Introvertendo 174 – Autistas no Mercado de Trabalho: Autismo Tech

Neste episódio, Paulo Alarcón e Tiago Abreu recebem Joyce Rocha e Milena Yamamoto para um papo sobre ambientes corporativos, programas de diversidade, o projeto Autismo Tech e o seu hackaton. As duas, além de autistas, dedicam-se a pensar a inclusão de autistas no mercado de trabalho. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Tiago: Olá pra você que ouve o podcast Introvertendo, que é o principal podcast sobre autismo do Brasil e que discute autismo em vários contextos. Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, host deste podcast, diagnosticado com autismo em 2015 e autismo e mercado de trabalho com certeza é um dos temas mais importantes quando a gente fala sobre autismo na vida adulta, também sobre autonomia e por isso que nós estamos falando sobre isso mais uma vez aqui, não é Paulo?

Paulo: Sim. Olá, meu nome é Paulo Alarcón, fui diagnosticado em 2018. Sim, muito se fala do autismo na infância, mas o que acontece quando a criança cresce? (risos)

Tiago: Sim, e hoje nós temos duas convidadas que são pessoas mais que gabaritadas para poder falar sobre esse assunto dos autistas no mercado de trabalho e eu vou deixar pra elas se apresentarem. Então, fiquem à vontade.

Joyce: Meu nome é Joyce Rocha, eu quero agradecer bastante o espaço que vocês estão dando pra gente poder ter uma discussão tão precisa e acho que uma conversa pra ontem sobre a questão de inserir os autistas no mercado de trabalho. Atualmente sou uma dos organizadoras do hackaton Autismo Tech, fundadora também da startup aTip que nasceu na primeira edição da Autismo Tech e vai ser muito bom estar aqui com vocês pra compartilhar muito das nossas percepções, vivências, tanto no aspecto pessoal e tanto, também, trocando com a comunidade em relação a essa temática da questão de como a gente insere as pessoas neurodiversas no no mercado de trabalho.

Milena: Olá, pessoal, meu nome é Milena Yamamoto, eu fui diagnosticada em 2018 também. Atualmente eu trabalho como front-end mas, realmente, eu adoro essa temática de mercado de trabalho, simplesmente porque eu já tive muitas dificuldades, eu vejo que muitas outras pessoas também passaram por elas. É muito comum na comunidade autista também você não ter uma adaptação, não ter uma inclusão, então é muito necessário essa conversa realmente como a Joyce falou. Eu sou a fundadora da Inclusão Humanizada, também ela foi fundada depois da segunda edição do hackaton Autismo Tech, do eu sou embaixadora do Autismo Tech e atualmente enquanto Inclusão Humanizada a gente tá co-organizando essa terceira edição do Autismo Tech.

Tiago: Este episódio tem apoio do Autismo Tech e o Introvertendo é uma produção da Superplayer & Co.

Bloco geral de discussão

Paulo: Para mim, o mais difícil foi conseguir o primeiro emprego. A falta de experiência combinada com as limitadas habilidades sociais me tornavam menos interessante para uma contratação. Quando se é recém-formado, é o momento em que a pessoa precisa ser mais marqueteira, já que após conseguir experiência, as suas conquistas falam por você. Como é que vocês acham que autistas inexperientes poderiam contornar essas questões?

Joyce: Acho que a pergunta não é como o autista pode contornar essas questões, mas como o mercado está contornando essas questões. Uma coisa muito importante que eu quero trazer aqui num conceito de empregabilidade, de diversidade, quando a gente, principalmente quando fala de tecnologia, que é a área que a gente tá tocando o Autismo Tech, a área que eu, a Milena, acho que todos nós estamos mais inseridos. Quando a gente fala de tecnologia, a gente fala de inovação. E quando a gente fala de inovação, a gente fala de criar fora da caixa. E a gente só cria fora da caixa se a gente consegue ter pessoas diversas dentro das nossas empresas, das nossas companhias e o quanto as instituições estão preparadas para receber a diversidade de fato. E aí englobam a questão do autismo, que é acho que o papo de hoje, de quanto as empresas estão olhando as capacidades do autista independente da característica ou independente das limitações que a pessoa tenha, o quanto as instituições estão sensíveis e preparadas para entender a necessidade desse grupo, dessas pessoas. Porque acho que até mesmo que o Paulo falou, tem muito dessa questão do marketing pessoal dentro do universo neurotípico. Eu preciso além de um bom conhecimento técnico na área que exigem dentro da empresa, eu também preciso saber vender meu peixe, eu preciso também me vender dentro desse processo. Então, não adianta somente eu fazer a prova lá e mostrar todo o meu conhecimento técnico se eu não consigo me comunicar olhando nos olhos do entrevistador, do recrutador, da recrutadora. Então, essas acho que são as principais barreiras. O quanto as instituições estão abertas e sensíveis para receber a neurodiversidade e o autismo quando a gente tenta falar desse grupo.

