoas vão. E é o que eu falo também sobre a cultura indígena. É muito fácil de eu abrir um livro de um sociólogo branco que fala sobre cultura de um determinado povo indígena e tomar aquilo como verdade. Na grande maioria das vezes não é. Então, é um recado pra comunidade não-autista.

E pra comunidade indígena e pra comunidade autista, eu quero primeiro desejar forças porque não é fácil. A sociedade é racista, a sociedade é preconceituosa, a sociedade é capacitista, a sociedade está pronta pra conviver com pessoas com deficiência intelectual, com nenhum tipo de deficiência, na verdade. A sociedade foi feita pra pessoas sem deficiência, pra pessoas neurotípicas. Então cada dia é uma é uma luta diferente. Mas não abram mão, então não desistam porque a luta não é só pelo indivíduo, não é só por você, é por uma comunidade. O que você faz agora, o degrau que você sobe agora, vai abrir o caminho para diversas outras pessoas que virão depois. Então é isso galera, boa sorte e não desistam de vocês nunca.

(Transição)

Carol: Márcia, eu queria saber de você, como foi que o autismo entrou na vida de vocês?

Márcia: Ah, o Carlinhos é uma pessoa iluminada que apareceu, assim particularmente como mãe na minha vida, né? Quando Carlinhos nasceu com um aninho por aí, como a minha geografia me possibilita ter períodos de psicologia, uns dois anos de psicologia, o pouquinho que eu eu consegui adquirir dessa grande ciência, eu comecei a perceber no meu filho um comportamento que precisava ser avaliado. E aí ele foi crescendo, nós fomos avaliando e ele tem um nível médio do autismo. E continuamos nesse processo. Mas é uma figura, é uma pessoa que desenha, é meu ilustrador. Ele ilustra meus livros, desenha, então eu tenho um grande educador dentro de casa que é meu filho, né? Interessante o que ele me falou um dia desses. Ele estuda na escola regular, normal, uma escola particular, ele disse: “Mamãe, eu fiquei com pena do professor”. Aí eu disse: “por que meu filho?”. “Porque ele ficou com pena de mim” (risos). Achei tão interessante isso, né? (risos). E a gente e nós demos risadas assim, não do professor, [mas] da situação. Falei: “meu filho, você ficou com pena, porque ficaram com pena de você”. “É, mamãe. Porque eu não preciso que ninguém tenha pena de mim. Eu sou uma pessoa normal. Eu só tenho autismo”. Então o Carlinhos eu vou ensinando pra ele, junto com ele, a gente vai vendo muito vídeo e vou explicando pra ele que ele não é um coitadinho, ele não precisa ter… As pessoas não precisam ter pena dele pelo fato de ele ter um atraso. Vou explicar como a neuro me explicou. A pessoa leva 10 segundos pra dar uma resposta a uma pergunta, o Carlinhos leva 40. Muitas vezes eu vejo que atrapalha um pouco, ele se sente um pouco incomodado. E ele faz certas perguntas assim que, às vezes como mãe, me machuca muito e eu estou sempre com ele, sempre ensinando, sempre junto, buscando estudar junto com ele, reaprendendo coisas que eu vivi lá atrás na infância, na escola e que muitas vezes você sabe que a gente vai aprendendo outras coisas e as coisas vão ficando no nosso HD e você vai buscar lá porque o seu filho precisa. Então a gente está muito junto assim. É uma parceria muito linda.

Tiago: E como é a questão de profissionais atualmente entre vocês?

Márcia: Belém tem um centro que é do estado que tem uma estrutura boa pra o atendimento de crianças com TEA.

Tiago: Ah, é um programa do governo, que teve agora de alguns anos, né? Sim conheço.

