Introvertendo 160 – Representação Autista na Mídia

No Introvertendo, já falamos sobre o desafio de se representar o autismo dentro da sociedade. E nas produções culturais, como séries, filmes, novelas e livros, não faltam maus e bons exemplos de representação autista. Por isso, nossos podcasters debatem estas e outras questões. Participam: Carol Cardoso, Thaís Mösken e Tiago Abreu. Arte: Vin Lima.

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Transcrição do episódio

Thais: Um olá pra você que é ouvinte do Introvertendo, este podcast feito por autistas para toda comunidade. Meu nome é Thais Mösken, eu sou autista, tenho 29 anos, e fui diagnosticada com Síndrome de Asperger em 2018, e hoje eu vou ser Host deste episódio. 

Carol: Eu sou a Carol Cardoso, tenho 23 anos e fui diagnosticada com autismo em 2018.

Tiago: Meu nome é Tiago Abreu, sou jornalista, integrante do Introvertendo, e eu sou muito interessado nessa discussão de como os autistas são representados midiaticamente.

Thais: E nós reunimos esse grupo hoje aqui pra falar sobre a representação de autistas nas mídias. Aproveitando que nesse mês de março, mês das mulheres, nós estamos fazendo esses especiais, todos apresentados por uma mulher. O Introvertendo é um podcast feito por autistas com a produção da Superplayer & Co. E hoje a gente vai falar um pouco sobre essa representação diversa nas mídias.

Bloco geral de discussão

Tiago: Acho que antes de tudo, seria legal fazer uma observação aqui sobre o que a gente vai falar quando usamos a palavra “mídia”, porque eu como jornalista, por exemplo, quando ouço a palavra mídia, a primeira coisa que me faz pensar é meios de comunicação. Então seria sobre a representação de autistas em reportagens e matérias? Não exatamente. Aqui a gente está falando mais de mídias culturais como séries, filmes, produções e na comunidade do autismo tem uma discussão muito grande de como os autistas são representados nessas obras, sobre estereótipos, sobre várias dessas coisas.

E a gente já falou até várias vezes aqui no Introvertendo sobre outras séries como Atypical, Good Doctor ou Amor no Espectro e sempre tem aquela coisa de padronização das características dos autistas. Então a gente sabe que existe um padrão muitas vezes reproduzido, que é do homem autista branco, às vezes com inteligência acima da média meio gênio, mas tem uma dificuldade de traquejo social, que é meio misterioso, que tem a falta de empatia, algumas características que incomodam profundamente as pessoas e que estão cercadas de alguns estereótipos. E isso está muito ligado à imagem que o autismo de uma forma geral tem. Quando você procura autismo no Google, o que aparece? Meninos brancos de uma forma geral, né? Então, realmente, a gente tem essa equiparação do autismo como algo masculino.

Carol: Geralmente, nas mídias, quando a gente se depara com algum personagem ou com alguma representação do autismo, a gente geralmente tá falando de alguém do sexo masculino. E isso acaba sendo um reflexo  de por muito tempo, historicamente predominaram homens diagnosticados. Só que ao mesmo tempo, quando a gente pensa do ponto de vista geral, que muitas das representações midiáticas estão muito centradas em indivíduos do sexo masculino, acaba sendo uma tendência de se reproduzir também na comunidade do autismo e nas suas representações midiáticas.

Com isso é muito interessante destacar esse fato que também está muito relacionado com outras formas de estereótipos que a gente vê nas representações. O que é muito comum e muito batido e que, de certa forma, não é tão incomum da gente encontrar pessoas assim, mas que é meio chato ver pessoas que têm absolutamente zero habilidades sociais e que isso acaba deixando tudo muito polarizado, sabe? Ou a pessoa tem zero habilidades sociais ou ela é muito sociável, e isso acaba distorcendo as nuances que um autista pode ter. E que, como os nossos ouvintes devem ter percebido já, a nossa equipe tem uma diversidade no sentido da nossa personalidade. Então, a gente é muito diferente, embora todos nós tenhamos o mesmo diagnóstico. Então, é muito questionável o porquê da gente só encontrar um padrão, um tipo de representação, de autismo e que geralmente tem uma espécie de arquétipo, que é aquela pessoa que não tem nenhuma habilidade social. Uma das cenas mais comuns que eu vejo séries e filmes é mostrando exatamente toda a rotina da pessoa, do início ao fim, ela arrumando a cama dela “tudo arrumadinho” e tipo “eu preciso tomar café da manhã às 8h”, e se ela não tomar café às 8h ela surta. Tudo bem que muitos autistas podem ser assim. Eu inclusive tenho uma rigidez muito grande na minha rotina, mas não é assim, sabe?