Milena: Eu, pra mim, normalmente, quando eu vou pra uma entrevista, principalmente depois que me formei, foi basicamente a criação de uma persona. Foi como se eu tivesse atuando, a persona Milena profissional. Porque basicamente, quando você vai para uma entrevista, os primeiros segundos são primordiais e não só os primeiros segundos, mas também toda a reação que você vai ter, o que você vai falar. Então, basicamente, depois do meu diagnóstico eu entendi um pouco melhor os meus déficits, as minhas capacidades e foi basicamente um processo de treinamento nessa parte social. Eu falo muito que quando eu era criança, eu, nossa, eu era muito tímida, eu não falava muito, não conseguia nem comprar alguma coisa, por exemplo, ir pra uma vendinha e, e comprar qualquer coisa que seja, eu não conseguia, porque era muito difícil falar com as pessoas, era muito difícil pedir o que eu precisava. E a entrevista foi, de fato, encarar uma persona. E aí, entra, também, algo que a Joyce falou muito. Muitas empresas não estão adequadas, elas não têm essa inclusão como uma cultura delas. Basicamente, quando a gente fala sobre uma uma inclusão e uma diversidade, nós falamos muito mais sobre o movimento LGBTQIA+, que de fato é necessário. Mas esse “movimento autista”, eu vejo que é bem recente e a maioria das empresas estão vindo com essa dor bem recentemente também. Da parte da Inclusão Humanizada, a gente tem várias empresas vindo conversar com a gente, falando um pouquinho mais sobre como está sendo, o que eles esperam, o que eles querem mudar e muitas empresas não têm essa visão de como fazer uma inclusão para autistas. Isso vai muito daquele estereótipo autista, porque a gente sabe muito bem que ou é aquele gênio, ou aquele grau mais severo, basicamente. Eles são conceitos muito baseados em estereótipos. Então, quando você vê o lado da inclusão e adaptação, é muito difícil nessas empresas e é um conceito que a gente tem trabalhado muito para tentar quebrar isso e pra fazer uma adaptação muito melhor e pra também pavimentar pros próximos autistas que vão a serem incluídos nessa empresa a entrarem nessa empresa e também serem melhor recebidos por elas.

Joyce: Um outro ponto, eu acho que que é importante, talvez, colocar que dentro das empresas existe um modelinho de perfil de pessoas que eles contratam. Então, saindo um pouco do autismo, mas tentando ir pra outras diversidades. Quando a gente vê a estrutura da empresa e vê “tem pessoas pretas trabalhando dentro da minha empresa”, mas qual é a pessoa preta que está na diretoria? As pessoas com deficiência também. Quantas pessoas com deficiência são os gestores, estão na diretoria? E aí quando a gente fala aí de racismo estrutural, quando a gente pensa na pauta racial, quantas pessoas do recorte social tiveram o privilégio e a oportunidade de estudar inglês desde a primeira série? Quando a gente pensa na questão do autismo, a deficiência como um todo, o quanto essas pessoas tiveram adaptações precisas desde o início da sua pra conseguir chegar no no patamar que ela tá na empresa. Então, acho que são muitas questões que a gente ainda precisa debater para conseguir quebrar mais essa barreira e esses preconceitos que têm em relação a questão da inclusão dos autistas no mercado de trabalho.

Tiago: Ah, com certeza vocês tocaram numa coisa muito importante que eu até já ia perguntar que é sobre esses programas de diversidade de empresas, porque as pessoas com deficiência são as esquecidas do meio do rolê. E como vocês já falaram sobre isso, eu imagino que o próprio Autismo Tech já nasce um pouco com essa questão. Então, até uma pergunta até clichê, mas eu acho que é importante aqui no contexto do episódio de vocês contarem como surgiu o Autismo Tech.

