Introvertendo 191 – Autistas no Direito

Antônio Augusto Neto e Morgana Marinho são autistas e também carregam, em comum, a formação pelo Direito. Luca Nolasco e Tiago Abreu os recepciona, na nossa série de autistas e suas profissões, para tratar a escolha do curso, legislação do autismo no Brasil e outras questões. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Luca: Sejam bem-vindos ao podcast Introvertendo, um podcast sobre autismo e dessa vez pra apresentar sou eu, Luca Nolasco.

Tiago: Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, um dos integrantes aqui do Introvertendo e hoje eu acompanho o Luca aqui pra gente dar seguimento aquela nossa série de autistas nas profissões, né Luca?

Luca: Pois é, e a profissão de hoje é autistas no Direito. Aqui conosco nós temos o Tiago, mas temos também o Antônio do canal Legalmente Autista.

Antônio: Olá pessoal, tudo bem com vocês? Meu nome é Antônio, é um prazer estar aqui hoje.

Luca: Temos aqui também a Morgana do canal Levemente Autista.

Morgana: Oi, boa noite, é um prazer estar aqui com vocês.

Luca: O Introvertendo é um podcast feito por autistas e produzido pela Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Luca: Gostariam de falar sobre como vocês foram diagnosticados com autismo? Que ano? Como foi essa experiência pra vocês?

Morgana: Alguns anos atrás ou mais, eu estava tendo uma discussão com alguém que eu me relacionava e veio um clique. Assim, como uma pessoa autista que tem dificuldade de se relacionar e socializar, eu via muitas coisas sobre o comportamento humano que sempre tive, principalmente na adolescência que eu tive muito hiperfoco nisso e me veio um clique assim sobre essa questão de comportamento. E no meio da discussão eu falei pra essa pessoa e meio que fui muito invalidada. Pra resumir, basicamente entre gritos, eu escutei que eu estava tentando tirar a responsabilidade que me cabia na relação. E aí entre várias outras coisas, eu me senti muito invalidada em relação a isso e meio que deixei pra lá, sabe? E ano passado, durante o dia do aniversário de falecimento do meu irmão, aconteceu uma situação que meio que abriu todas as recordações sobre situações que eu tinha muita dificuldade de compreender, de dificuldade de vivenciar.

Eu comecei a falar com a minha psicóloga. Uma das frases que eu mais falava pra ela era o quanto eu tinha dificuldade de me conectar, de construir relações que parece que quanto mais eu tentava, mais eu destruía, ao invés de construir. Poucos dias antes dessa situação do aniversário do meu irmão, eu tinha visto um vídeo de uma blogueira se não me engano canadense em que ela falava de autismo em meninas e meio que veio tudo à tona. A situação do dia do aniversário do meu irmão falecido, ver várias vivências, várias conversas que eu tive com a minha psicóloga e esse vídeo.

E aí eu comecei a conversar com ela que eu estava me identificando muito com os sintomas e as características do autismo e quanto mais eu lia, mais fazia sentido. Ela meio que tentou dizer: “não acho que a gente não precisa ir atrás disso agora porque a gente não precisa te rotular, mas se você acha que é importante, talvez você deva pesquisar um pouco mais”. E aí eu continuei pesquisando, li vários livros e quanto mais eu lia mais eu me identificava. E eu lia um livro da Rudy Simone, chamado Aspergirls, e quando eu terminei de ler esse livro… eu comecei a ler sábado, eu tinha uma consulta com ela na segunda pela manhã, comecei a ler no sábado à noite. Como eu tenho problema de insônia, não preciso dizer que esse final de semana não dormi. Eu li até a segunda-feira cinco horas da manhã, nove horas eu estava na consulta dizendo pra ela: “eu sou autista e eu vou atrás do meu diagnóstico porque eu tenho certeza”. E aí eu comecei o meu processo de procurar profissionais e fazer os testes e dois meses depois que eu recebi o diagnóstico que foi agora no início deste ano aos 34 anos.