Thais: Sobre o que vocês falaram, eu concordo bastante, eu já ouvi o termo de muitos “autismos”, né? Então, existem muitos autismos no sentido de que cada pessoa autista é muito diferente de outra pessoa autista. E a gente, realmente, percebe isso no nosso dia em cada conversa que a gente tem, em qualquer grupo de autistas a gente consegue perceber esse tipo de coisa, desde que sejam autistas de fato se expressando ali, não tentando se encaixar.

E uma coisa que já me falaram a respeito dessas representações extremas é que o que não é muito diferente, acaba não despertando interesse, o que não é muito visivelmente diferente. Então, é muito mais difícil em um filme, em uma série, você representar as sutilezas que a gente vive, de diferenças, do que você representar situações extremas. Então, aquele autista que tem problema sensorial com absolutamente todas as os sentidos dele. Ou o autista que não consegue de forma alguma se expressar ou entender o que tá sendo dito, se não for exatamente no sentido do dicionário. Então se não for polarizado, muitas vezes as pessoas que estão assistindo aquele filme não percebem. O que é até aceito, que as pessoas tenham essa sensação quando elas consomem algum tipo de mídia, mas eu acho que seria importante que elas tivessem consciência de que aquilo não é realidade. Porque eu acho que esse é o problema, a pessoa saber diferenciar o que ela tá vendo apenas como uma representação midiática e ela entender aquilo como a verdade pura e não tentar realmente ter mais informações.

Então, uma coisa que aconteceu, inclusive, comigo, logo que eu tive meu diagnóstico, é que a minha mãe resolveu ir assistir alguns filmes sobre autismo pra tentar entender o que era aquilo. E ela pegou filmes que a deixaram, inclusive, se sentindo desconfortável com o que ela via, com medo do que poderia vir a acontecer. E eu tive que conversar com ela e falar: “Mãe, eu não deixei de ser eu mesma. Eu recebi um diagnóstico pelo que eu já sou, você já me conhece. Não é como se eu fosse, de repente, me transformar no que você está vendo em um filme. ” Então, eu percebo que mesmo as pessoas que estão próximas da gente podem acabar se confundindo quando elas vêem essas representações tão extremas. 

Carol: Pois é, isso que a Thaís falou é muito importante, porque é muito difícil a gente ver uma mídia que “nos representa”, mas que é representada de uma forma tão incompleta que a gente acaba tendo prejuízos na nossa vida social por conta dessas mídias que teoricamente nos representam. Isso é muito chato, porque o autismo não é uma coisa que as pessoas discutem no dia a dia. Hoje em dia vem sendo discutido um pouquinho mais do que antigamente, do que, cinco, dez anos atrás.  também não é uma coisa que as pessoas pegam pra falar no dia a dia. Então, o primeiro contato que as pessoas têm com o tema autismo ser através de uma mídia que nos retrata de uma forma tão ruim, pode orientar a forma como elas interpretam a informação de que a gente é autista. Então, se eu chego pra uma pessoa cujo contato com o termo autismo vem só de uma série, como Atypical ou The Good Doctor, a pessoa não vai associar que eu tenho o mesmo diagnóstico dessa pessoa dessa série e vai achar que tem alguma coisa errada. Ou um ou outro, sabe? Geralmente, as pessoas acham que o que tá errado é a gente, não o filme que retratou aquilo. 

Tiago: Eu acho que existe uma dificuldade por parte das pessoas em entender que as produções culturais… é claro que elas refletem coisas reais na sociedade, mas elas partem a partir de um recorte que muitas vezes é criado de forma a deixar a narrativa mais interessante. Por isso certos autistas são representados nessas produções e outros autistas não. E aí infelizmente alguns valores acabam sendo mais presentes do que outros. E a gente precisa entender que a pesquisa que é feita para essas produções geralmente é formada a partir de relatos de famílias, de informações de profissionais, além das noções que já são circuladas socialmente sobre o autismo. Isso significa que estereótipos e noções até equivocadas podem aparecer de uma forma geral. E eu realmente acho que um dos problemas que envolvem isso é a falta da participação de autistas dentro da indústria.