Joyce: O Autismo Tech nasceu em 2018, é uma organização da FIAP. O Guilherme, que é gerente de relacionamentos lá da FIAP, conheceu o Hospital Psiquiátrico Philippe Pinel, que fica em Pirituba, aqui em São Paulo. E dentro do hospital, eles têm a AMA e lá eles tinham um trabalho muito legal de oficina para mães. Então, tipo, as mães que levavam as crianças autistas para fazer tratamento dentro do hospital, essas crianças estavam em terapia fazendo algum tipo de acompanhamento médico, e as mães faziam oficina maker. E só pra contextualizar a questão do maker é de construir coisas mesmo, de construir brinquedos, fazer projetos através da madeira, através de outro materiais. E o Guilherme ficou sabendo dessa iniciativa, ele achou super irado e aí ele organizou a primeira edição do Autismo Tech dentro do hospital e eu fui uma das convidadas. E aí quando eu cheguei lá, fui palestrante, também participei da competição do hackathon e acho que é até legal contextualizar o que é hackathon antes de tudo, porque acho não tão comum pra todo mundo que talvez escute o podcast. Mas o hackathon é um modelo de competição de tecnologia, então a gente tem uma temática. Vou dar um exemplo, eu já participei de um hackathon do Facebook e a temática era de como eu facilito as compras do meu usuário vez do aplicativo. E a gente ficou em torno de 24 horas numa equipe multidisciplinar, com pessoas de tecnologia, pessoas de design, pessoas de negócios, para criar uma inovação com essa temática. E o hackathon da primeira edição que se chamava Challenge Autismo, tinha essa mesma perspectiva, mas com a temática do autismo. E aí, quando eu cheguei dentro do evento para palestrar, eu também participei como competidora. E um questionamento que eu levei dentro do evento, na palestra que eu dei foi: “Além de mim, existe mais algum autista aqui dentro do evento?”. E o único autista era o Ramon, um garoto de 15 anos na época que tava acompanhando a mãe. E um grande presente da minha parte é que eu fui ouvida pelo Guilherme, depois pelo Caio que participou da primeira edição, também competindo e a gente acabou virando amigo e nisso a gente pegou o projeto do Caio que ele tinha feito e a gente tá dando continuidade agora. E a gente tá organizando também o Autismo Tech junto com as meninas da Inclusão Humanizada, junto com a FIAP, da segunda edição pra frente. A gente já tá na terceira e tem esse senso de coletivo, todo mundo tem que fazer parte desse processo de construção sobre de como a gente pode criar uma sociedade melhor pra comunidade autista. E aí, na segunda edição, a gente foi com esse olhar. Então, a gente criou um evento novamente com o mesmo formato que a gente fez lá no Pinel, mudando o que a gente foi pro online por causa da pandemia, mas o que era um critério que era obrigatório na segunda edição é que no mínimo tivesse um autista participando do grupo, no mínimo. E a Milena foi mais ousada e criou uma equipe só de autistas no time dela. E isso foi incrível também no evento em si, mas a gente conseguiu dentro da segunda edição do ano passado ter uma representatividade muito grande e é por isso que eu falo da questão da inovação. Quando a gente tem pessoas mais diversas, a gente consegue ter uma co-criação e uma inovação gigante que só consegue com a diversidade. E a gente conseguiu, dentro dessa segunda edição, de 96 inscritos, 42% dessas pessoas eram autistas, que participaram ativamente do evento e agora a gente tá na terceira edição, criando um um coletivo muito maior.

Paulo: O hackathon, em geral, tem projetos curtos, mas intensos. Você faz dois dias direto de trabalho e você forma equipes que quase nunca o pessoal se conhece previamente. Inclusive esse é um dos problemas que eu tenho com hackathons pra participar. Como é que na edição anterior e nessa edição vocês tornaram o hackathon mais confortável para autistas?