Márcia: Do governo do estado. Segundo a neuropediatra do Carlinhos, a doutora Helena Feio, ela disse: “eu não vou nem te indicar particular, vai nesse do governo do estado, eu sei que é difícil, eu sei que é concorrido, mas você pode conseguir e o Carlos vai ter um acompanhamento maravilhoso”. Eu fui conhecer e é maravilhoso o projeto, esse espaço, pro TEA em todo o estado do Pará. Anualmente o governo do estado do Pará realiza o TEAlentos, o Carlinhos participou ano passado como convidado especial porque ele não fazia parte ainda e eu fui assistir o TEAlentos e é maravilhoso crianças recitando poesia, crianças apresentando sua arte plástica, piano, é maravilhoso, a gente vê como essa multiarte é apresentada, né? E o Carlinhos estava entre eles com o desenho porque ele é autodidata no desenho, ele aprendeu, ele com quatro aninhos, cinco aninhos eu já via ele rabiscar. Com sete anos ele já estava ilustrando meu trabalho. E dessa forma eu vejo que Belém tem um projeto que é gratuito para o acompanhamento das crianças com TEA. Castanhal aqui eu fiquei sabendo que estão construindo um centro, não vai ser igual ao de Belém logicamente, mas vai ser um centro muito bom interligado ao de Belém. E eu tô nessa esperança de que de fato ele venha a ser construído logo pra que a gente possa não estar sendo se deslocar pra lá mas tendo esse esses acompanhamentos com profissionais da área por aqui também.

Carol: Enquanto eu estava me preparando pra esse episódio eu tive a oportunidade de ler o livro Kumiça Jenó, que vocês escreveram em conjunto, e eu fiquei muito curiosa de saber como foi o processo criativo de vocês na construção desse livro.

Márcia: O Carlinhos, como eu te falei, ele não lê. Eu conversando com ele, eu conto histórias pra ele. E ele disse um dia pra mim: “como é a casa da Matinta?” Porque ele sabe que eu gosto muito de Matinta, né? Eu tenho um carinho muito grande na figura da Matinta com relação a natureza. E eu disse: “meu filho, eu não sei como é a casa da Matinta. Como é que você imagina?”. E ele foi pro quarto, não demorou ele voltou com um desenho, mas um desenho maravilhoso. E quando eu vi aquele desenho, eu fui lendo a mensagem que ele me trouxe e eu fui perguntando: “o que é isso?”. “Não, isso aqui é porque a casa da Matinta não tem telhado, que é pra poder ela ver a lua com mais facilidade” e aí desenhou a lua, um monte de lua assim no teto. É engraçado que tinha uma cadeira igual essas cadeiras poltronas que a gente usa de escritório, aí falei: “mas essa cadeira aqui é muito sofisticada pra casa da Matinta, né?”. Ele falou: “não mãe, essa cadeira aí foi que o macaco da Matinta roubou de você e você não viu, aí levou pra casa dela e está lá e depois ela mandou lhe devolver e está aqui com você de volta” (risos). Eu falei: “bom, muito obrigada pela devolução, muito bonito. E agora eu vou escrever se dá eu vou escrever vou mostrar pra você você disse se gostou ou não”. E aí eu sentei, escrevi o texto e chamei ele, li pra ele e disse: “é assim, meu filho?”. “É mamãe, então essa é a casa da Matinta”. E ficou a casa da Matinta, que é um dos textos que compõem o Kumiça Jenó. E aí eu pedi pra ele desenhar o Curupira, ele foi desenhando, desenhou a Matinta e o Boto, então sempre ele fala pra mim: “me dá ideia”. Aí eu dou a ideia, aí ele vai embora. E quando ele volta, ele volta com desenho. E aí eu fui aproveitando e colocando dentro do texto.

Tiago: Márcia, quando a gente fala sobre autismo, sobre deficiência, a gente acaba sempre esbarrando na temática do capacitismo, né? E eu queria saber você: percebe algum impacto específico dessas duas coisas de ser indígena e ser autista na relação social dentro do ambiente da aldeia em comparação ao ambiente social das pessoas que não são indígenas?