Porque se, por exemplo, dentro da parte de roteiristas não tiver uma pessoa no espectro para poder balizar se aquilo realmente faz sentido com as suas vivências e as vivências de outros autistas que ela conhece, a gente está fazendo o mais o mesmo. Então é por isso que a gente precisa realmente ter essa perspectiva de que os autistas precisam participar em todas as esferas da sociedade e dentro das respectivas indústrias nas áreas de trabalho, como por exemplo essa parte cultural. Nós autistas temos que estar em tudo. 

Thais: Então agora que a gente já falou um pouco de como a gente tem dificuldade de ver uma representação que nos pareça mais real nas mídias, eu queria que vocês falassem um pouco se tem alguma representação de que vocês gostam, que vocês já viram em algum formato, mesmo que seja menos conhecida, se vocês têm alguma sugestão. Mesmo que não seja, obviamente, algo que vai representar todo o autismo, que a gente já falou que isso não faria nem sentido, mas que vocês achem mais razoável mesmo. 

Carol: Bom, das que eu falei eu só assisti Atypical, mas eu gosto muito, apesar de ter falado o que eu falei ainda agora. Porque eu me identifico com algumas coisas, principalmente quando ele vai pra faculdade, ele teve problemas que eu mesma tive. Acho que a gente não pode olhar de uma forma tão bruta, que uma representação é ruim e outra é boa. Eu acho que todos têm seus méritos. E eu acho que como a gente tá no mês das mulheres, acho que vale ressaltar, justamente porque as representações de mulheres autistas são um pouco escassas, as obras que trazem essas personagens.

Algum tempo atrás eu assisti aquele desenho She-ra, que teve a personagem Entrapta. Eu achei a Entrapta uma personagem muito interessante, não que eu me identifique com ela exatamente, eu me identifico com algumas situações com as quais ela teve que se deparar. E eu consegui me enxergar de certa forma nela, na pessoa que ela é. Eu acho que foi uma representação legal, porque eu acho que não foi coisa muito estereotipada, na minha visão. Eu acho que é muito interessante isso, porque o que a gente considera como estereótipo, às vezes, tem muito a ver com a nossa visão e a nossa experiência pessoal com autismo. Então, é uma coisa tão diversa que o que pode parecer, um estereótipo que não é real pra uma pessoa, pode ser como aquela pessoa é, sabe? Então, não é dizer que não existem autistas como Sheldon, por exemplo, pode ser que existam. Apesar de que ele não é, declaradamente, autista, mas enfim, todo mundo diz que é, e provavelmente é mesmo.

Mas de longe, a minha personagem autista preferida entre todos os personagens autistas de todos os tempos é a Benê. A Benê é de Malhação – Viva a diferença, que depois ganhou um Spin-off, As Five. Eu acho que a representação dela em As Five tá incrível, eu acho que foi a pessoa com quem eu mais me identifiquei de personagem da vida inteira, não só autista, mas de personagem. Porque, primeiro, que ela é representada desde que ela era adolescente, com 16 anos. E agora, na vida adulta, que ela tem mais ou menos a minha idade.

Quando eu tinha a idade dela, eu me identificava muito com a dificuldade que ela tinha de fazer amizades e de interagir e com questões sensoriais, apego a certas coisas que as pessoas consideravam infantis, mas que traziam muito conforto pra ela, e agora ela tá vendo um dilema em As Five, não quero dar spoiler,  mas digamos que sempre existe uma falta de sintonia que eu me sinto em relação aos certos marcos da vida, como foi falado naquele episódio sobre saudade, pelo Tiago e pelo Michael, sobre certos marcos da infância e da adolescência, amizade, essas coisas. E eu sinto que que na representação da Benê, existe uma dessincronia, que não é como se existissem marcos que as pessoas, obrigatoriamente, têm que seguir, mas que por boa parte das pessoas seguirem esses marcos, acaba tendo uma certa pressão social pra isso, e as pessoas que estão fora disso são enxergadas de uma forma meio estranha. E eu acho que a série retrata muito bem o peso que isso pode ter pra uma pessoa e como é difícil se conectar com as pessoas de fato em meio a esse tipo de pressão social. Eu acho que é uma representação que traz muitas nuances, que a gente pode analisar de diversas formas e isso é um contraste bem grande com os personagens unidimensionais que a gente costuma ver na mídia, que representa autismo.