Luca: E eu também fico muito surpreso com quão rápido você conseguiu montar um canal e entender bastante sobre o assunto e isso acho surpreendente porque fui diagnosticado relativamente jovem aos 16 anos e demorei ainda algum tempo pra conseguir aceitar, esse período de gestão que às vezes é muito turbulento. E você, Augusto? Augusto não, perdão, Antônio. E você Antônio, como foi o seu diagnóstico? Com qual idade, como foi todo esse processo?

Antônio: Primeiramente, não se preocupem com essa questão de chamar de Augusto, chamar de Antônio, pode me chamar da forma que você achar melhor ou pode me chamar de forma diferente. Não se preocupe com isso.

Luca: (Risos) Era mais pra manter uma consistência durante o episódio que eu acho estranho que…

Antônio: Não, não, deixa!

Morgana: Daqui a pouco ninguém vai entender. Não, esse não era só duas pessoas? já tem cinco (risos).

Tiago: Daqui a pouco eu vou te chamar de Neto Antônio (risos).

Antônio: Não, mas não tem problema, essa é a intenção. Tem que deixar as pessoas confusas pra ver se estão realmente prestando atenção.

(Risos)

Antônio: Mas continuando gente, desculpe pelas piadas, tudo mais, mas do diagnóstico eu não posso dizer que foi diferente, meu diagnóstico foi um pouquinho estranho mas não foi um diagnóstico tão tardio assim quanto o da Morgana. Eu fui diagnosticado aos 19 anos mas desde sempre, desde basicamente criancinha, meus pais sabiam que eu tinha alguma coisa. Os médicos falavam que era hiperativo, que eu era agitado, que eu tinha alguma coisa mas também sempre era hiperatividade ou alguma coisa nesse gênero, TDAH. Não que ele me incomodava ou não no caso, tanto que um diagnóstico chegou só tarde e não foi tanto surpreendente pra gente. Eu tinha passado por uma psiquiatra que certo momento tinha me diagnosticado com transtorno bipolar, que foi um período um pouco mais complicado da minha vida por causa do medicamento que era bem pesado. E na verdade eu até recomendaria pra Morgana, que aquele negócio faz você dormir como uma pedra. E eu percebia que aquilo não estava dando muito certo pra mim porque não necessariamente aquilo estava me ajudando. Hoje vendo aquilo lá eu percebo que era questões de crises, momentos de crises, que a pessoa achou que era bipolaridade.

Depois disso passei por outros psiquiatras, isso tudo na rede pública mesmo, também tenho que falar que eu tenho sorte, porque não moro em capital nem nada assim, mas moro numa cidade grande no interior do Paraná e isso me deu a oportunidade de ter passado por vários médicos. Até que me apareceu uma residente e até hoje eu lembro dela porque ela continuou sendo a minha psiquiatra e ela percebeu que: “pera, isso daí então tá batendo muito bem não, não faz muito sentido esse diagnóstico”. E já que estava na residência ela foi pesquisar mais a respeito. Eu fui a prova de teste dela. Eu basicamente fui o ao vivo dela de poder perceber um diagnóstico errado no paciente.

Eu não sabia de tudo isso na realidade, foi uma coisa que foi falada entre ela e minha mãe. Foi uma situação que eu não sabia que estava sendo diagnosticado de forma diferente. E ao mesmo tempo que eu estava passando por esse diagnóstico junto com minha mãe, porque querendo ou não tinha alguns testes ou algumas verificações que eram feitas com a minha mãe, coisas a exemplo de histórico meu, comigo foi uma situação tanto estranha. Porque eu não lembro exatamente todos os motivos que me fizeram pensar que eu era autista, mas eu acredito que deve ter tido algum documentariozinho, algum filme, algum vídeo, alguma coisa na internet que me despertou alguma coisa a respeito de autismo, me deixou curioso ou mesmo até mesmo publicações a respeito no Facebook, pode ter sido. Mas o grande toque que me atiçou a cabeça pra pensar sobre o diagnóstico foi o filme da Temple Grandin.