Márcia: Na aldeia, quando ele vai, eles têm um nivelamento de igualdade assim, mesmo aqueles que sabem que ele é. A única coisa que eles tem com ele é cuidado. Por exemplo. Estão brincando de repente querem ir pro rio. Ele não sabe nadar. Aí o garotinho corre: “Titia, eu estou levando o Carlos pro Rio”. Aí eu vou lá e falo: “Olha o Carlos não nada como vocês nadam, ele tem um pouco de medo de rio, de água. Então vamos brincar aqui, vamos brincar de chutar bola, outro tipo de brincadeira que o Carlos possa participar junto?”. Desde pequenininho que eu faço ele ter contato com o rio, né? Ele adorava, quando menorzinho. Maior que já pegou medo.

Com as crianças da cidade, é diferente. Eu sinto que tem essa de ele ser menos capaz nisso, naquilo. E eu tento explicar pra eles que isso atrapalha mais ele, né? E às vezes ele chega aqui em casa triste, às vezes ele não quer ir pra aula, ele já pediu pra eu trocar ele de escola, já teve problema com professores, aqui ele já problema comas crianças vizinhas aqui, com xingamentos, é complicado, é muito difícil.

Você quer ouvir o Carlos um pouquinho?

Tiago: Ah, sim! Olá, boa noite?

Márcia: Ele tá falando contigo.

Carlos: Boa noite!

Tiago: Tudo certo, Carlos?

Carlos: Tudo.

Tiago: Aqui eu estou conversando com a Márcia, sua mãe, nós temos um programa de autistas na internet.

Carlos: Aham.

Tiago: Eu também sou autista e a gente estava conversando sobre autismo.

Carlos: Eu sou youtuber.

Tiago: Ah, que legal. Sobre o que você faz no YouTube?

Carlos: Gravo vídeos de jogos.

Tiago: Quais jogos?

Carlos: Jogos on-line. Se inscreve no meu canal.

Tiago: Beleza, qual é o seu canal que a audiência do Introvertendo segue também.

Carlos: Carlos Toy.

Tiago: Show. Então sigam Carlos Toy no YouTube, pessoal (risos).

Carlos: Eu desenho.

Tiago: Sim, sim. Sua mãe falou sobre os desenhos, sobre o livro, que vocês construíram juntos também.

Carlos: É.

Tiago: E como é que foi a apresentação de vocês no TEAlentos?

Carlos: Foi um pouquinho nervoso, mas eu consegui me apresentar muito bem com a minha mãe no meu lado…

Tiago: Qual a apresentação vocês fizeram lá?

Carlos: Sobre meus desenhos.

Márcia: Então tá, né?

Carlos: É, então tá. Tchau, se inscreve no meu canal e compartilhe o vídeo.

Tiago: Beleza, um abraço Carlos.

Carlos: Falou. Eu estou com 16 inscritos!

Márcia: (Risos).

Carol: (Risos)

Márcia: Ai, meu Deus!

Tiago: Muito legal.

Márcia: É desse jeito!

Tiago: Muito bom.

Carol: Márcia, qual mensagem você mandaria pros nossos ouvintes, pra comunidade do autismo, pra outros indígenas e autistas que estão por aí…

Tiago: …Falando onde as pessoas podem acompanhar seu trabalho, fica à vontade.

Márcia: Eu estou no Instagram e aí eu tenho usado sempre as minhas redes sociais pra falar de vários assuntos e um dos assuntos é esse né, o TEA. Tem também o YouTube e o Facebook. E eu fico feliz que vocês tenham falado desse tema, porque é importante falar de autismo, importante falar da importância que é ter esse olhar não só as crianças, mas os adultos também. E fico muito feliz de terem escutado um pouquinho sobre o Carlos, de ele ter falado um pouquinho também. Tchau.

Carol: Então pessoal, esse foi o episódio, se você é autista indígena, seja na aldeia ou na cidade, mande uma mensagem pra gente nas nossas redes sociais e ou mande um áudio pra gente que a gente vai ter o prazer de ouvir e quem sabe colocar nos próximos episódios e é isso.

Tiago: Valeu pessoal, até a próxima semana.

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