Tiago: Eu sou do tipo que eu amo séries de autismo de uma forma geral. Sempre que sai alguma coisa eu acompanho verozmente, mas também tem aquelas produções que trazem um personagem autista e que o autismo não é o ponto da história e que é muito legal. Desse primeiro aspecto, séries de autismo que trazem personagens autistas, eu gosto muito de alguns personagens de Amor no Espectro. Eu até já falei no episódio que a gente lançou ano passado que eu gosto muito do Mark, eu gosto muito da Olívia, que apareceu na primeira temporada. Eu acho que são personagens muito sólidos, primeiro porque são pessoas reais. Segundo porque eles transmitem algumas nuances sobre o autismo que não foram muito exploradas em outras produções. Mas eu confesso que nas próprias séries de autismo muitas vezes alguns personagens autistas parecem chamar menos a minha atenção do outros personagens que não são autistas que pertencem àquele circuito. Atypical, por exemplo, a própria irmã do Sam é uma personagem muito mais interessante do que o próprio Sam.

Agora, em relação a personagens autistas de séries que não são sobre autismo, tem uma em especial que é muito diferente, é Big Mouth, e tem um personagem que é muito secundário que é o Caleb que ele é um personagem que todas as cenas que ele aparecem são muito engraçadas e essas cenas envolvem características do autismo. Mas não são cenas em que ele é a piada, entendeu? Ele constrói a piada, ele colabora no ambiente. Eu acho que isso é bem interessante e bem rico. Mas de uma forma geral, pensando na minha perspectiva pessoal, eu nunca tive assim um: “nossa, como eu amo esse personagem autista. Ele é a minha cara”. Eu acho que deve fazer diferença pra vocês que são mulheres, e aí Carol falou da Benê de Malhação ainda mais por ser uma personagem nacional. Eu acho que isso tem um peso muito grande, mas pra mim eu realmente sempre me interessei mais pelas pessoas reais que são autistas ou por coisas assim que são mais ligadas ao real. Por isso que eu acho que o pessoal de Amor no Espectro bate assim mais forte em mim, sabe?

Thais: Eu lembro que na época que tava passando essa parte de Malhação – Viva a diferença – eu não assisti a Malhação, mas foi muito perto da época do meu diagnóstico – eu sei que alguém com quem a minha mãe tava falando a respeito de autismo sugeriu que ela visse o vídeo da Benê falando com os pais dela sobre o diagnóstico dela. Então, foi um trecho muito curto, digamos, de uns cinco minutos, de vídeo, que ela viu e depois ela me mandou. E realmente eu achei muito bem feita aquela parte, é o tipo de coisa que me pareceu verídico. É o tipo de situação que eu acho que eu poderia ter estado em algum momento. Do meu lado, tem uma personagem de que eu gosto bastante, eu não sabia que ela era autista quando ela se tornou a minha personagem favorita do Magic, especificamente, – o Magic The Gathering, aquele jogo de cartas – que é a Narset.

E, algum tempo depois que eu tinha comentado sobre o meu diagnóstico pro meu grupo de Magic, eles me perguntaram se a Narset tinha autista também. E aí, eu fui pesquisar e os produtores confirmaram que ela era. E eu achei a representação dela como autista muito bem feita, é muito sutil inclusive, não fica claro na história e em nenhum momento na história o autismo é foco do que se trata ali, mas ela, desde pequena, tem traços muito claros de, tanto um hiperfoco em algumas coisas, então, as coisas que ela faz bem, ela faz bastante bem. Ela, em algumas coisas, pode até ser um gênio, vamos dizer assim, mas em outras não, ela só é porque ela gosta daquilo, se interessa e se esforça muito. Então, o hiperfoco dela tem muito mais a ver com ela se empenhar bastante em algumas coisas de que ela gosta e ignorar muito coisas que pra ela não são importantes o suficiente. E dá pra ver que embora ela seja inteligente, ela fale bem, a comunicação dela com as outras pessoas é muito difícil, porque ela fala uma coisa e as pessoas interpretam de um jeito diferente. E quando falam alguma coisa pra ela que supostamente ela deveria interpretar de alguma forma, ela pega apenas as palavras mais ao pé da letra. 