Depois daquilo eu percebi que tinha algumas características em mim. Dei uma pesquisada mais a respeito, foi uma coisa mais superficial ainda, mas foi aquela questão de certas características típicas do autismo tipo situações de repetição, movimentação repetitiva, dificuldade como mudanças, dentre algumas outras coisas, junto com o filme vieram a pensar que eu poderia ter alguma coisa relacionada. Tanto que certo dia eu fui numa conversa casual com a minha mãe e eu falei: “mãe, eu acho que eu sou autista”. E ela: “ah, mas por que você acha isso?”. E daí eu fui comentando as situações, e ela: “mas cê sabia que a gente tava te diagnosticando assim?”. E eu: “Não, como assim?”. Ela: “Porque eu e a doutora Lília estavam fechando o diagnóstico pra você, porque a gente também acha”. Eu caí na risada na hora, porque eu pensei: “peraí, como assim vocês já tão me diagnosticando sem o mesmo saber que eu tô sendo diagnosticado?”.

Não teve um ar de tristeza ou qualquer coisa assim que as vezes acontece. Foi uma situação mais cômica do que qualquer coisa. Eu tava: “ah, 19 anos, eu tô desde a faculdade e descubro que eu sou autista. Não é a história mais animadora do mundo, é uma história mais pra rir do que qualquer coisa, mas essa foi a minha história do meu diagnóstico, pelo menos”.

Tiago: É engraçado que eu me identifico com muita coisa, eu também fui diagnosticado aos 19 e centrando mais nessa questão do episódio mesmo de falar sobre a área do direito e tem um estereótipo que a gente relaciona ao autismo de que os autistas estão muito ligados principalmente a questão da informática, da programação, da computação de uma forma geral e tem uma pesquisa que é baseada nos dados do Censo da Educação Superior do Brasil que em 2016, as pessoas autistas que se matricularam nas universidades, o curso mais frequente de matrícula entre autistas foi Direito. Olha pra você ver que coisa curiosa, né? Eu li isso há um tempo atrás e eu quis trazer aqui pro episódio porque é uma coisa que sai um pouco do estereótipo da nossa noção de autistas servindo às exatas. Mas eu queria perguntar pra vocês, então, que vocês contassem pra gente: por que fazer Direito?

Antônio: Antes de tudo, graças a Deus que você falou do autismo foi a questão com o Direito ao invés do: “ah, é o curso mais escolhido por psicopatas ou sociopatas”. ´Pelo menos entre os autistas tava tranquilo com isso.

(Risos)

Morgana: Sim, nossa, todo mundo diz isso.

Antônio: Mas eu não sei na verdade todos os motivos que eu escolhi direito, foi questão de uma mostra de profissão ou esse tipo de situação, eles contrataram psicólogas pra tentar ajudar pessoas que estavam indecisas com as profissões. E nisso eu fui conversando com elas. Na verdade dá pra culpar videogames por ter ido pra área do direito porque eu era aquela pessoa que gostava de jogos de estratégia, coisas de gestão de população e qualquer coisa assim e eu queria um curso que mexesse com área de política, que fosse Relações Internacionais ou alguma coisa nesse sentido.

Então eu decidi pelo Direito mesmo, eu tentei em algumas faculdades, eu não tentei até eu conseguir passar numa faculdade pública porque eu tinha meus pensamentos meio diferentes a respeito de faculdade pública. E na verdade eu dei sorte, porque foi bem na época que se eu tivesse ido eu teria pego uma greve por uns três ou quatro meses e então eu tive sorte que eu fiz querendo ou não numa particular. Eu fiz na PUC, não me arrependo até hoje, foi um curso que eu gostei bastante, mas eu sempre digo também que eu acho que eu teria me dado bem quase qualquer coisa que eu fosse fazer. Hoje eu não posso mais dizer isso porque eu acho que eu esqueci completamente como funciona a matemática, então acho que a área de exatas hoje em dia pra mim tá fora (risos).