Milena: Bom, eu acho que foi muito relevante o que a Joyce falou, eu conheci o hackathon na primeira edição, enquanto ele era chamado de Challenge Autismo e, pra mim, dava um match perfeito com o meu perfil, porque eu sou da área de TI e eu nunca tinha participado de um hackathon. Então, pra mim, já começar com um sobre com a temática do autismo ia ser muito legal. E uma coisa que eu falo muito é que quando eu fui me inscrever nesse hackathon e na hora que eu fui preencher o formulário tinha uma lista enorme de profissionais, profissionais de saúde, profissionais de marketing, desenvolvedor, parentes, de autistas, pais de autistas e a única coisa que faltava é uma coisa que a gente reclama sempre, que é o quê? É uma opção “autista”. Na hora eu meio que fiquei bem desapontada e esqueci esse hackathon e meio que deixei engavetado e não quis me estender. Na segunda edição já achei legal, porque eu nem sabia que tinha um outro nome, e aí eu vi que tinha Joyce Rocha também no comando. E uma coisa que eu sempre falo e a Joyce deve ficar envergonhada, é que a a Joyce tem um uma atuação muito importante. Eu até chamo ela de rainha dos autistas porque ela faz muitas lives, ela dá muitas palestras principalmente relacionadas ao mercado de trabalho e não sobre autismo e sim como habilidades técnicas e como uma profissional. E isso é muito importante pra gente falar sobre essas habilidades além do autismo. Então, eu achei muito interessante, eu vi que também tinha esse tipo de inclusão, de pelo menos um autista em cada grupo, na hora que eu quis me inscrever, eu já pensei em formar um grupo só de autistas. Comecei a contatar vários, várias pessoas em mídias sociais que eu nem conhecia antes, um trabalho meio árduo, mas eu consegui formar um grupo só de autistas. A gente acabou levando o terceiro lugar. E é muito interessante também ver isso. Por exemplo, o Guilherme que é o organizador da parte da FIAP desse Hackathon, ele, ele ouviu muito a Joyce no primeiro e a diferença foi enorme, tipo, deu uma abertura para autistas muito melhor, deu um protagonismo muito grande e nessa terceira edição a gente também foi convidada para ser coordenadoras. Tanto na parte de formulário de inscrições, a gente fez um formulário bem inclusivo e bem diverso. Inclusive, a gente recebeu vários feedbacks positivos sobre isso. E quanto a achar um grupo, achar pessoas que você vá se dar bem, é muito importante, principalmente levando em conta o autismo e habilidades sociais, a gente criou uma comunidade no Discord. Essa comunidade tem várias mensagens diárias, muitas pessoas que, inclusive, nunca tiveram contato com algum tipo de comunidade sobre autismo. Então também a gente tem tido um feedback positivo muito fantástico dessa parte. Muitas pessoas inclusive falando que tinham muita vergonha de participar de comunidades sobre autismo, de se engajar nessa comunidade, mas no grupo estão proativas, estão bem felizes também. E a gente tem uma troca de mensagens que é muito gratificante acompanhar e ver. Eu acho que isso faz toda a diferença.

Tiago: E eu espero, inclusive, que essa próxima edição do Autismo Tech vá ainda mais longe e faça também expandir essa discussão sobre autistas do mercado de trabalho. E até neste contexto a Milena deu uma palestra agora no mês de abril sobre inclusão de autistas no mercado de trabalho, recomendo bastante, foi no Instituto Federal do Maranhão. E voltando nesse contexto de autistas no mercado de trabalho, depois que as pessoas autistas conseguem até passar desse processo de seleção, que já é um processo por si só excludente e vai pro ambiente de trabalho propriamente dito, a gente tem outras questões envolvendo isso. Porque o ambiente de trabalho é um ambiente de socialização, é um ambiente de estímulos e o espectro do autismo já é um desafio, principalmente pras pessoas entenderem do que que se trata, quais são as questões individuais de cada autista. E aí eu quero saber da opinião de vocês como que as empresas podem ser, do ponto de vista prático, realmente inclusivas quando estão diante de um cenário de: “contratamos uma pessoa autista na empresa”?