Quando ela vai crescendo, ela vai mudando um pouco, você percebe como ela realmente amadurece, que é o que eu acho que acontece com muitos de nós. Então, às vezes a gente tem mais dificuldade em determinado momento, mas a gente tem uma capacidade de aprendizado pra justamente ir tornando a vida melhor, tornando algumas coisas mais simples, ou pelo menos facilitando algumas coisas. E eu vi bastante disso nessa história e achei muito legal. Então, eu realmente recomendo. São dois capítulos só sobre a história da Narset, pra quem tiver interesse, dá uma olhadinha. 

Bom, agora que a gente já falou um pouco sobre coisas de que a gente gosta ou não nessa representação que nós já vimos, eu queria que vocês comentassem um pouco de quais são outras sutilezas que seria interessante ver nas representações de autismo nas mídias e que muitas vezes não estão presentes hoje em dia. 

Carol: Ah, eu acho que tem várias coisas que compõem essa nuance, que também são importantes pro desenvolvimento das características, da personalidade dessa pessoa. Então, tipo, uma das coisas que eu gostaria muito de ver sobre a trajetória de personagens, é quando acontece o diagnóstico tardio, e as implicações que isso pode ter. E no caso das mulheres, não só, mas especificamente, eu acho que seria muito interessante abordar outros aspectos relacionados ao autismo que são transtornos associados, como ansiedade e depressão. Então, eu acho que seria muito legal a gente ver ser mais trabalhado, quanto que o não-diagnóstico e quanto que esses estigmas que a gente vê durante a vida toda têm um impacto muito significativo na vida dessas pessoas. Então, isso é uma coisa que seria muito legal abordar uma produção. Não só as questões mais claras sobre o autismo, como os aspectos sensoriais, ou como contato físico e etc, eu acho que é legal a gente falar sobre, por exemplo, os aspectos sensoriais, como já foi falado mais cedo sobre como não é exatamente todos os sentidos ou que todos são ao mesmo tempo.

Por exemplo, eu tava conversando com uma amiga que também é autista e ela tem muita dificuldade com coisas muito quentes ou muito frias. Isso é uma coisa que é oposta em mim, eu gosto muito de coisas muito quentes, às vezes eu tomo banho tão tão quente que acaba machucando. Então, eu acho que é legal brincar sobre como isso pode impactar a vida de uma pessoa, porque, às vezes, a gente não consegue enxergar, realmente, as implicações dos aspectos do autismo na vida e na personalidade dessas pessoas. Muito da forma como eu me relaciono com o mundo, vem dessas questões sensoriais, e não é só o fato de que eu, quando eu vou pra um lugar muito barulhento, eu fico desorganizada e posso ter crise. Os aspectos sensoriais não são só isso, são a forma como a gente enxerga o mundo e que por muitas vezes é tão diferente que isso implica na gente não conseguir se comunicar com as pessoas, nem pra explicar porque que a gente tá tendo algum desconforto ou alguma reação inesperada. Eu acho que precisa uma uma certa explicação ou situar um pouco o quê que é esse aspecto. 

Tiago: Eu acho que as coisas que eu mais sinto falta quando se fala em produções sobre autismo, em primeiro lugar, é a interação entre autistas. Inicialmente as produções são focadas em um personagem autista e com o tempo, quando as pessoas fazem críticas, eles trazem outros personagens secundários no elenco autistas e sempre essa interação entre autistas é algo que enriquece. E eu acho que isso foi muito bem aproveitado pela maioria das séries sobre autismo. Mas eu acho que seria muito legal ainda ter uma série que tivesse um elenco, que tivesse mais de um personagem autista no núcleo principal e que essas pessoas tivessem seus conflitos. Porque a gente tem essa noção também de que autistas têm semelhanças e se dão bem. Podem ser grandes amigos, mas isso não é verdade, isso pode não ocorrer. Ver conflitos entre autistas eu acho que mostra também um pouco da nossa humanidade.