Morgana: Então, como eu falei, eu cursei duas faculdades, História e Direito, História eu fiz numa faculdade pública e Direito fiz na faculdade particular e realmente é complicado. Eu acho que diferente de ti eu escolhi uma universidade pública porque eu acredito muito na universidade pública e eu sou uma das grandes defensoras da bandeira da universidade pública, mas eu sei o que é sofrer com greves. O meu curso de Direito foi todo de greves. A gente tinha greves de cinco meses. Quando eu terminei o curso, entre a minha defesa da monografia e o último dia do curso, que era pra gente poder receber o certificado de vocês, a gente teve uma greve de cinco meses entre o dia da minha defesa e o meu último dia de aula.

Antônio: Nossa!

Morgana: A minha escolha pelo Direito foi bem complexa. Eu tenho superdotação e aí eu tinha muita facilidade na vida acadêmica de uma maneira geral. Facilidade um pouco complexa assim porque, por exemplo, eu tirei zero numa prova de matemática porque a professora não acreditou que eu tinha capacidade de fazer os cálculos sem precisar escrever. Eu partilho isso do Antônio assim de chegar no final do ensino médio e não saber pra onde ir porque eu tinha muita facilidade em quase todas as matérias acadêmicas e aí na época eu acabei escolhendo História porque numa cidade próxima onde eu morava tinha uma faculdade de formação de professores, que era da Universidade Estadual do Ceará e no semestre que eu tentei só tinha Pedagogia e História. Aí eu fui pra história porque eu não não me sentia atraída pelo curso de Pedagogia. Aí eu terminei o curso de história, comecei a dar aula ainda antes de terminar o curso, eu tinha 19 anos, eu dava aula, eu tinha alunos mais velhos do que eu, eu tinha 16 turmas numa média de 45/50 alunos e ainda tinha que lidar com atividades extracurriculares da escola, feiras e mais um monte de coisas, reunião de professores…

No final de semana, eu simplesmente não vivia. Eu acordava, tomava café, ia pra escola, chegava da escola e às vezes não conseguia nem comer, só dormia assim, acho que eu compensei os meus problemas de insônia na época que eu dava aula porque era muito pesado pra mim e muito desgastante. E eu tava numa situação que tava muito pesada pra mim, eu não tava mais aguentando e aí eu comecei a ouvir as questões da minha família. Minha mãe dizia que eu tinha desperdiçado a minha vida, que tinha talento, que não era pra ter ido pra ser professora, apesar de eu adorar dar aula. E que eu deveria ir ou tentar fazer alguma coisa na área de Direito ou de Medicina ou algum curso na área de saúde. A minha mãe queria muito que eu fizesse odontologia, só que eu tenho muita sensibilidade auditiva, muita sensibilidade visual, eu não consigo por exemplo ficar numa sala de espera de dentista por causa dos barulhos que são típicos no consultório odontológico, como é que eu ia trabalhar com isso? Então essas eram coisas que pra mim não fazia nenhum sentido.

E aí na época eu tinha muita facilidade com documentos, eu gosto muito de lidar com contratos, eu gosto muito de estatutos e aí ficou meio que óbvio. Entre as opções que estão me dando, vou cursar direito. Como alguém que dentro da família conseguiu chegar lá, eles me cobravam muito que fosse algo que que tivesse algum retorno e que não me deixasse exausta, porque na época eu ainda morava com a minha mãe e eu simplesmente não convivia com minha família, não conseguia fazer mais nada da minha vida a não ser dar aula e dormir.

Tiago: Ou seja, a gente tem duas experiências bem diferentes com o curso do Direito aqui e eu acho que isso é muito valioso até pra gente conseguir também imaginar que dentro da comunidade do autismo não é porque uma pessoa autista é de uma área que essa pessoa necessariamente tem uma paixão ou um interesse profundo nessa área. Inclusive, na época que eu era da universidade, eu conheci vários autistas, eu conheci vários que mudaram ou fizeram vários cursos até encontrar algo que fosse mais ligado à sua predileção. Mas eu queria perguntar pro Antônio o seguinte: O Antônio tem a parte Legalmente Autista, e aí nessas redes você publica algumas informações sobre autismo no contexto do Direito, eu acho isso muito legal porque nesse sentido de usar o conhecimento especializado junto com a questão de ser autista não é algo que eu vejo tão comumente na comunidade do autismo. E aí eu queria saber de você: qual é a dúvida mais frequente que você observa entre o público que acompanha o seu trabalho? Porque eu imagino que tem autistas que te seguem, mas também tem mães, pessoas que tem muitas dúvidas sobre questões de direitos dos autistas.