Joyce: Primeira coisa, a base de tudo é a escuta. A gente sempre pensa em abafadores, óculos escuros, fones de ouvido, mas a base de qualquer tipo de adaptação de característica que a pessoa tenha é o outro lado saber ouvir. Porque o autismo é muito diverso. Como eu falo, são diversos autismos, são diversas diversas histórias, diversas experiências. É complicado falar. Pra mim, funciona diminuir os estímulos sensoriais. E isso, bem antes da pandemia, eu já tinha de adaptação. Só que pra outra autista isso não pode ser talvez o grande calcanhar de Aquiles, a grande dor dessa pessoa. Dentro das escutas, eu evoluí muito como pessoa, junto com os meus gestores. Tive uma gestora que tinha Síndrome de Irlen e ela me assistiu de perto. A gente trocava figurinha o tempo inteiro. E dentro dessa de trocar figurinha e da gente fazer as adaptações pra mim diante dos diálogos, dentro desse processo, eu também descobri que eu tinha Síndrome de irlen, porque as coisas que ela adaptava visualmente pra ela acabaram funcionando pra mim, eu peguei o que ela fazia de adaptação e coloquei na minha rotina. E ano passado eu tive o diagnóstico fechado. E isso foi muito pela troca que eu tive com essa minha gestora. A minha antiga gestora antes, a Jana, ela perdeu a visão no ano passado. Eu tava o tempo todo perguntando como eu adapto com esse novo formato e com essa nova versão de Jana estando em um lugar que ela não enxerga mais. E como eu faço isso com empatia? Como eu faço isso sem a questão de ligar aquele viés capacitista? Porque é muito fácil a gente chegar nesse viés. Então, até mesmo por todas essas experiências, tanto com a Amanda, tanto com a Jana, o Vander também, meu outro gestor que eu passei antes de vir pra aTip, foram pessoas que me ensinaram que não adianta técnica nenhuma, não adianta o ambiente com a melhor luminosidade se não houver a escuta e a empatia dos gestores e das pessoas que estão em volta trabalhando com a gente.

Milena: Normalmente quando as empresas vêm conversar com a gente, essa é uma pergunta que rola muito. Eu acho que esperam que a gente tenha um livro texto, algo contendo regras de como cuidar do seu autista. E a minha resposta é super anticlimática também, porque não existe uma fórmula mágica, não existe regras fixas, porque, como a Joyce falou, cada um é um autismo. A melhor forma de você incluir alguém na sua empresa e fornecer adaptação necessária é a escuta, você pratica essa escuta e dá total liberdade e oferece uma segurança na fala do seu funcionário. Talvez você tenha um funcionário que precise de óculos escuros na sua na sua empresa, dentro do ambiente de trabalho e pra algumas pessoas isso seria mal educado, seria bizarro. Mas assim, não tá fazendo mal a ninguém e muito pelo contrário, tá ajudando essa pessoa autista a se concentrar, a ter menos estímulos, então que mal tem? Eu acho que a gente precisa abrir essa visão, abrir também os nossos conceitos, as nossas percepções da sociedade como um todo e abraçar mais todas as pessoas e fornecer as adaptações necessárias de acordo com a pessoa. Se ela precisa usar fones de ouvido, ela não precisa usar fones de ouvido, se ela precisa de um horário mais flexível, ou se elas se apegam a uma rotina, então tem que ser todo dia o mesmo horário, senão pra ela é muito difícil continuar assim. E também tem vários aspectos, tem várias características que você só vai saber conversando com o autista. Então, a melhor forma de adaptação é realmente abrir a sua conversa com o seu funcionário e fornecer toda uma segurança e deixar ele calmo quanto as necessidades dele. Que ele possa falar e transmitir as necessidades sem se sentir julgado, sem se sentir atacado e sem ter medo de represarem.

Tiago: Ah, muito legal isso que vocês falaram, porque reflete exatamente aquilo que eu penso. Tem até uma discussão sobre autismo na universidade, por exemplo, que eu transporto muito pra isso que vocês falaram, que às vezes aparece um professor falando assim: “ah, mas agora surgiu um aluno autista, o que que eu faço?” E aí a primeira pergunta é: “você chegou a conversar com ele antes?”. Então, muitas vezes a pessoa não se põe a ter uma conversa antes para conhecer a pessoa e já entra em pânico, assim. Então, é algo, realmente, que muitas pessoas devem pensar.

Paulo: Inclusive, aqui no podcast a gente tem questões entre os integrantes também referente a idiossincrasias de cada um, as limitações e etc, que a gente precisa adaptar.

Tiago: Sim, sim, exatamente. todo episódio é uma logística diferente como o Michael disse num dos episódios anteriores. A gente tem até um episódio sobre trabalho em grupo que eu acho que reflete também um dos desafios quando a gente fala de mercado de trabalho.

Paulo: Sim. E quem tiver interessado em participar do Autismo Tech e quiser se inscrever como é que é isso?

Joyce: A pessoa pode entrar no nosso site. Tem as nossas redes sociais e é importante frisar dentro do processo da terceira edição que eu acho que a gente não acabou comentando, é que além do hackathon que vai rolar no final de todo esse processo, a gente vai ter trilhas de capacitação. E que seria essas trilhas? Porque teve pessoas que entenderam, literalmente, de pegar a mochila e fazer uma trilha.