Agora tem uma outra questão que me incomoda e que eu acho que talvez vai ser enriquecida no futuro: quando a gente tem um personagem autista, ele também pertence ao padrão que a gente já falou. Um homem branco heterossexual, agora também tem esse padrão da mulher branca também que em alguns aspectos é claro que é diferente do homem autista branco, mas mesmo assim já já está se tornando algo muito mainstream. E a gente traz muito pouco pessoas que pertencem a minorias, por exemplo de outras etnias, como latinos, pessoas asiáticas, africanos… essas pessoas são muito pouco representadas nas produções de autismo.

E também estou falando de LGBTQIA+. Então nós vemos poucas pessoas autistas que sejam gays, lésbicas, bissexuais, trans. Não são representações muito comuns em relação ao autismo. Então se você pegar uma série por exemplo como Amor no Espectro, a grande maioria são pessoas heterossexuais. Então acho que isso sempre acaba colocando essas minorias dentro do espectro (que numericamente não são tão minorias) dentro de uma caixinha. E esses personagens não são apresentados com tanta nuance como talvez o autista branco, entendeu? Então acho que isso acaba sendo uma questão bem complicada.

Carol: Eu acho muito relevante isso, porque geralmente quando a gente vê alguém representado que pertence a alguma minoria social ou pessoas que são historicamente invisibilizadas, é muito comum que essa pessoa seja só isso. Então, isso não se restringe ao autismo, que, geralmente, a trama gira em torno dessa pessoa ser autista, mas isso também é replicado em outras formas de representar outras minorias. Então, assim, é muito difícil a gente representar uma pessoa que pertença de uma minoria ao mesmo tempo. E eu acho que isso mostra como que a gente tende a estigmatizar as pessoas em certos grupos, que a gente tende a enxergar as pessoas de uma forma muito crua e que a gente não aprofunda isso, isso é refletido na forma como elas são representadas. 

Thais: Pra finalizar então pessoal, vocês conhecem outras produções que sejam produzidas por autistas e que retratam personagens autistas? Eu tenho só uma sugestão que eu conheço, um livro chamado Olhe nos Meus Olhos. Ele é curtinho, eu achei bem interessante, claro que ele representa apenas o próprio autor, mas eu gostei de ler uma autobiografia, escrita por um autista, apesar de eu saber que tem vários livros falando sobre autistas, né? Mas pra mim foi bem interessante. Vocês conhecem algumas outras?

Tiago: Foi muito legal você falar do Olhe nos Meus Olhos, Thaís, porque pra mim essa é a melhor autobiografia de uma pessoa autista que eu já li. Porque fazer uma autobiografia é desafiador, você tem que escrever bem e você tem que ter uma vida interessante. Pra mim são esses dois critérios. E são dois critérios dificílimos. E o John Elder Robinson conseguiu isso de uma forma magistral. Então recomendo também isso que você falou.

Outro livro que eu gosto muito é de um autista francês chamado Josef Schovanec chamado Sou Autista, que um livro muito bom que ele conta um pouco sobre a história dele de vida, ele tem um bom humor, é um livro interessante, mas é um livro difícil de encontrar, só tem em português de Portugal e ele é meio caro.

Mas tem um livro bastante acessível e que fala muito sobre essa experiência do autismo fora do homem branco, que a gente está falando aqui, que é A diferença invisível, uma HQ bem legal, que eu acho que é bem interessante, que discute muito essas questões que a gente tá falando, sobre qual é a cara dos autistas, né? Qual é a representação do autismo? Então acho que isso é bem interessante. 

Thais: Então, você que tá ouvindo a gente, se quiser mandar algumas dicas de séries, filmes, livros ou qualquer outra mídia que você tenha interesse com personagens autistas, de preferência personagens mais diversos, que não sejam tão estereotipados, pode mandar pro nosso e-mail, ou então, escreve no nosso Facebook, ou em qualquer uma das nossas mídias sociais, que a gente vai ler o seu comentário e depois a gente responde.

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