Antônio: Normalmente são a direitos que a pessoa tem e às vezes não sabe ou simplesmente pergunta a respeito de algum direito de como é o funcionamento pra conseguir a sua aquisição. Um dos principais exemplos seria o benefício de prestação continuada, o caso do BPC, que muitas vezes pergunta como que é o procedimento e se eles têm a possibilidade ou não de poder estar entrando com isso. Porque não é uma coisa que vamos dizer assim, tem muitos advogados que poderiam cobrar pra fazer isso pela pessoa, mas no caso é uma situação relativamente simples. Ou parte do procedimento é feito pela internet mesmo. Então tendo o aplicativo no celular pra poder fazer o procedimento, você consegue quase inteiro. A pandemia complicou as coisas por causa das consultas, porque você tem que fazer certas verificações para saber se você pode… questão médica mesmo, se você realmente é deficiente.

E o caso da isenção do IPI e de alguns outros impostos que tem a respeito de veículos, que por mim tá sendo um inferno porque não para de mudar essa norma. Simplesmente a cada três meses, lança alguma coisa nova. Uma hora eles colocam um teto limite, outra hora eles aumentam o tempo que você pode ficar, outra hora eles simplesmente dobram o teto que eles colocaram anteriormente e daí cê fica: “gente, o que que é pra fazer? O que tá valendo e o que que não tá valendo?. Em teoria eu diria que é até uma coisa que é pra ser constante. Não é uma coisa que não muda com o tempo, mas só que ele tem que dar uma segurança jurídica, ele tem que se manter estável para aquilo pra seguir em frente. Só que nesse caso as vezes eu fico de olho e “pera, de ontem pra hoje já teve mudança de novo? Pera, o que que eu tenho que ler? Dá impressão até que tenho que ficar estudando especificamente isso só pra poder ajudar o pessoal” (risos).

Tiago: Ah, e sem falar do ICMS também, que é a parte estadual e aí fica mais confuso ainda (risos).

Antônio: Esse na verdade, o caso do ICMS, até evito. Porque querendo ou não normativa de estado muda de estado pra estado, então eu não quero ficar aprendendo algumas normativas sem ter a necessidade ou pelo menos ter um retorno financeiro, porque querendo ou não isso é uma coisa muito mais de ajudar as pessoas do que ter um retorno financeiro. Tanto que nessas situações a gente faz artigos mesmo, não só apenas na página do Legalmente, mas tem um um blog do escritório de advocacia que eu frequento e nesse blog tem várias publicações a respeito, no meu caso autismo, tem várias publicações e a gente mostra de outros assuntos que também tem, mas só que eu não tenho conhecimento muito aprofundado sobre esses outros artigos, esses são os principais. Mas às vezes perguntam de tudo. Muitas vezes tem gente às vezes que vai lá perguntar pergunta como eu tô. Pergunta sobre o meu dia a dia, se eu tô bem. Tem gente que tá lá só porque gosta de mim às vezes.

Tiago: É, como típicas páginas do autismo. Às vezes perguntam a mesma coisa que você tá cansado há muito tempo de responder. “Ah, com que ano você começou a falar?” (risos).

Antônio: Ah, outra coisa que você me fez lembrar. Tem muita mãe compartilhando as suas histórias, sempre tem algum familiar querendo compartilhar história de vida, querendo compartilhar o que que aconteceu, as vezes como que foi o diagnóstico ou mesmo como a página pôde ajudar a família. Eu fico muito feliz de saber que eu pude ajudar não necessariamente no diagnóstico, mas sim no bem-estar de outra família, de uma outra criança ou um outro autista como um todo. A página é focada no autista, mas querendo ou não, o foco é basicamente na saúde do deficiente, então qualquer tipo de deficiência. Porque muitas vezes se o autista tem direito, muitas outras deficiências também tem.