Paulo: (Risos)

Joyce: Mas quando a gente fala de trilha de capacitação são cursos de informações que a gente vai dar na em três áreas. Que é na parte de teste de software, desenvolvimento de games e também a linguagem SalesForce. Então, vai ter esses três cursos de capacitação onde as pessoas que se inscreverem e passar no nosso processo vão ter aí onze semanas de capacitação e aí, dentro desse, depois dessas onze semanas, vai ter o evento do hackathon da Autismo Tech, onde essas pessoas vão cocriar com um público maior.

Milena: É interessante também falar que essas trilhas são abertas só pro nosso público neurodiverso. E o intuito delas é justamente a gente ter esse preparo e preparar essas pessoas para abertura de vagas que a gente vai ter no encerramento do hackathon. A gente tem muitas empresas, tanto apoiadoras, quanto patrocinadoras atualmente que elas tenham uma demanda bem interessante de funcionários autistas. Elas querem realmente aproveitar e contratar autistas e contratar de uma maneira inclusiva e adaptada. Inclusive para engajar os ouvintes do podcast, a gente vai oferecer um cupom do Fiap Shift. A FIAP é uma das maiores instituições da área de TI aqui de São Paulo, é muito renomado e eu acho que vocês vão curtir bastante esse cupom. Enfim, a gente vai sortear aí e atente-se às regras que a gente vai falar logo logo.

Tiago: Ah, muito legal, muito legal. Então, reforçando mais uma vez, quem quiser conhecer mais, acesse o site e corre também porque tem um prazo específico, então fica aí o aviso. Joyce, Milena, muito obrigado pela participação de vocês no Introvertendo. Eu acho que dificilmente pra discutir autismo no mercado de trabalho, temos pessoas mais gabaritadas dentro do espectro do que vocês. Então, é um prazer ter vocês aqui no Introvertendo e se vocês quiserem deixar um recadinho final aí, o espaço é de vocês.

Joyce: Opa, primeiro eu gostaria de agradecer o convite, eu acho que é importante a gente ter esse papo, esse diálogo e principalmente acho que frisar a importância do protagonismo, nós como autistas, igual vocês aí no Introvertendo com o protagonismo de vocês, trazendo temas tão precisos e relevantes para nossa sociedade. Eu sempre escuto vocês e sempre adoro o material de vocês e a gente precisa cada vez mais ter espaços, ter mais esses ambientes de onde os autistas possam falar por eles, não desconsiderando familiares e nem profissionais, porque são atores fundamentais dentro da nossa evolução, sem a nossa base familiar também a gente não chega a lugar nenhum se não tiver o acompanhamento médico adequado também a gente não chega a lugar nenhum, então são pessoas extremamente importantes no nosso processo de evolução como pessoas, mas nada sobre nós sem nós. Então acho que essa é a mensagem mais importante, pelo menos, que eu sempre quero trazer desde a primeira edição, a segunda, a terceira, os movimentos, os projetos que sempre eu tô tocando, junto com a Milena, junto com com a aTip e com o meu time com o pessoal da Fiap, é sempre com esse desejo da gente cada vez ter mais espaço e mais voz pra falar das nossas dores, porque como designer eu trabalho em cima disso, soluciono problemas e eu só consigo solucionar se tiver dores. Então, a gente quer tentar solucionar problemas em relação às suas questões sociais do ambiente que não está acessível e de como a gente pode fazer isso dentro de um coletivo e dentro dessa comunidade que a gente tá criando.

Milena: Eu que agradeço também, na verdade. Não vou mentir também, sou fã do Introvertendo, sempre ouvi bastante e sempre ouço os episódios quando eu posso. O podcast é muito relevante, porque muita gente da comunidade autista se vê protagonizada e e também são temas muito relevantes, porque a gente passa por isso e, às vezes, não sabe com quem desabafar ou se é uma coisa muito individual, só eu passo por isso, porque ninguém tem esse mesmo problema. Eu acho que esse é um pensamento muito frequente na nossa comunidade e ter esse podcast para falar sobre essa temática, não só é bom pra comunidade, mas também para conscientizar a sociedade de si. Eu acho que é muito bom. E agradeço demais ainda.

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