Luca: Então Morgana, você não chegou a seguir na área do Direito. Só que eu imagino que você com certeza deve usar bastante seus conhecimentos adquiridos na página sem dúvida nenhuma às vezes recebe uma dúvida ou outra que tangencia ou entra direto no tema do Direito. Você consegue falar pra gente um pouco sobre isso, de como você implementa o direito com a sua página e até dúvidas que possa ter recebido de fãs ou de leitores da sua página?

Morgana: Então, a minha página é bem nova. Lancei, digamos assim, no Dia do Orgulho Autista, o dia 18 de junho. Eu ainda tenho tentado, assim, me encontrar dentro do que eu realmente quero partilhar. Eu recebo muitas mensagens não na área do direito mas muitos autistas adultos. Eu acho que basicamente as pessoas que me seguem são quase todas autistas adultas assim e tem um outro caso de alguma mãe autista ou que está buscando o diagnóstico tanto pros filhos quanto pra si. Mas praticamente são artistas adultos assim, não tem muito perfil de mãe. E o que eu mais recebo na verdade são depoimentos assim da dificuldade de conseguir diagnóstico. E aí há um tempo atrás eu até fiz uma enquete pra saber se as pessoas que estavam ali me seguindo elas teriam interesse e aí confirmou. Porque basicamente me perguntaram coisas sobre trabalho e ensino superior. E aí eu ainda não acho que eu não publiquei nada ainda nesse sentido, mas fiquei de me informar um pouco mais sobre. Porque tinha algumas perguntas que são mais específicas assim e depois de fazer algumas publicações na área do Direito também na página já que me deram várias sugestões assim, não vou lembrar todas as temáticas, mas foram bem interessantes, algumas assim eu nunca tinha parado pra pensar, nossa isso pode realmente ajudar muita gente. E a intenção de que eu criei o Levemente Autista foi realmente ajudar. Foi nada além disso.

Tiago: Em 2019, eu participei de um evento de autismo e aí eu conheci um autista que veio da França pro Brasil. E uma das coisas que ele mais me dizia era que, na opinião dele, a legislação sobre autismo do Brasil, era uma das mais avançadas que ele já tinha visto no mundo. E ao mesmo tempo, eu via muitos autistas e muitos familiares falando o quanto que a gente precisa de mais políticas públicas, porque o Brasil não avançou em algumas questões e aí eu queria lançar essa pra vocês: qual é a avaliação que vocês fazem sobre a legislação  que a gente tem hoje sobre autismo no Brasil, se ela é boa, se ela ainda precisa melhorar muito, enfim, queria o papo de especialista de vocês nesse sentido.

Antônio: Eu pessoalmente dividiria a questão de políticas públicas de leis em si. Porque querendo ou não, a gente não pode comparar exemplo o sul do país, eu moro no Paraná. Não podemos comparar aqui com o estado do Amazonas, por exemplo. A condição financeira muitas vezes não apenas das famílias, mas do próprio estado de poder prover algumas coisas é completamente diferente. Por que eu digo isso? A minha cidade deve ter mais de vinte clínicas diferentes pra autismo na cidade. É uma cidade de 400 mil habitantes, sendo que algumas delas tem métodos que são uma das únicas no país que usa esses tais métodos. E isso foi um trabalho não apenas do estado, mas foi um trabalho da própria comunidade autista para que essas coisas crescessem. O que que eu quero dizer com isso? A gente não tem estrutura, mas a gente tem um molde legal pra poder fazer alguma coisa muito interessante, eu não posso dizer a nível internacional. A legislação brasileira muitas vezes é muito boa sim e desvalorizada, porque às vezes as pessoas gostam de comparar com o exterior e às vezes também não sabem o que que tem lá fora. Muitas vezes eles veem uma realidade que às vezes não é a verdadeira realidade de todos, pegam a melhor situação lá de fora e querem comparar com o mediano daqui. Mas também não posso dizer que tudo aqui é flores. Eu escutava de exemplo do ABA, escutava que alguns países tinham média semanal de tratamento de 40 horas semanais, o máximo que eu consigo muitas vezes quando eu consigo pra algum cliente pro plano de saúde, muitas vezes o máximo é 18, 20 horas. Então sim, existem áreas que a gente está penando um tanto. Tanto que eu falo até na área profissional, terapeuta ocupacional na minha cidade não existe. Tanto que curso de terapia ocupacional presencial, acho que eu existe um no estado todo. Isso que a gente tá falando no Paraná, imagina que tem estados que nem devem ter o curso. Então existe falta em algumas áreas, mas só que tem áreas que a gente tem muita coisa, e já tem até estrutura de qualidade muito alta também. Eu não posso dizer quanto a todos os estados porque realmente o Brasil é um país de dimensões continentais e às vezes a minha realidade não é a realidade de todo o país.

Morgana: Eu sou um autista nômade. Nasci no Ceará, morei no Rio e em Santa Catarina. E eu mantenho contato com algumas pessoas e eu acho que eu consigo ter uma visão um pouquinho mais ampliada de como estão algumas situações em algumas partes do Brasil, mas eu concordo totalmente com o Antônio. A gente tem uma legislação até recente. Acho que a grande a grande diferença em termos de direitos públicos do autista começou ali em 2012, quando foi a Lei Berenice Piana.

Antônio: O Estatuto do Deficiente, por exemplo, é de 2015. Eu usei ele como base no meu TCC de tão recente que ele é.

Morgana: Pois é, são coisas bem recentes. A Berenice Piana é de 2012, se eu não me engano. A gente tem uma legislação muito recente. A gente tá falando de um país que na década de 90 estava sendo processado internacionalmente pela maneira como tratava pessoas deficientes. E como a gente sabe que até hoje, apesar de já ter derrubado esse conceito dentro da sociedade científica, mas fora dela todo mundo acha que autismo é uma doença psicológica. E aí a gente começa ali depois dos anos 2000, muito movimento de mães começando a mudar um pouco esse cenário. Só que como o Antônio falou, a gente precisa primeiramente dividir o que é política pública e o que é lei. A lei são parâmetros. E as políticas públicas é como elas vão se moldando no dia a dia da gente.

Eu acho que a gente tem um erro muito grande sobre como que isso tá sendo feito. Porque, por exemplo, a gente tem direito ao diagnóstico precoce, mas todo mundo continua com dificuldade de ascender ao diagnóstico. A gente tem uma espécie de mercenarismo no autismo muito grande. Quando eu falo mercenarismo, não estou falando aqui dos bons profissionais que a gente tem, né? Aos bons profissionais, os nossos aplausos. Mas a gente tem muitos profissionais que não estão interessados em cuidar de pessoas autistas. Eles estão ali pelo simples fato de que como a gente tem uma falta muito grande, uma escassez de profissionais, o valor desse profissional é muito alto. E eu acho que uma grande diferença é que a lei não tá conseguindo alcançar muitas necessidades diárias também. Qualquer direito que você tente ascender enquanto pessoa autista, você tem que tá renovando esse diagnóstico. E não é porque você recebeu um diagnóstico pela primeira vez que a segunda vez ou a terceira ou a décima vai ser mais fácil. Muito pelo contrário. Continua sendo difícil porque nem sempre você consegue voltar para aquele primeiro profissional que te diagnosticou porque você tem condições de pagar. Às vezes você pagou pra ter o seu primeiro diagnóstico e você não tem condições de tá pagando toda vez que você precisa do diagnóstico e tem que passar por todo o processo de novo.

Eu tava lendo o depoimento de uma mãe e ela falando também sobre essa questão de como a lei não tá alcançando a nossa realidade. O filho dela tem direito a trabalhar enquanto autista, só que o filho dela não conseguiu terminar o ensino médio. E essa é uma realidade de muitos autistas. Só que na opinião dessa mãe, ele é muito bom em trabalhos manuais, ele ajuda ela nas tarefas domésticas e existem inúmeras atividades que ele poderia trabalhar, inúmeras profissões que dependem de atividades manuais, só que ele não pode porque todas as vezes que ela tenta conseguir um trabalho pra ele barra nisso de que se exige que ele tenha o ensino médio que ele não conseguiu concluir por conta das próprias limitações dele. Acho que é uma maneira figurativa de falar: a gente ganhou esse direito depois de tanta luta, mas a gente tá tendo um pouco de dificuldade de acessar muitas vezes a esses direitos.

Luca: Ah, eu tava aqui extremamente preso na fala de vocês, porque vocês falam de uma forma que eu simplesmente tava completamente hiperfocado no que vocês tavam falando, não conseguia nem complementar nada, eu só deixei o microfone no mudo e falei “OK, agora eu vou pegar uma aula”.

Antônio: (Risos)

Luca: Pegando de fato uma aula de cada um de vocês. Eu inclusive tava escutando o que vocês falaram sobre o BPC, acabei de lembrar de um negócio que pode ser bem útil pro meu irmão, então o episódio já valeu extremamente a pena só por conta disso. Mas de qualquer maneira, foi um prazer extremo ter conhecido vocês, de verdade, eu adorei. Inclusive eu vou seguir a página de ambos na minha conta privada, não estranhem se vocês verem um nome estranho, provavelmente é o meu. Pra que os ouvintes possam se inteirar mais sobre a questão, no caso do Antônio, sobre a questão do Direito e no caso da Morgana sobre questões mais variadas, por que vocês dois não fazem logo a divulgação do trabalho de ambos certinho pros ouvintes já seguirem agora?

Morgana: Quando eu criei o Levemente Autista já havia lido bastante coisas assim sobre sobre autismo, eu senti muita vontade assim de escrever um pouco de tudo que faz parte do meu mundo autístico, né? É um pouco sobre história do autismo, eu estou hiperfocada nisso e verão na minha página futuramente essas coisas sobre história do autismo, questões de direito também porque foi algo que me pediram algumas questões bem específicas, mas também falar um bocado assim sobre autismo feminino. E a ideia é basicamente essa, foi compartilhar um pouquinho de história, um pouquinho de direito e um bocado sobre autismo feminino porque a gente ainda tem pouquíssimo informação sobre essas questões mais peculiares do que faz parte do nosso mundo.

E se eu conseguir ajudar algumas pessoas como eu tenho recebido esse feedback, como falou o Antônio, acho que a melhor parte do dia você fazer um trabalho e o momento que eu me sinto mais empolgada e de continuar é quando me mandam mensagem falando: “ah, nossa eu me identifiquei muito com isso, você colocou em palavras assim coisas que eu não conseguia, tô mostrando aqui pro meu marido porque quando ele lê o teu texto ele disse que parecia que era que falando sobre mim”. “Nossa, quando eu li o texto eu vi muito da minha filha”, então, assim, eu tenho conseguido ter esse feedback muito positivo, assim, de pessoas sentirem que de alguma forma eu estou sendo a voz delas e estou conseguindo colocar em palavras coisas que elas têm dificuldade de colocar. E basicamente isso assim, elas disseram que eu tenho ajudado e eu acho que esse é o ponto mais gratificante. Ah, sigam Levemente Autista, esqueci desse pequeno detalhe (risos).

Antônio: Ah, eu acho que o meu vai ficar um pouco mais curtinho mesmo, só falo que cês podem encontrar tanto no Instagram quanto no Facebook, como Legalmente Autista, vocês encontram. Publico principalmente sobre Direito, mas tô fazendo ultimamente uns reels no Instagram pra dar uma descontraída, fazendo uma coisa mais feliz e também falar sobre as publicações mais relacionadas mesmo a vida do autista. Porque querendo ou não eu não posso falar de autismo sem ser o autista que sou, né? Então não tem que às vezes até dar uma descontraída e fazer um desabafo da minha própria vida. Agradeço a todos pela presença, agradeço se puderem seguir tanto Legalmente quanto Levemente autista, os dois são parecidos, mas para você não se confundir siga os dois. Conto com vocês!

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